A Saúde dos Refugiados – Impacto da COVID-19 e Doenças Negligenciadas

A Saúde dos Refugiados – Impacto da COVID-19 e Doenças Negligenciadas

4ª Conferência da Rede Angolana de Proteção ao Migrante e Refugiado


Mais de 50 pessoas, membros de diferentes organizações, refugiados, ativistas e líderes da Pastoral das Migrações, participaram da
4ª Conferência da Rede Angolana de Proteção ao Migrante e Refugiado. A Conferência realizou-se no dia 25 de Outubro de 2021 e decorreu no Salão Nobre da Universidade Católica de Angola, num modelo híbrido, ou seja, presencial e virtual, transmitida em direto pelas Redes Sociais. O tema que se pretendeu refletir foi “A Saúde dos Refugiados – Impacto da COVID-19 e Doenças Negligenciadas”.

O evento teve os seguintes objetivos: 

  1. Dar a conhecer as principais doenças que afetam as comunidades de refugiados;
  2. Promover maior conhecimento sobre os processos de assistência sanitária aos refugiados pelo Estado angolano, agências das Nações Unidas e ONG em Angola;
  3. Articular esforços intersetoriais para o enfrentamento das deficiências da assistência sanitária aos refugiados em Angola, entre o Estado (MINSA), parceiros de desenvolvimento (OMS, PNUD e ACNUR) e ONG (Rede);
  4. Pensar em conjunto em soluções pequenas e práticas que ajudem a resolver problemas; 
  5. Consciencializar a sociedade angolana sobre a necessidade de um diálogo inclusivo, na medida em que os refugiados são parte da nossa sociedade e que todas as soluções para o país devem tê-los em conta.
  6. Articular ideias para a criação ou desenvolvimento de modelos ou iniciativas locais intersetoriais para uma assistência integral, que inclua assistência médica curativa, programas de saúde preventiva, acompanhamento psicológico e assistência social.

 

Na sessão de abertura, destacou-se a mensagem do Presidente da CEPAMI, Dom Zeferino Zeca Martins, que destacou a importância da reflexão do tema no atual cenário: “Ao tratarmos da questão da saúde, observaremos que Angola conta com um sistema sanitário deficitário. Os cidadãos encontram grandes dificuldades no acesso aos serviços hospitalares, públicos ou privados, assim como no acesso aos medicamentos e ao devido acompanhamento médico posterior ao diagnóstico e ao tratamento inicial. Estas dificuldades vêm acrescidas para os milhares de refugiados que, por barreiras linguísticas e culturais e por estarem em situação de indocumentados, não acorrem livremente aos hospitais e a instituições equiparadas para o tratamento às suas doenças. Os refugiados desenvolvem um sentimento de medo de serem devolvidos aos seus países de origem, dos quais muitas vezes se distanciaram com muito esforço e sacrifício, e até mesmo devido ao desembolso económico e financeiro exorbitante para o efeito”. Dom Zeferino apelou que, “como Igreja, devemos estar por acima das nossas origens e sentirmo-nos dispostos a defender a dignidade de toda a pessoa, fundamento da justiça e da paz, princípio ético máximo e indispensável da vida económica e política e único caminho para um futuro digno”.

Para o I painel de reflexão, contou-se com a presença do Dr. Nzuzi Katondi, da Organização Mundial da Saúde – OMS, que dissertou sobre o tema “A situação das doenças negligenciadas em Angola e projetos de atenção aos refugiados”; do Coordenador da Comissão Episcopal da Pastoral da Saúde, Dr. Gaspar Domingos, que falou sobre o “Impacto da pandemia, endemias e doenças negligenciadas na saúde física, mental, social e espiritual dos refugiados em Angola”. Lamentou-se a ausência do representante do Ministério da Saúde. A OMS catalogou 20 doenças tropicais negligenciadas, sendo que 14 estão presentes em Angola, e alertou que mais de 53 mil refugiados em Angola estão em situação de risco. 

Para o II Painel, o médico ponto focal para os refugiados, Dr. Dikizeko Makuntima, afirmou também que o estado de saúde dos menores carece de cuidados especiais e consultas específicas. O responsável apelou ainda às autoridades a reabilitarem o centro da comunidade de refugiados em Viana, para se evitar as idas muito onerosas às clínicas. Os líderes da Comunidade Ruandesa, Sr. Mugenzi Joseph, e da Comunidade Congolesa, Sr. Mahamba Jean, falaram das principais doenças e dos desafios que afetam as suas comunidades. Estas são as que mais casos de doenças notificam. Pelo menos três em cada cinco membros podem declarar alguma doença. Esta situação é preocupante, já que revela que mais de metade padece de algum mal-estar. 

Segundo os especialistas, as doenças negligenciadas são aquelas causadas por agentes infecciosos ou parasitas e são consideradas endémicas em populações de baixa renda. Estas doenças revelam também pouco investimento em pesquisas, produção de medicamentos e nos sistemas de cuidados e de controlo. Doenças como a malária, do sono (tripanossomíase humana africana, THA), dengue e outras são ainda principais causas de morbidade e mortalidade em Angola.

A COVID-19 é outra situação preocupante. Desde 2020 que se conhecem poucos casos da doença entre a população refugiada. Um exemplo notório é o de Hoje-ya-henda, onde residem alguns refugiados (e também imigrantes), em Luanda, e que obrigou à imposição de uma cerca sanitária. Este é um dos casos mais evidentes de como as autoridades sanitárias enfrentaram desafios em lidar com o problema, não apenas de saúde, mas de outras questões relacionadas, como apoio psicológico, social ou abordagem de direitos humanos com respeito à liberdade e diversidade cultural dos refugiados.

A assistência sanitária aos refugiados em Angola ainda enfrenta muitos desafios, desde a qualidade à quantidade de recursos, acessibilidade, adequação e apoio complementar, bem como a ausência de um modelo integrado específico, que atenda à sua condição. No geral, os refugiados são assistidos no sistema público de saúde e daqui decorre que os mesmos sofrem as graves limitações do sistema, acrescido do facto de que, em muitos casos, a continuidade do tratamento em casa é impossível por falta de condições próprias para pagar medicamentos ou transporte para voltar ao hospital. É preciso reconhecer que há muito por fazer para ajudar os migrantes e refugiados em Angola.

Irmã Neide Lamperti, MSCS
CEPAMI (Comissão Episcopal para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes)