[…] Provavelmente, nunca os povos originários amazónicos estiveram tão ameaçados nos seus territórios como o estão agora. A Amazónia é uma terra disputada em várias frentes: por um lado, a nova ideologia extrativa e a forte pressão de grandes interesses económicos cuja avidez se centra no petróleo, gás, madeira, ouro e monoculturas agroindustriais; por outro, a ameaça contra os vossos territórios vem da perversão de certas políticas que promovem a «conservação» da natureza sem ter em conta o ser humano, nomeadamente vós irmãos amazónicos que a habitais. Temos conhecimento de movimentos que, em nome da conservação da floresta, se apropriam de grandes extensões da mesma e negoceiam com elas gerando situações de opressão sobre os povos nativos, para quem, assim, o território e os recursos naturais que há nele se tornam inacessíveis. Este problema sufoca os vossos povos, e causa a migração das novas gerações devido à falta de alternativas locais. Devemos romper com o paradigma histórico que considera a Amazónia como uma despensa inesgotável dos Estados, sem ter em conta os seus habitantes. Considero imprescindível fazer esforços para gerar espaços institucionais de respeito, reconhecimento e diálogo com os povos nativos, assumindo e resgatando a cultura, a linguagem, as tradições, os direitos e a espiritualidade que lhes são próprios. Um diálogo intercultural, no qual sejais «os principais interlocutores, especialmente quando se avança com grandes projetos que afetam os [vossos] espaços».[1] O reconhecimento e o diálogo serão o melhor caminho para transformar as velhas relações marcadas pela exclusão e a discriminação. Em contrapartida, é justo reconhecer a existência de esperançosas iniciativas que surgem das vossas próprias realidades locais e das vossas organizações, procurando fazer com que os próprios povos originários e as comunidades sejam os guardiões das florestas e que os recursos produzidos pela sua conservação revertam em benefício das vossas famílias, na melhoria das vossas condições de vida, da saúde e da instrução das vossas comunidades. Este «bom agir» está em sintonia com as práticas do «bom viver», que descobrimos na sabedoria dos nossos povos. Seja-me permitido dizer que se, para alguns, sois considerados um obstáculo ou um «estorvo», a verdade é que vós, com a vossa vida, sois um grito lançado à consciência dum estilo de vida que não consegue medir os custos do mesmo. Vós sois memória viva da missão que Deus nos confiou a todos: cuidar da Casa Comum. A defesa da terra não tem outra finalidade senão a defesa da vida. Conhecemos o sofrimento que suportam alguns de vós por causa de derrames de hidrocarbonetos que ameaçam seriamente a vida das vossas famílias e poluem o vosso ambiente natural. Paralelamente, há outra devastação da vida que está associada com esta poluição ambiental causada pela extração ilegal. Refiro-me ao tráfico de pessoas: o trabalho escravo e o abuso sexual. A violência contra os adolescentes e contra as mulheres é um grito que chega ao céu. «Sempre me angustiou a situação das pessoas que são objeto das diferentes formas de tráfico. Quem dera que se ouvisse o grito de Deus, perguntando a todos nós: “Onde está o teu irmão?” (Gn 4, 9). Onde está o teu irmão escravo? (…) Não nos façamos de distraídos [olhando para o ouro lado]! Há muita cumplicidade… A pergunta é para todos!»[2] […]