3 Setembro 2014 | Mensagem

MENSAGEM DO PAPA FRANCISCOPARA O DIA MUNDIAL DO MIGRANTEE DO REFUGIADO

Queridos irmãos e irmãs!
Jesus é «o evangelizador por excelência e o Evangelho em pessoa» (Exort. ap.
Evangelii gaudium, 209). A sua solicitude, especialmente pelos mais vulneráveis e
marginalizados, a todos convida a cuidar das pessoas mais frágeis e reconhecer o
seu rosto de sofrimento sobretudo nas vítimas das novas formas de pobreza e
escravidão. Diz o Senhor: «Tive fome e destes-Me de comer, tive sede e destes-Me
de beber, era peregrino e recolhestes-Me, estava nu e destes-Me que vestir, adoeci
e visitastes-Me, estive na prisão e fostes ter comigo» (Mt 25, 35-36). Por isso, a
Igreja, peregrina sobre a terra e mãe de todos, tem por missão amar Jesus Cristo,
adorá-Lo e amá-Lo, particularmente nos mais pobres e abandonados; e entre eles
contam-se, sem dúvida, os migrantes e os refugiados, que procuram deixar para
trás duras condições de vida e perigos de toda a espécie. Assim, neste ano, o Dia
Mundial do Migrante e do Refugiado tem por tema: Igreja sem fronteiras, mãe de
todos.
Com efeito, a Igreja estende os seus braços para acolher todos os povos, sem
distinção nem fronteiras, e para anunciar a todos que «Deus é amor» (1 Jo 4,
8.16). Depois da sua morte e ressurreição, Jesus confiou aos discípulos a missão de
ser suas testemunhas e proclamar o Evangelho da alegria e da misericórdia. Eles,
no dia de Pentecostes, saíram do Cenáculo cheios de coragem e entusiasmo; sobre
dúvidas e incertezas, prevaleceu a força do Espírito Santo, fazendo com que cada
um compreendesse o anúncio dos Apóstolos na própria língua; assim, desde o
início, a Igreja é mãe de coração aberto ao mundo inteiro, sem fronteiras. Aquele
mandato abrange já dois milénios de história, mas, desde os primeiros séculos, o
anúncio missionário pôs em evidência a maternidade universal da Igreja,
posteriormente desenvolvida nos escritos dos Padres e retomada pelo Concílio
Vaticano II. Os Padres conciliares falaram de Ecclesia mater para explicar a sua
natureza; na verdade, a Igreja gera filhos e filhas, sendo «incorporados» nela que
«os abraça com amor e solicitude» (Const. dogm. sobre a Igreja Lumen gentium,
14).
A Igreja sem fronteiras, mãe de todos, propaga no mundo a cultura do acolhimento
e da solidariedade, segundo a qual ninguém deve ser considerado inútil, intruso ou
descartável. A comunidade cristã, se viver efectivamente a sua maternidade, nutre,
guia e aponta o caminho, acompanha com paciência, solidariza-se com a oração e
as obras de misericórdia.
Nos nossos dias, tudo isto assume um significado particular. Com efeito, numa
época de tão vastas migrações, um grande número de pessoas deixa os locais de
origem para empreender a arriscada viagem da esperança com uma bagagem cheia
de desejos e medos, à procura de condições de vida mais humanas. Não raro,
porém, estes movimentos migratórios suscitam desconfiança e hostilidade, inclusive
nas comunidades eclesiais, mesmo antes de se conhecer as histórias de vida, de
perseguição ou de miséria das pessoas envolvidas. Neste caso, as suspeitas e

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preconceitos estão em contraste com o mandamento bíblico de acolher, com
respeito e solidariedade, o estrangeiro necessitado.
Por um lado, no sacrário da consciência, adverte-se o apelo a tocar a miséria
humana e pôr em prática o mandamento do amor que Jesus nos deixou, quando Se
identificou com o estrangeiro, com quem sofre, com todas as vítimas inocentes da
violência e exploração. Mas, por outro, devido à fraqueza da nossa natureza,
«sentimos a tentação de ser cristãos, mantendo uma prudente distância das chagas
do Senhor» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 270).
A coragem da fé, da esperança e da caridade permite reduzir as distâncias que nos
separam dos dramas humanos. Jesus Cristo está sempre à espera de ser
reconhecido nos migrantes e refugiados, nos deslocados e exilados e, assim
mesmo, chama-nos a partilhar os recursos e por vezes a renunciar a qualquer coisa
do nosso bem-estar adquirido. Assim no-lo recordava o Papa Paulo VI, ao dizer que
«os mais favorecidos devem renunciar a alguns dos seus direitos, para poderem
colocar, com mais liberalidade, os seus bens ao serviço dos outros» [Carta ap.
Octogesima adveniens (14 de Maio de 1971), 23].
Aliás, o carácter multicultural das sociedades de hoje encoraja a Igreja a assumir
novos compromissos de solidariedade, comunhão e evangelização. Na realidade, os
movimentos migratórios solicitam que se aprofundem e reforcem os valores
necessários para assegurar a convivência harmoniosa entre pessoas e culturas.
Para isso, não é suficiente a mera tolerância, que abre caminho ao respeito das
diversidades e inicia percursos de partilha entre pessoas de diferentes origens e
culturas. Aqui se insere a vocação da Igreja a superar as fronteiras e favorecer «a
passagem de uma atitude de defesa e de medo, de desinteresse ou de
marginalização (…) para uma atitude que tem por base a “cultura de encontro”, a
única capaz de construir um mundo mais justo e fraterno» (Mensagem para o Dia
Mundial do Migrante e do Refugiado – 2014).
Mas os movimentos migratórios assumiram tais proporções que só uma
colaboração sistemática e concreta, envolvendo os Estados e as Organizações
Internacionais, poderá ser capaz de os regular e gerir de forma eficaz. Na verdade,
as migrações interpelam a todos, não só por causa da magnitude do fenómeno,
mas também «pelas problemáticas sociais, económicas, políticas, culturais e
religiosas que levantam, pelos desafios dramáticos que colocam à comunidade
nacional e internacional» [Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate (29 de Junho de
2009), 62].
Na agenda internacional, constam frequentes debates sobre a oportunidade, os
métodos e os regulamentos para lidar com o fenómeno das migrações. Existem
organismos e instituições a nível internacional, nacional e local, que põem o seu
trabalho e as suas energias ao serviço de quantos procuram, com a emigração,
uma vida melhor. Apesar dos seus esforços generosos e louváveis, é necessária
uma acção mais incisiva e eficaz, que lance mão de uma rede universal de
colaboração, baseada na tutela da dignidade e centralidade de toda a pessoa
humana. Assim será mais incisiva a luta contra o tráfico vergonhoso e criminal de
seres humanos, contra a violação dos direitos fundamentais, contra todas as formas
de violência, opressão e redução à escravidão. Entretanto trabalhar em conjunto
exige reciprocidade e sinergia, com disponibilidade e confiança, sabendo que
«nenhum país pode enfrentar sozinho as dificuldades associadas a este fenómeno,
que, sendo tão amplo, já afecta todos os continentes com o seu duplo movimento

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de imigração e emigração» (Mensagem para o Dia Mundial do Migrante e do
Refugiado – 2014).
À globalização do fenómeno migratório é preciso responder com a globalização da
caridade e da cooperação, a fim de se humanizar as condições dos migrantes. Ao
mesmo tempo, é preciso intensificar os esforços para criar as condições aptas a
garantirem uma progressiva diminuição das razões que impelem populações
inteiras a deixar a sua terra natal devido a guerras e carestias, sucedendo muitas
vezes que uma é causa da outra.
À solidariedade para com os migrantes e os refugiados há que unir a coragem e a

criatividade necessárias para desenvolver, a nível mundial, uma ordem económico-
financeira mais justa e equitativa, juntamente com um maior empenho a favor da

paz, condição indispensável de todo o verdadeiro progresso.
Queridos migrantes e refugiados! Vós ocupais um lugar especial no coração da
Igreja e sois uma ajuda para alargar as dimensões do seu coração a fim de
manifestar a sua maternidade para com a família humana inteira. Não percais a
vossa confiança e a vossa esperança! Pensemos na Sagrada Família exilada no
Egipto: como no coração materno da Virgem Maria e no coração solícito de São
José se manteve a confiança de que Deus nunca nos abandona, também em vós
não falte a mesma confiança no Senhor. Confio-vos à sua protecção e de coração
concedo a todos a Bênção Apostólica.