[…]Mas isto é apenas o início. A humilhação que Jesus sofre, torna-se extrema na
Paixão: é vendido por trinta moedas de prata e traído com um beijo por um
discípulo que escolhera e chamara amigo. Quase todos os outros fogem e
abandonam-No; Pedro renega-O três vezes no pátio do Sinédrio. Humilhado na
alma com zombarias, insultos e escarros, sofre no corpo violências atrozes: as
cacetadas, a flagelação e a coroa de espinhos tornam irreconhecível o seu aspeto.
Sofre também a infâmia e a iníqua condenação das autoridades, religiosas e
políticas: é feito pecado e reconhecido injusto. Depois, Pilatos envia-o a Herodes, e
este devolve-O ao governador romano: enquanto Lhe é negada toda a justiça,
Jesus sente na própria pele também a indiferença, porque ninguém se quer assumir
a responsabilidade do seu destino. E penso em tantas pessoas, tantos
marginalizados, tantos deslocados, tantos refugiados, de cujo destino muitos não
querem assumir a responsabilidade. A multidão, que pouco antes O aclamara, troca
os louvores por um grito de condenação, preferindo que, em vez d’Ele, seja
libertado um assassino. Chega assim à morte de cruz, a mais dolorosa e
vergonhosa, reservada para os traidores, os escravos e os piores criminosos. Mas a
solidão, a difamação e o sofrimento não são ainda o ponto culminante do seu
despojamento. Para ser solidário connosco em tudo, na cruz experimenta também
o misterioso abandono do Pai. No abandono, porém, reza e entrega-Se: «Pai, nas
tuas mãos entrego o meu espírito» (Lc23, 46). Suspenso no patíbulo, além da
zombaria, enfrenta ainda a última tentação: a provocação para descer da cruz,
vencer o mal com a força e mostrar o rosto dum deus poderoso e invencível. Mas
Jesus, precisamente aqui, no ápice da aniquilação, revela o verdadeiro rosto de
Deus, que é misericórdia. Perdoa aos seus algozes, abre as portas do paraíso ao
ladrão arrependido e toca o coração do centurião. Se é abissal o mistério do mal,
infinita é a realidade do Amor que o atravessou, chegando até ao sepulcro e à
morada dos mortos, assumindo todo o nosso sofrimento para o redimir, levando luz
às trevas, vida à morte, amor ao ódio. […]