12 Janeiro 2014 | Discurso do Santo Padre

DISCURSO DO PAPA FRANCISCOAO CORPO DIPLOMÁTICOACREDITADO JUNTO DA SANTA SÉ

Excelências, Senhoras e Senhores!
[…] Infelizmente semelhantes formas de brutalidade, que tantas vezes ceifam
vítimas entre os menores e os indefesos, não faltam também noutras partes do
mundo. Penso de modo particular na Nigéria, onde não cessam as violências que
atingem indiscriminadamente a população, verificando-se um crescimento contínuo
do trágico fenómeno do sequestro de pessoas, muitas delas jovens raptadas para
serem objecto de comercialização. É um comércio execrável, que não pode
continuar. Um flagelo que é preciso erradicar, pois nos atinge a todos nós, desde as
famílias envolvidas até à comunidade mundial inteira (cf. Discurso aos novos
Embaixadores acreditados junto da Santa Sé, 12 de Dezembro de 2013). […]
[…] Ao lado das vidas descartadas por causa das guerras ou das doenças, há as
vidas de numerosos deslocados e refugiados. Mais uma vez, é possível
compreender as implicações a partir da infância de Jesus, que testemunha outra
forma da cultura do descarte que prejudica as relações e «dissolve» a sociedade.
De facto, perante a brutalidade de Herodes, a Sagrada Família é forçada a fugir
para o Egipto, donde poderá regressar só alguns anos mais tarde (cf. Mt 2, 13-15).
Consequência frequente das situações de conflito acima descritas é a fuga de
milhares de pessoas da sua terra natal. Por vezes não é de um futuro melhor que
vão à procura, mas simplesmente de um futuro, porque permanecer na própria
pátria pode significar uma morte certa. Quantas pessoas perdem a vida em viagens
desumanas, sujeitas aos vexames de verdadeiros e próprios algozes gananciosos
de dinheiro! Fiz alusão a tal realidade durante a minha recente visita ao Parlamento
Europeu, recordando que «não se pode tolerar que o Mar Mediterrâneo se torne um
grande cemitério» (Discurso ao Parlamento Europeu, Estrasburgo, 25 de Novembro
de 2014). Há ainda outro dado alarmante: muitos migrantes, especialmente nas
Américas, são crianças sozinhas, presa ainda mais fácil dos perigos, que necessitam
de maior cuidado, solicitude e protecção.
Chegando frequentemente sem documentos a terras desconhecidas cuja língua
ignoram, torna-se difícil para os migrantes ser recebidos e encontrar trabalho. Além
das incertezas da fuga, vêem-se obrigados a enfrentar ainda o drama da rejeição.
Assim, em relação a eles, é necessária uma mudança de atitude, passando da
indiferença e do medo a uma sincera aceitação do outro. Naturalmente, isto exige
«implementar legislações adequadas capazes de tutelar os direitos dos cidadãos
(…) e, ao mesmo tempo, garantir o acolhimento dos imigrantes» (Ibid.). Ao
agradecer a quantos se esforçam, mesmo a custo da vida, por levar socorro aos
refugiados e migrantes, exorto tanto os Estados como as organizações
internacionais a agirem diligentemente para resolver estas graves situações

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humanitárias e fornecer aos países de origem dos migrantes ajudas que favoreçam
o progresso sociopolítico e a superação dos conflitos internos, que são a causa
principal de tal fenómeno. «É necessário agir sobre as causas e não apenas sobre
os efeitos» (Ibid.). Aliás, isso permitirá aos migrantes voltar um dia à sua pátria e
contribuir para o seu crescimento e para o seu desenvolvimento.
Mas, ao lado dos migrantes, deslocados e refugiados, há muitos outros «exilados
ocultos» (Angelus, 29 de Dezembro de 2013), que vivem dentro das nossas casas e
famílias. Penso sobretudo nos idosos e nos deficientes, bem como nos jovens. Os
primeiros são objecto de rejeição, quando se consideram como um fardo e

«presenças molestas» (Ibid.), ao passo que os últimos são descartados negando-
lhes perspectivas de trabalho concretas para construírem o seu próprio futuro.

Aliás, não há pobreza pior do que aquela que priva do trabalho e da dignidade do
trabalho (cf. Discurso aos participantes no encontro mundial dos movimentos
populares, 28 de Outubro de 2014), reduzindo-o a uma forma de escravidão.
Procurei salientar isto mesmo durante um encontro recente com os movimentos
populares que se esforçam, com dedicação, por encontrar soluções adequadas para
alguns problemas do nosso tempo, como o flagelo crescente do desemprego juvenil
e do trabalho no mercado negro, e o drama de muitos trabalhadores,
especialmente crianças, explorados por ganância. Tudo isto é contrário à dignidade
humana e deriva duma mentalidade que põe no centro o dinheiro, os benefícios e
os lucros económicos em detrimento do próprio homem. […]
[…] Um testemunho eloquente de que a cultura do encontro é possível,
experimentei-o durante a minha visita à Albânia, uma nação cheia de jovens, que
são esperança para o futuro. Apesar das feridas sofridas na história recente, o país
caracteriza-se pela «convivência pacífica e a colaboração entre seguidores de
diferentes religiões» (Discurso às Autoridades, Tirana, 21 de Setembro de 2014),
num clima de respeito e confiança mútua entre católicos, ortodoxos e muçulmanos.
É um sinal importante de que uma fé sincera em Deus abre ao outro, gera diálogo e
concorre para o bem, enquanto a violência nasce sempre duma mistificação da
própria religião, assumida como pretexto para projectos ideológicos cuja única
finalidade é o domínio do homem sobre o homem. Da mesma forma, na recente
viagem à Turquia, ponte histórica entre Oriente e Ocidente, pude constatar os
frutos do diálogo ecuménico e inter-religioso, bem como a solicitude pelos
refugiados dos outros países do Médio Oriente. Encontrei este espírito de recepção
também na Jordânia, que visitei no início da minha peregrinação à Terra Santa, e
ainda através dos testemunhos chegados do Líbano, ao qual almejo poder superar
as actuais dificuldades políticas. […]