7 Janeiro 2019 | Discurso do Santo Padre

DISCURSO DO PAPA FRANCISCO AOS MEMBROS DO CORPO DIPLOMÁTICO ACREDITADO JUNTO DA SANTA SÉ POR OCASIÃO DAS FELICITAÇÕES PARA O ANO NOVO

Sala Régia

[…] Por seu lado, também a comunidade internacional, com as suas organizações, é chamada a dar voz a quem não tem voz. E, dentre as pessoas sem voz do nosso tempo, gostaria de lembrar as vítimas das outras guerras em curso, especialmente da guerra na Síria com o número imenso de mortes que causou. De novo faço apelo à comunidade internacional a fim de se favorecer uma solução política para um conflito que, no fim, terá apenas derrotados. Sobretudo é fundamental a cessação das violações do direito humanitário, que provocam sofrimentos indescritíveis à população civil, especialmente mulheres e crianças, e atingem estruturas essenciais como os hospitais, as escolas e os campos de refugiados, bem como os edifícios religiosos. Além disso, não se podem esquecer os numerosos refugiados que o conflito causou, colocando a dura prova sobretudo os países vizinhos. Quero agradecer mais uma vez à Jordânia e ao Líbano, que acolheram, com espírito fraterno e não poucos sacrifícios, numerosos grupos de pessoas, e ao mesmo tempo almejar que os refugiados possam regressar à pátria usufruindo de condições de vida e segurança adequadas. O meu pensamento alarga-se também aos diferentes países europeus que generosamente ofereceram hospitalidade àqueles que se encontravam em dificuldade e perigo. Entre as pessoas afetadas pela instabilidade que, há tantos anos, envolve o Médio Oriente estão especialmente os cristãos, que habitam aquelas terras desde o tempo dos Apóstolos, tendo contribuído ao longo dos séculos para edificar e forjar a sua identidade. É extremamente importante que os cristãos tenham um lugar no futuro da Região; por isso, a todos aqueles que procuraram refúgio noutros lugares, encorajo-os a fazer o possível por retornar às suas casas e, em todo o caso, a conservar e fortalecer os laços com as comunidades de origem. Ao mesmo tempo espero que as autoridades políticas não deixem de lhes garantir a segurança necessária e todos os outros requisitos que lhes permitam continuar a viver nos países, de que são a pleno título cidadãos, e contribuir para a sua construção. Infelizmente, durante estes anos, a Síria e todo o Médio Oriente em geral viram-se palco de luta entre múltiplos interesses contrapostos. Além dos interesses predominantes de natureza política e militar, é preciso não transcurar também a tentativa de semear inimizade entre muçulmanos e cristãos. «Se é verdade que, no decurso dos séculos, surgiram entre cristãos e muçulmanos não poucas discórdias e ódios»,[7] contudo em distintos lugares do Médio Oriente puderam uns e outros conviver pacificamente por muito tempo. Proximamente terei ocasião de visitar dois países com maioria muçulmana: Marrocos e Emiratos Árabes Unidos. Serão duas oportunidades importantes para desenvolver ainda mais o diálogo inter-religioso e o conhecimento mútuo entre os fiéis de ambas as religiões, no VIII centenário do histórico encontro entre São Francisco de Assis e o sultão al-Malik al-Kāmil. Entre as pessoas vulneráveis do nosso tempo que a comunidade internacional é chamada a defender, contam-se os refugiados e também os migrantes. Mais uma vez desejo chamar a atenção dos governos para todos aqueles que tiveram de emigrar por causa do flagelo da pobreza, de todo o género de violência e perseguição, bem como das catástrofes naturais e das perturbações climáticas, pedindo que se facilitem as medidas que permitam a sua integração social nos países de acolhimento. Além disso, é necessário trabalhar para que as pessoas não sejam forçadas a abandonar a sua família e nação, ou possam retornar com segurança e no pleno respeito pela sua dignidade e direitos humanos. Todo o ser humano anseia por uma vida melhor e mais feliz e não se pode resolver o desafio da migração com a lógica da violência e do descarte nem com soluções parciais. Por isso, não posso deixar de agradecer os esforços de muitos governos e instituições que, movidos por generoso espírito de solidariedade e caridade cristã, colaboram fraternalmente em prol dos migrantes. Entre eles, desejo mencionar a Colômbia que nos últimos meses, juntamente com outros países do continente, acolheu um número imenso de pessoas vindas da Venezuela. Ao mesmo tempo, estou ciente de que as ondas migratórias destes anos causaram difidência e preocupação na população de muitos países, especialmente na Europa e na América do Norte, e isso impeliu vários governos a limitar fortemente os fluxos de entrada, mesmo se em travessia. Entretanto considero que não se podem dar soluções parciais para uma questão tão universal. Emergências recentes mostraram que é necessária uma resposta comum, concordada por todos os países, sem obstáculos e no respeito de cada instância legítima quer dos Estados quer dos migrantes e refugiados. Nesta perspetiva, a Santa Sé tem-se empenhado ativamente nas negociações e adotou dois Pactos Globais sobre Refugiados e sobre a Migração segura, ordenada e regular. Particularmente o Pacto sobre as migrações constitui um importante passo em frente na comunidade internacional, que nas Nações Unidas, pela primeira vez a nível multilateral, aborda o tema num documento relevante. Não obstante a natureza jurídica não vinculativa destes documentos e a ausência de vários governos na recente Conferência das Nações Unidas em Marraquexe, os dois Pactos serão pontos importantes de referência para o compromisso político e a ação concreta de organizações internacionais, legisladores e políticos, bem como para aqueles que estão empenhados numa gestão mais responsável, coordenada e segura das situações que, por vários títulos, têm a ver com os refugiados e os migrantes. De ambos os Pactos, a Santa Sé aprecia a intenção e o caráter que facilita a sua implementação, embora tenha expresso reservas sobre os documentos mencionados no Pacto relativo às migrações, que contêm terminologias e diretrizes não cônsonas aos seus princípios sobre a vida e os direitos das pessoas.