24 Março 2017 | Discurso do Santo Padre

DISCURSO DO PAPA FRANCISCO AOS CHEFES DE ESTADO E DE GOVERNO DA UNIÃO EUROPEIA VINDOS À ITÁLIA PARA AS CELEBRAÇÕES DO 60o ANIVERSÁRIO DO “TRATADO DE ROMA”

Sala Régia

[…] Neste nosso mundo multicultural, tais valores continuarão a gozar de plena
cidadania se souberem manter o seu nexo vital com a raiz que os gerou. Na
fecundidade deste nexo, está a possibilidade de edificar sociedades autenticamente
laicas, livres de contraposições ideológicas, onde encontram igualmente lugar o
migrante e o autóctone, o crente e o não crente. […]
Há a crise económica, que caraterizou o último decénio, há a crise da família e de
modelos sociais consolidados, há uma generalizada «crise das instituições» e a crise
dos migrantes: tantas crises que originam o medo e o transtorno profundo do
homem contemporâneo, que pede uma nova hermenêutica para o futuro. Todavia o
termo «crise» não tem, de per si, uma conotação negativa. Não indica apenas um
momento triste, que se deve superar. A palavra crise tem origem no verbo grego
crino (κρίνω), que significa investigar, avaliar, julgar. Assim o nosso tempo é um
tempo de discernimento, que nos convida a avaliar o essencial e a construir sobre
ele: é, pois, um tempo de desafios e oportunidades.
[…] A abertura ao mundo implica a capacidade de «diálogo como forma de
encontro»[18] a todos os níveis, desde o diálogo entre os Estados membros e entre
as Instituições e os cidadãos, até ao diálogo com os numerosos imigrantes que
chegam às costas da União. Não se pode limitar a gerir a grave crise migratória
destes anos como se fosse apenas um problema numérico, económico ou de
segurança. A questão migratória põe uma questão mais profunda, que é, antes de
tudo, cultural. Que cultura propõe a Europa hoje? Com efeito o medo, que
frequentemente se nota, tem a sua causa mais radical na perda de ideais. Sem um
verdadeiro ideal em perspetiva, acaba-se por ficar dominado pelo temor que o
outro nos arranque dos hábitos consolidados, prive dos confortos adquiridos,
ponha de certo modo em discussão um estilo de vida feito com muita frequência
apenas de bem-estar material. Pelo contrário, a riqueza da Europa sempre foi a sua
abertura espiritual e a capacidade de se pôr questões fundamentais sobre o sentido
da existência. […]