Queridos irmãos e irmãs!
Saúdo e agradeço a todos vós, Líderes de Igrejas, Autoridades políticas e
Representantes das grandes religiões mundiais. É bom estarmos aqui juntos,
trazendo no coração – e ao coração de Roma – os rostos das pessoas que temos
ao nosso cuidado. E sobretudo é importante rezar e partilhar, de forma clara e
sincera, as preocupações com o presente e o futuro do nosso mundo. Nestes
dias, reuniram-se muitos crentes, mostrando como a oração é aquela força
humilde que dá paz e desarma os corações do ódio. Em vários encontros, foi
expressa também a convicção de que é preciso mudar as relações entre os
povos e as relações dos povos com a terra. Pois aqui hoje, juntos, sonhamos
povos irmãos e uma terra futura.
Povos irmãos: dizemo-lo, tendo como cenário o Coliseu. Este anfiteatro, num
passado distante, foi lugar de brutais divertimentos de multidões: lutas entre
homens ou entre homens e feras. Um espetáculo fratricida, um jogo mortal feito
com a vida de muitos. Mas ainda hoje se assiste à violência e à guerra, ao irmão
que mata o irmão como se fosse um jogo visto à distância, indiferentes e
convencidos de que nunca nos vai tocar a nós. O sofrimento dos outros não nos
faz apressar o passo; nem sequer o dos mortos, dos migrantes, das crianças
reféns das guerras, privadas duma infância despreocupada a brincar. Mas não se
pode brincar com a vida dos povos e das crianças. Não se pode ficar indiferente.
Pelo contrário, é preciso criar empatia e reconhecer a humanidade comum a que
pertencemos, com as suas canseiras, lutas e fragilidades. É preciso pensar:
«Tudo isto me toca! Poderia ter acontecido também aqui, também a mim». Hoje,
na sociedade globalizada que faz espetáculo do sofrimento mas sem o sentir,
precisamos de «construir compaixão»: sentir o outro, assumir os seus
sofrimentos, reconhecer o seu rosto. Esta é a verdadeira coragem, a coragem da
compaixão, que faz ultrapassar o não te rales, o não me diz respeito, o não é da
minha competência. Para não deixar que a vida dos povos se reduza a um jogo
entre poderosos. Não; a vida dos povos não é uma brincadeira; é um assunto
sério e diz respeito a todos; não se pode deixar à mercê dos interesses de
alguns ou prisioneira de paixões sectárias e nacionalistas.
É a guerra que brinca com a vida humana. É a violência, é o trágico e sempre
prolífico comércio das armas, que muitas vezes se move na sombra, alimentado
por subterrâneos rios de dinheiro. Quero reiterar que «a guerra é um fracasso da
política e da humanidade, uma rendição vergonhosa, uma derrota perante as
forças do mal» (Francisco, Carta enc. Fratelli tutti, 261). Devemos deixar de a
aceitar com aquele olhar neutral do noticiário e esforçar-nos por vê-la com os
olhos dos povos. Há dois anos, em Abu Dhabi, juntamente com um querido
irmão aqui presente, o Grande Imã de Al-Azhar, invocamos a fraternidade
humana em prol da paz, falando «em nome dos povos que perderam a
segurança, a paz e a convivência comum, tornando-se vítimas das destruições,
das ruínas e das guerras» (Documento sobre A fraternidade humana em prol da
paz mundial e da convivência comum, 04/II/2019). Como representantes das
religiões, somos chamados a não ceder às seduções do poder mundano, mas a
fazer-nos voz de quem não têm voz, apoio dos atribulados, defensores dos
oprimidos, das vítimas do ódio, descartadas pelos homens na terra, mas
preciosas aos olhos d’Aquele que habita nos Céus. Hoje têm medo, porque em
demasiadas partes do mundo, em vez de prevalecer o diálogo e a cooperação,
ganha força o confronto militar como instrumento decisivo para se impor.
Por isso gostaria de renovar aqui a exortação que fiz em Abu Dhabi a propósito
da tarefa inadiável que cabe às religiões «neste delicado momento histórico:
desmilitarizar o coração do homem» (Discurso no Encontro Inter-religioso,
04/II/2019). É nossa responsabilidade, queridos irmãos e irmãs crentes, ajudar
a erradicar dos corações o ódio e condenar toda a forma de violência. Com
palavras claras, encorajemos a isto: depor as armas, reduzir as despesas
militares para prover às carências humanitárias, converter os instrumentos de
morte em instrumentos de vida. Que não sejam palavras vazias, mas pedidos
insistentes que elevamos pelo bem dos nossos irmãos, contra a guerra e a
morte, em nome d’Aquele que é paz e vida. Menos armas e mais comida, menos
hipocrisia e mais transparência, mais vacinas distribuídas equitativamente e
menos armas vendidas imprudentemente. Os tempos pedem para nos fazermos
voz de tantos crentes, pessoas simples e desarmadas, cansadas da violência, a
fim de que quantos detêm a responsabilidade pelo bem comum se empenhem
não só a condenar guerras e terrorismo, mas a criar as condições para que não
irrompam.
Para que os povos sejam irmãos, deve subir incessante ao céu a oração e não
pode deixar de ressoar na terra uma palavra: paz. São João Paulo II sonhou um
caminho comum dos crentes que partisse daquele acontecimento rumo ao
futuro. Queridos amigos, estamos neste caminho, cada um com a própria
identidade religiosa, para cultivar a paz em nome de Deus, reconhecendo-nos
irmãos. O Papa João Paulo indicou-nos esta tarefa, ao afirmar que «a paz
aguarda os seus profetas. (…) A paz espera os seus construtores» (Discurso aos
Representantes das Igrejas cristãs, das Comunidades Eclesiais e das Religiões
Mundiais congregadas em Assis, 27/X/1986). A alguns pareceu otimismo vazio.
Mas, com o passar dos anos, cresceu a partilha e amadureceram histórias de
diálogo entre mundos religiosos diferentes, que inspiraram percursos de paz.
Este é o verdadeiro caminho. Pode haver quem queira dividir e criar confrontos;
nós acreditamos na importância de caminhar juntos pela paz: uns com os
outros, nunca mais uns contra os outros.
Irmãos, irmãs, o nosso é um caminho que nos pede constantemente para
purificar o coração. Francisco de Assis, ao mesmo tempo que pedia aos seus
para verem, nos outros, «irmãos porque criados pelo único Criador», fazia esta
recomendação: «A paz que proclamais com a vossa boca, tende-a ainda mais
abundante nos vossos corações» (Legenda dos três companheiros, XIV, 5:
Fontes Franciscanas, 1469). A paz não é, primariamente, um acordo a negociar
nem um valor de que falar, mas principalmente uma atitude do coração. Nasce
da justiça, cresce na fraternidade, vive de gratuidade. Impele-nos a «servir a
verdade e declarar, sem medos nem fingimentos, o mal quando é mal, até e
especialmente quando é cometido por quem se professa seguidor do nosso
próprio credo» (Mensagem aos participantes no G20 Interfaith Forum 2021,
07/IX/2021). Em nome da paz, por favor, desativemos em cada tradição
religiosa a tentação fundamentalista, toda e qualquer insinuação a fazer do
irmão um inimigo. Enquanto muitos se ocupam com antagonismos, com fações e
jogos partidários, nós façamos ressoar aquele dito do Imã Ali: «As pessoas são
de dois tipos: ou teus irmãos na fé ou teus semelhantes em humanidade». Não
há outra subdivisão.
Povos irmãos, para sonhar a paz. Mas, hoje, o sonho da paz conjuga-se com
outro: o sonho da terra futura. É o compromisso de cuidar da criação, da casa
comum que deixaremos aos jovens. As religiões, cultivando uma atitude
contemplativa e não predatória, são chamadas a ouvir os gemidos da mãe-terra,
que sofre violência. O querido irmão, Patriarca Bartolomeu, aqui presente
ajudou-nos a maturar a consciência de que «um crime contra a natureza é um
crime contra nós mesmos e um pecado contra Deus» (Discurso em Santa
Bárbara, 08/XI/1997, citado na Carta enc. Laudato si’, 8).
Volto a dizer aquilo que a pandemia nos fez ver, ou seja, que não podemos
continuar sempre sãos num mundo doente. Nos últimos tempos, muitos
adoeceram de esquecimento, esquecimento de Deus e dos irmãos. Isto levou a
uma corrida desenfreada à autossuficiência individual, que descarrilou numa
ganância insaciável, cujas cicatrizes trá-las a terra que pisamos, enquanto o ar
que respiramos está cheio de substâncias tóxicas e pobre de solidariedade.
Assim, derramamos sobre a criação a poluição do nosso coração. Neste clima
deteriorado, consola pensar que as mesmas preocupações e o mesmo
compromisso estejam amadurecendo e tornando-se património comum de
muitas religiões. A oração e a ação podem endireitar o curso da história.
Coragem, irmãos e irmãs! Temos diante dos nossos olhos uma visão, que é a
mesma de muitos jovens e homens de boa vontade: a terra como casa comum,
habitada por povos irmãos. Sim, sonhamos religiões irmãs e povos irmãos!
Religiões irmãs, que ajudem povos a ser irmãos em paz, guardiões reconciliados
da casa comum que é a criação. Obrigado!