Trabalhadores Migrantes – discriminação e desigualdades
BOLETIM 2022 | #3
Trabalhadores Migrantes – discriminação e desigualdades
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) elaborou duas convenções relevantes (n. 97 de 1949 e n. 143 de 1975) destinadas a combater a discriminação e a promover a igualdade de tratamento e de oportunidades relativamente aos trabalhadores migrantes. Apesar disto, muitos países nunca ratificaram esses acordos, e a realidade revela casos de injusto acesso ao mercado de trabalho de trabalhadores migrantes e diferenças de critérios entre trabalhadores locais e migrantes.
A este respeito, a OIT publicou um relatório (EN) que analisa as dificuldades que os migrantes enfrentam para receber um salário igual ao dos cidadãos nacionais. Também examina a discriminação de género no que toca às mulheres migrantes, bem como as dificuldades que os migrantes encontram em conseguir trabalhos que correspondam ao seu nível de habilitações. Além disso, situações irregulares expõem os migrantes à discriminação, à exploração, a condições abusivas de trabalho e de vida e, em alguns casos, à perda das suas vidas.
A crise da COVID-19 não só revelou as desigualdades estruturais no setor laboral, como também exacerbou a lacuna existente entre trabalhadores locais e migrantes. Estes últimos têm vindo a sofrer desigualdades sociais, tais como dificuldade em obterem o reembolso dos cuidados de saúde e o facto de os empregadores locais optarem, com mais frequência, por proteger os trabalhadores nacionais em detrimento dos trabalhadores estrangeiros.
A Secção Migrantes e Refugiados reconhece a necessidade de se estabelecerem e fortalecerem estruturas eficazes que orientem a migração laboral. Este Boletim oferece alguns exemplos de iniciativas positivas e de boas práticas, dirigidas à prevenção da discriminação e à resolução das desigualdades que os migrantes enfrentam.
A Posição da Santa Sé
Na sua mensagem em vídeo para a 109ª Reunião da Organização Internacional do Trabalho, o Papa Francisco enfatizou que a filosofia do descarte contribuiu para colocar os que trabalham no setor informal, tais como os migrantes e os refugiados, à margem do mercado de trabalho. Estes “se ocupam daquele que se costuma denominar o “trabalho tridimensional” — perigoso, sujo e degradante”. Em particular, “muitos migrantes e trabalhadores vulneráveis, com as suas famílias, são frequentemente excluídos do acesso a programas nacionais de promoção da saúde, de prevenção de doenças, de tratamentos e cuidados, assim como dos planos de proteção financeira e dos serviços psicossociais”.
Por ocasião da sua mensagem para o 70º aniversário da OIM (Organização Internacional para as Migrações), o Papa Francisco fez notar que, durante o confinamento provocado pela COVID-19 “muitos dos trabalhadores ‘essenciais’ eram migrantes, mas não lhes foram concedidos os benefícios dos programas de ajuda económica para a COVID-19, nem sequer o acesso aos cuidados básicos de saúde e à vacinação”. O Santo Padre também aproveitou a oportunidade para fazer diversas observações. Em particular, destacou “a necessidade urgente de encontrar formas dignas de sair das situações irregulares”, referindo as repercussões pessoais subjacentes à negação dos direitos sociais. A este respeito, afirmou: “a família migrante é um componente essencial das comunidades no nosso mundo globalizado, mas em demasiados países aos trabalhadores migrantes são negados os benefícios e a estabilidade da vida familiar, por causa de impedimentos legais.
Nos 20 Pontos de Ação para os Pactos Globais, a Secção Migrantes e Refugiados (M&R) apresenta respostas tangíveis da Igreja às necessidades dos migrantes e refugiados, na perspetiva de um constante diálogo com a comunidade internacional com vista à implementação dos objetivos do GCM (Pacto Global para a Migração). De um modo particular, no ponto 5, a Secção incentiva os Estados a “aplicar leis que proíbam os empregadores de reter os passaportes e outras formas de identificação dos seus empregados”, bem como garantir aos migrantes o acesso à justiça, quando necessitam denunciar abusos de direitos humanos. Não menos importante, o documento convida os Estados a “adotar leis nacionais de salário mínimo que estabeleçam o pagamento regular e programado de salários”. Para além disto, no ponto 12, lê-se o seguinte: “Incentivar os Estados a promulgarem legislação que permita o reconhecimento, a transferência e o ulterior desenvolvimento das competências formais de todos os migrantes, requerentes de asilo e refugiados residentes no país anfitrião”.
O Arcebispo Bernardito Auza, Núncio Apostólico e anterior Observador Permanente da Santa Sé junto das Nações Unidas, divulgou um comunicado (EN) durante a 74ª Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre a Promoção das Mulheres (2019). Naquela ocasião, destacou a preocupação da Santa Sé no que respeita à violência e discriminação que as mulheres enfrentam na atualidade, em particular as mulheres migrantes, incluindo as trabalhadoras, as quais “sofrem situações de exclusão, maus-tratos e violência, uma vez que são, com frequência, menos capazes de defender os seus direitos”. Por isso, o Arcebispo Auza apelou à adoção de “medidas específicas para proteger e ajudar as trabalhadoras migrantes e reconhecer a sua preciosa contribuição para a sociedade”.
As Boas Práticas dos Agentes Católicos
Coincidindo com o Mês do Trabalho 2021, o Serviço Jesuíta aos Migrantes (SJM) lançou a campanha denominada #Direitos de Trabalho para Todas e Todos (ES), uma iniciativa que procura explicar, através de vídeos simples e didáticos, os direitos básicos que um trabalhador deve conhecer de modo a conseguir trabalhar tranquilamente no Chile. A campanha foi dirigida a migrantes e a refugiados que trabalham em regime dependente e o seu objetivo consistiu em proporcionar-lhes um conhecimento maior acerca dos direitos e legislação laborais no Chile, de maneira a evitar violações no local de trabalho. O SJM criou um total de quatro vídeos, de cerca de um minuto cada um, nos quais são abordados: os Direitos Fundamentais das Pessoas, o Dia de Trabalho e de Descanso, o Sistema de Segurança Social e a sua esfera de ação e, por fim, como articular corretamente uma Relação Laboral. A iniciativa tornou-se possível graças ao apoio da Fundação Colunga.
A Congregação das Irmãs do Bom Pastor criou o Programa de Apoio ao Trabalhador Migrante (EN) em Phuket, na Tailândia. Graças a esta iniciativa, os trabalhadores migrantes recebem cuidados, apoio, aconselhamento e educação. De um modo especial, há uma gigantesca necessidade de que os serviços médicos se tornem acessíveis às populações rurais dos campos de trabalhadores migrantes em toda a zona de Phuket. Na atualidade, muitas destas pessoas são obrigadas a pagar do seu próprio bolso por serviços de saúde que, normalmente, se encontram cobertos pelo seguro de acidentes de trabalho ou pela lei de imigração. De maneira a ultrapassar este obstáculo, as Irmãs do Bom Pastor criaram uma clínica móvel que presta serviços médicos regularmente, para além de atender urgências específicas. As Irmãs do Bom Pastor oferecem ainda cuidados seguros, acompanhados de orientação jurídica, que se destinam a mulheres migrantes jovens e desamparadas, com o objetivo de as orientar no processo pré e pós-parto, eliminando assim nascimentos não documentados ou não registados, através do apoio jurídico, da educação e de serviços de tradução.
O Centro Operário Esperança (EN) da Sociedade Missionária de S. Columbano procura fortalecer o apoio que dá aos trabalhadores migrantes em Taiwan. Os programas de apoio operam em duas vertentes: uma que visa influenciar a política nacional em Taiwan e a outra que disponibiliza os meios jurídicos pessoais a cada trabalhador migrante que procura a sua ajuda. Paralelamente, o Centro Operário Esperança capacita os migrantes, ajudando-os a adquirir competências e conhecimentos para combater as injustiças. Com este fim, o Centro desenvolveu programas nos quais os migrantes recebem formação sobre os seus direitos e preparação com competências específicas para a vida. Estes programas consistem em aulas, clubes e media.
Reflexões e declarações desde a base
O Conselho de Igrejas da África do Sul (SACC), que inclui a Conferência dos Bispos Católicos da África Austral (SACBC), apelou a um diálogo nacional no sentido de abordar as tendências xenófobas existentes em relação aos estrangeiros que trabalham na África do Sul. Foi divulgada uma declaração (EN) por membros da SACC, com data de 20 de janeiro de 2022, na sequência de uma série de incidentes xenófobos que perturbaram o país nos últimos tempos. Segundo o Conselho de Igrejas, tem havido uma inquietação contínua acerca dos estrangeiros que “roubam os empregos” destinados aos cidadãos locais. Em consequência, o Bispo Malusi Mpumlwana, Secretário Geral do Conselho de Igrejas da África do Sul, anunciou o lançamento de um Indaba (diálogo) Nacional (EN) “para incluir todos os setores que têm interesse neste assunto, integrando também os órgãos representativos dos estrangeiros, para que todos analisem várias questões relativas aos estrangeiros no país”. As sessões especiais de engajamento serão realizadas com diversos departamentos governamentais e várias organizações, incluindo as compostas por estrangeiros, culminando esse trabalho num amplo fórum onde “nenhuma voz sairá prejudicada”.
Em Hong Kong, cada vez mais trabalhadores domésticos estrangeiros têm sido demitidos pelos seus empregadores, ficando sem abrigo e tendo-lhes até sido negado tratamento após testarem positivo para a COVID-19. “Vamos tratá-los com dignidade e respeito. A COVID-19 é assustadora, mas mais assustadora é a nossa atitude indiferente para com as pessoas necessitadas” disse o Padre Jay Flandez (EN), capelão dos Filipinos. O Padre Rodolfo Jacobe, missionário Oblato que trabalha em MercyHK também declarou (EN): “Apelamos aos empregadores para não despedirem as suas empregadas domésticas, não apenas por razões humanitárias, mas também pelo dedicado serviço que têm prestado aos seus patrões, especialmente todas as que já são tratadas como parte da família”. A organização de caridade MercyHK tem acolhido trabalhadores domésticos estrangeiros, que formam demitidos ou convidados a sair das casas dos seus patrões por testarem positivo à COVID-19.
Na sua mensagem (EN) de 2021, por ocasião da festa de São José Operário, o Bispo D. Vincent Long van Nguyen OFM fez uma reflexão sobre o facto do próprio S. José ter sido forçado a fugir para outro país. Perguntava ele: “Já alguma vez imaginaram São José como um trabalhador migrante?”. “Ou como poderá ter sido para ele tentar encontrar trabalho para sustentar a sua família numa terra estrangeira? Alguém os ajudaria, ou esses ‘forasteiros’ seriam explorados ou deixados à sua própria sorte?”. O Bispo Vicent Long, que exerce as funções de Presidente da Comissão Episcopal para a Justiça Social, Missão e Serviço, afirmou que alguns empregadores se aproveitavam comprovadamente dos seus trabalhadores estrangeiros. E acrescentou: “Mesmo em épocas melhores, os trabalhadores sazonais temporários encontram-se mais vulneráveis a condições de exploração laboral do que os trabalhadores que têm cidadania australiana”. Isto acontece frequentemente devido a mal-entendidos ou à ignorância dos direitos dos trabalhadores. Independentemente da origem do tratamento injusto dos trabalhadores migrantes, outros têm a responsabilidade de cuidar dos irmãos e irmãs que são maltratados, continuou o Bispo D. Vincent Long.
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