MOÇAMBIQUE – Irmã Mónica Rocha ao serviço dos deslocados de Cabo Delgado na diocese de Lichinga
Conte-nos um pouco acerca de si. Quem é, de onde vem, como chegou a Lichinga…?
Chamo-me Maria Mónica Moreira da Rocha. Nasci numa pequena aldeia no Norte de Portugal. Aos quinze anos, saí de casa dos meus pais e fui viver em Fátima com a Congregação das Irmãs Reparadoras de Nossa Senhora de Fátima, onde fiz os primeiros votos religiosos aos 21 anos. Vivi numa comunidade na cidade do Porto durante mais de quinze anos, onde estudei e me formei em educação de infância e trabalhei com crianças e jovens de risco.
A minha vinda para Moçambique/Lichinga partiu do pedido que me foi feito pela Superiora Geral para eu vir substituir a superiora local que teria de ir para outra missão. Em outubro, fará quatro anos que estou cá.
Quando cheguei, o choque foi grande, pois nunca tinha estado em África e passado um mês assumi a missão como superiora local. Hoje, olhando para trás, posso dizer que o tempo tornou-se num processo de crescimento e aprendizagem que me ajudou a inserir nesta realidade e cultura onde atualmente me sinto bem e integrada.
Que trabalho desenvolve a sua congregação na diocese de Lichinga?
A nossa comunidade situa-se no bairro da Cerâmica. Dedicamo-nos à pastoral catequética; formação humana e religiosa; acompanhamento de jovens; cuidado da igreja; atendimento/ajuda aos mais necessitados; acompanhamento dos deslocados de Cabo Delgado.
Temos ainda um jardim-de-infância onde recebemos crianças de um ano e meio até aos cinco anos. Neste espaço, a criança brinca e aprende; tem uma alimentação saudável ; está protegida e adquire gosto pela aprendizagem.
Fale-nos do seu trabalho com as populações deslocadas de Cabo Delgado. E quais são as respostas da diocese de Lichinga?
Na cidade de Lichinga, existem mais de 1200 deslocados espalhados pelas várias paróquias/bairros. O maior número de deslocados concentra-se no campo de deslocados em Malica, com 50 famílias. Este centro pertence à paróquia de S. José da Sé Catedral.
Na nossa paróquia da Cerâmica existem mais de 80 pessoas espalhadas pelos bairros. Ao chegarem cá, procuram apoio junto da população local e posteriormente do INAS (Instituto Nacional de Acção Social), cuja ajuda fica aquém das necessidades existentes.
Com o crescente número de pessoas e necessidades, e com a falta de apoios, começámos por fazer visitas a estas famílias, passando depois a preparar cestas básicas de alimentos dentro das nossas possibilidades. Temos pontualmente ajudado com algum valor para ajudar a começarem o seu próprio negócio. Com o passar do tempo têm chegado mais deslocados que muitas vezes recorrem a nós para pedir ajuda ou simplesmente para conversar.
Para além das necessidades básicas, estas pessoas precisam de ajuda para recomeçar. Quando questionados sobre a possibilidade de voltarem para Cabo Delgado, o trauma, o medo e a insegurança levam-nos a recusar e o que pedem é ajuda para poderem aos poucos reconstruir aqui a vida que lhes foi tirada lá.
Na sua maioria, estas famílias sentem-se perdidas e sem saber a quem pedir ajuda e como se integrar na comunidade. Apesar de estarem no seu próprio país, não só estão deslocadas da sua terra, mas também da sua realidade. Muitos até na língua encontram um entrave para comunicar.
Como é que tem evoluído a situação dos deslocados nos campos? Quais as suas maiores necessidades?
Relativamente ao campo de deslocados em Malica, devido ao tempo de uso as tendas estão a degradar-se e o espaço tornou-se pequeno para tanta gente. Da parte do INAS soube-se que havia a intenção de colocar essas pessoas num outro sítio e, se possível, ajudar com a construção de casas, mas ainda não se concretizou esse projeto, apesar de terem recebido terrenos para cultivo. A vantagem de quem está neste campo em relação aos outros deslocados que estão espalhados pelos bairros é que ali mensalmente cada família recebe do governo um cabaz de alimentos bem como de algumas entidades da região.
Com o elevado número de deslocados a chegar, houve a necessidade de criar um segundo campo, em Sanjala, sendo este mais pequeno, mas também apoiado mensalmente pelo governo com alimentação.
As maiores necessidades a curto prazo serão sempre referentes à alimentação, mas, a longo prazo, passam por criar condições de autonomia para que cada família possa aos poucos se sustentar sem depender de ajudas.
Como é que as populações deslocadas olham para o futuro? O que podemos aprender com elas?
Estas pessoas olham para o seu futuro com alguma esperança por terem conseguido chegar cá e terem a oportunidade de recomeçar. Por outro lado, a possibilidade de voltar para Cabo Delgado incute muitos receios nestas pessoas, pois não acreditam que tão cedo seja seguro viver em Cabo Delgado, depois de tudo pelo que passaram. Trazem Cabo Delgado no coração, mas na mente os horrores de uma guerra sem nome e com muitas vítimas entre os seus familiares. Estas experiências provocaram traumas a adultos e crianças.
Recebo mais do que dou, sempre que visito estes grupos ou que me visitam. A dor no olhar, o cansaço no corpo, a tristeza por pouco ter e o sentimento de ser deslocado… são aos poucos colmatados por pequenas alegrias, e acima de tudo, pelo sentimento de estar num sítio seguro, apesar de tudo o resto…
Aprendemos a dar valor ao mais importante, tomamos consciência da fragilidade que é a vida, de quanta injustiça existe, de como o ser humano pode ser tão cruel… Apesar de tudo isso… continuam a acontecer maravilhas no meio de tanto sofrimento como o nascimento de um bebé, a ajuda de alguém no meio da fuga, o reencontro de familiares e a possibilidade de poder recomeçar num sítio seguro…
Em duas palavras, defino o sentimento de tantos neste momento… Resiliência e Esperança.