12 Agosto 2015 | Mensagem

MENSAGEM DO PAPA FRANCISCOPARA O DIA MUNDIAL DO MIGRANTE E DO REFUGIADO 2016

Queridos irmãos e irmãs!
Na bula de proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia recordei que «há
momentos em que somos chamados, de maneira ainda mais intensa, a fixar o olhar
na misericórdia, para nos tornarmos nós mesmos sinal eficaz do agir do Pai»
(Misericordiae Vultus, 3). De facto, o amor de Deus quer chegar a todos e cada um,
transformando aqueles que acolhem o abraço do Pai noutros tantos braços que se
abrem e abraçam para que todo o ser humano saiba que é amado como filho e se
sinta «em casa» na única família humana. Deste modo, a ternura paterna de Deus,
que se estende solícita sobre todos, mostra-se particularmente sensível às
necessidades da ovelha ferida, cansada ou enferma, como faz o pastor com o
rebanho. Foi assim que Jesus Cristo nos falou do Pai, dizendo que Ele Se inclina
sobre o homem chagado de miséria física ou moral e, quanto mais se agravam as
suas condições, tanto mais se revela a eficácia da misericórdia divina.
Neste nosso tempo, os fluxos migratórios aparecem em contínuo aumento por toda
a extensão do planeta: prófugos e pessoas em fuga da sua pátria interpelam os
indivíduos e as colectividades, desafiando o modo tradicional de viver e, por vezes,
transtornando o horizonte cultural e social com os quais se confrontam. Com
frequência sempre maior, as vítimas da violência e da pobreza, abandonando as
suas terras de origem, sofrem o ultraje dos traficantes de pessoas humanas na
viagem rumo ao sonho dum futuro melhor. Se, entretanto, sobrevivem aos abusos
e às adversidades, devem enfrentar realidades onde se aninham suspeitas e
medos. Enfim, não raramente, embatem na falta de normativas claras e praticáveis
que regulem a recepção e prevejam itinerários de integração a breve e a longo
prazo, atendendo aos direitos e deveres de todos. Hoje, mais do que no passado, o
Evangelho da misericórdia sacode as consciências, impede que nos habituemos ao
sofrimento do outro e indica caminhos de resposta que se radicam nas virtudes
teologais da fé, da esperança e da caridade, concretizando-se nas obras de
misericórdia espiritual e corporal.
Na base desta constatação, quis que o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado de
2016 fosse dedicado ao tema: «Os emigrantes e refugiados interpelam-nos. A
resposta do Evangelho da misericórdia». Os fluxos migratórios constituem já uma
realidade estrutural, e a primeira questão que se impõe refere-se à superação da
fase de emergência para dar espaço a programas que tenham em conta as causas
das migrações, das mudanças que se produzem e das consequências que imprimem
novos rostos às sociedades e aos povos. Todos os dias, porém, as histórias
dramáticas de milhões de homens e mulheres interpelam a comunidade
internacional, testemunha de inaceitáveis crises humanitárias que surgem em
muitas regiões do mundo. A indiferença e o silêncio abrem a estrada à

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cumplicidade, quando assistimos como expectadores às mortes por sufocamento,
privações, violências e naufrágios. De grandes ou pequenas dimensões, sempre
tragédias são; mesmo quando se perde uma única vida humana.
Os emigrantes são nossos irmãos e irmãs que procuram uma vida melhor longe da
pobreza, da fome, da exploração e da injusta distribuição dos recursos do planeta,
que deveriam ser divididos equitativamente entre todos. Porventura não é desejo
de cada um melhorar as próprias condições de vida e obter um honesto e legítimo
bem-estar que possa partilhar com os seus entes queridos?
Neste momento da história da humanidade, fortemente marcado pelas migrações, a
questão da identidade não é uma questão de importância secundária. De facto,
quem emigra é forçado a modificar certos aspectos que definem a sua pessoa e,
mesmo sem querer, obriga a mudar também quem o acolhe. Como viver estas
mudanças de modo que não se tornem obstáculo ao verdadeiro desenvolvimento,
mas sejam ocasião para um autêntico crescimento humano, social e espiritual,
respeitando e promovendo aqueles valores que tornam o homem cada vez mais
homem no justo relacionamento com Deus, com os outros e com a criação?
De facto, a presença dos emigrantes e dos refugiados interpela seriamente as
diferentes sociedades que os acolhem. Estas devem enfrentar factos novos que
podem aparecer imprudentes se não forem adequadamente motivados, geridos e
regulados. Como fazer para que a integração se torne um enriquecimento mútuo,
abra percursos positivos para as comunidades e previna o risco da discriminação,
do racismo, do nacionalismo extremo ou da xenofobia?
A revelação bíblica encoraja a recepção do estrangeiro, motivando-a com a certeza
de que, assim fazendo, abrem-se as portas a Deus e, no rosto do outro,
manifestam-se os traços de Jesus Cristo. Muitas instituições, associações,
movimentos, grupos comprometidos, organismos diocesanos, nacionais e
internacionais experimentam o encanto e a alegria da festa do encontro, do
intercâmbio e da solidariedade. Eles reconheceram a voz de Jesus Cristo: «Olha
que Eu estou à porta e bato» (Ap 3, 20). E todavia não cessam de multiplicar-se
também os debates sobre as condições e os limites que se devem pôr à recepção,
não só nas políticas dos Estados, mas também nalgumas comunidades paroquiais
que vêem ameaçada a tranquilidade tradicional.
Diante de tais questões, como pode a Igreja agir senão inspirando-se no exemplo e
nas palavras de Jesus Cristo? A resposta do Evangelho é a misericórdia.
Em primeiro lugar, esta é dom de Deus Pai revelado no Filho: de facto, a
misericórdia recebida de Deus suscita sentimentos de jubilosa gratidão pela
esperança que nos abriu o mistério da redenção no sangue de Cristo. Depois, a
misericórdia alimenta e robustece a solidariedade para com o próximo, enquanto
exigência de resposta ao amor gratuito de Deus, que «foi derramado nos nossos
corações pelo Espírito Santo» (Rm 5, 5). Aliás, cada um de nós é responsável pelo
seu vizinho: somos guardiões dos nossos irmãos e irmãs, onde quer que vivam. O
cultivo de bons contactos pessoais e a capacidade de superar preconceitos e medos
são ingredientes essenciais para se promover a cultura do encontro, onde cada um
esteja disposto não só a dar, mas também a receber dos outros. De facto, a
hospitalidade vive do dar e receber.
Nesta perspectiva, é importante olhar para os emigrantes não somente com base
na sua condição de regularidade ou irregularidade, mas sobretudo como pessoas
que, tuteladas na sua dignidade, podem contribuir para o bem-estar e o progresso

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de todos, de modo particular quando assumem responsavelmente deveres com
quem os acolhe, respeitando gratamente o património material e espiritual do país
que os hospeda, obedecendo às suas leis e contribuindo para os seus encargos. Em
todo o caso, não se podem reduzir as migrações à dimensão política e normativa,
às implicações económicas e à mera coexistência de culturas diferentes no mesmo
território. Estes aspectos são complementares da defesa e promoção da pessoa
humana, da cultura do encontro dos povos e da unidade, onde o Evangelho da
misericórdia inspira e estimula itinerários que renovam e transformam a
humanidade inteira.
A Igreja coloca-se ao lado de todos aqueles que se esforçam por defender o direito
de cada pessoa a viver com dignidade, exercendo antes de mais nada o direito a
não emigrar a fim de contribuir para o desenvolvimento do país de origem. Esse
processo deveria incluir, no seu primeiro nível, a necessidade de ajudar os países
donde partem os emigrantes e prófugos. Assim se confirma que a solidariedade, a
cooperação, a interdependência internacional e a distribuição equitativa dos bens
da terra são elementos fundamentais para actuar, em profundidade e com eficácia,
sobretudo nas áreas de partida dos fluxos migratórios, para que cessem aquelas
carências que induzem as pessoas, de forma individual ou colectiva, a abandonar o
seu próprio ambiente natural e cultural. Em todo o caso, é necessário esconjurar,
se possível já na origem, as fugas dos prófugos e os êxodos impostos pela pobreza,
a violência e as perseguições.
Sobre isto, é indispensável que a opinião pública seja informada de modo correcto,
até para prevenir medos injustificados e especulações sobre a pele dos emigrantes.
Ninguém pode fingir que não se sente interpelado pelas novas formas de
escravidão geridas por organizações criminosas que vendem e compram homens,
mulheres e crianças como trabalhadores forçados na construção civil, na
agricultura, na pesca ou noutros âmbitos de mercado. Quantos menores são, ainda
hoje, obrigados a alistar-se nas milícias que os transformam em meninos-soldados!
Quantas pessoas são vítimas do tráfico de órgãos, da mendicidade forçada e da
exploração sexual! Destes crimes aberrantes fogem os prófugos do nosso tempo,
que interpelam a Igreja e a comunidade humana, para que também eles possam
ver, na mão estendida de quem os acolhe, o rosto do Senhor, «o Pai das
misericórdias e o Deus de toda a consolação» (2 Cor 1, 3).
Queridos irmãos e irmãs emigrantes e refugiados! Na raiz do Evangelho da
misericórdia, o encontro e a recepção do outro entrelaçam-se com o encontro e a
recepção de Deus: acolher o outro é acolher a Deus em pessoa! Não deixeis que
vos roubem a esperança e a alegria de viver que brotam da experiência da
misericórdia de Deus, que se manifesta nas pessoas que encontrais ao longo dos
vossos caminhos! Confio-vos à Virgem Maria, Mãe dos emigrantes e dos refugiados,
e a São José, que viveram a amargura da emigração no Egipto. À intercessão deles,
confio também aqueles que dedicam energias, tempo e recursos ao cuidado, tanto
pastoral como social, das migrações. De coração a todos concedo a Bênção
Apostólica.