Excelências, Senhoras e Senhores,
Saúdo cordialmente os participantes no Evento de Solidariedade, promovido por
ocasião do 30o aniversário do Sistema de Integração Centro-Americana, no qual
a Santa Sé participa como Observador extrarregional desde 2012. Esta iniciativa
tenciona mobilizar ajudas para melhorar a situação das pessoas deslocadas à
força e das comunidades que as recebem na região da América Central e do
México.
A palavra solidariedade, que está no centro deste Evento, adquire um significado
ainda maior nesta época de crise devido à pandemia, uma crise que pôs à prova
o mundo inteiro, tanto os países pobres como os ricos.
A crise sanitária, económica e social, provocada pela Covid-19, recordou a todos
que os seres humanos são como o pó. Mas pó precioso aos olhos de Deus (Cf.
Bento XVI, Audiência geral, 17 de fevereiro de 2010), que nos constituiu como
uma única família humana (Cf. Concílio Ecuménico Vaticano II , Constituição
dogmática Lumen gentium, n. 13). E tal como a família natural educa para a
fidelidade, a sinceridade, a cooperação e o respeito, promovendo a planificação
de um mundo habitável e a crer nas relações de confiança, até em condições
difíceis, assim a família das nações é chamada a dirigir a sua atenção comum a
todos, especialmente aos membros mais pequeninos e vulneráveis, sem ceder à
lógica da competição e dos interesses particulares (Cf. Audiência geral, 7 de
outubro de 2015).
Nestes últimos longos meses da pandemia, a região centro-americana assistiu
ao deteriorar-se das condições sociais que já eram precárias e complexas, por
causa de um sistema económico injusto. Este sistema desgasta a família (Cf.
Encontro com os Bispos da América Central (SEDAC), 24 de janeiro de 2019),
célula fundamental da sociedade. E assim as pessoas «sem o calor de um lar,
sem família, sem comunidade, sem pertença» (Ibidem), encontram-se
desenraizadas e órfãs, à mercê de «situações altamente conflituosas e sem
solução à vista: violência doméstica, feminicídio […] bandos armados e
criminosos, tráfico de droga, exploração sexual de menores e de tantos que já
não o são» (Ibidem). Estes fatores, unidos à pandemia e à crise climática
caraterizada por uma seca cada vez mais intensa e por furacões sempre mais
frequentes, conferiram à mobilidade humana a conotação de um forçado
fenómeno em massa, fazendo-a assumir o aspeto de um êxodo regional.
Não obstante o sentido inato de hospitalidade próprio da população da América
Central, as restrições sanitárias influíram sobre o encerramento de numerosas
fronteiras. Muitos foram deixados no meio do caminho, sem a possibilidade de ir
em frente ou de regressar.
A pandemia evidenciou também a fragilidade das pessoas deslocadas
internamente, que ainda «não estão cobertas pelo sistema de proteção
internacional previsto pelo direito internacional dos refugiados» (Dicastério para
o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, Secção Migrantes e Refugiados,
Orientações pastorais sobre os deslocados internos, 2020), e muitas vezes
permanecem sem a devida tutela.
Além disso, nas várias fases de deslocação, tanto interna como externa, há um
número crescente de casos de tráfico de seres humanos, tráfico que «é uma
ferida no corpo da humanidade contemporânea, uma chaga na carne de Cristo.
Trata-se de um delito contra a humanidade» (Discurso aos participantes na
Conferência internacional sobre o tráfico de pessoas, 10 de abril de 2014).
Excelências, Senhoras e Senhores!
Apresentei aqui alguns dos mais importantes desafios relativos à mobilidade
humana, um fenómeno que caraterizou a história do ser humano e que «traz
consigo grandes promessas» (Mensagem por ocasião do diálogo México — Santa
Sé sobre a mobilidade humana e o desenvolvimento, 14 de julho de 2014) para
o futuro da humanidade.
Neste contexto, enquanto confirma o direito exclusivo dos Estados a gerir as
suas fronteiras, a Santa Sé espera um compromisso regional comum, sólido e
coordenado, destinado a colocar a pessoa e a sua dignidade no centro de cada
exercício político. Com efeito, «o princípio da centralidade da pessoa humana
[…] obriga-nos a antepor sempre a segurança pessoal à nacional […] As
condições dos migrantes, requerentes de asilo e refugiados exigem que lhes
sejam garantidos a segurança pessoal e o acesso aos serviços básicos»
(Mensagem para o 104o Dia mundial do migrante e do refugiado, 14 de janeiro
de 2018).
Além destas proteções, é necessário adotar mecanismos internacionais
específicos, que proporcionem tutela concreta e reconheçam o «drama muitas
vezes invisível» das pessoas deslocadas internamente, «relegadas para um
plano secundário nas agendas políticas nacionais» (Mensagem para o 106o Dia
mundial do migrante e do refugiado, 13 de maio de 2020).
Medidas semelhantes devem ser tomadas no respeitante aos nossos numerosos
irmãos e irmãs que se veem obrigados a fugir por causa do aumento da grave
crise climática (Cf. Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano
Integral, Secção Migrantes e Refugiados, Orientações pastorais sobre os
deslocados climáticos , 2021). Tais medidas devem ser acompanhadas de
políticas regionais de tutela da nossa “Casa comum”, destinadas a aliviar o
impacto quer dos fenómenos climáticos quer das catástrofes ambientais
causadas pelo homem no seu açambarcamento de terras, desmatamento e
apropriação da água. Estas violações atentam gravemente contra os três
âmbitos fundamentais do desenvolvimento humano integral: a terra, o teto e o
trabalho (Cf. Discurso aos participantes no Encontro mundial dos movimentos
populares, 28 de outubro de 2014).
Quanto ao tráfico de pessoas, é preciso prevenir este flagelo mediante o apoio
às famílias e a educação, e proteger as vítimas através de programas que
garantam a sua segurança, «a proteção da privacidade, uma habitação segura e
uma assistência social e psicológica adequada» (Dicastério para o Serviço do
Desenvolvimento Humano Integral, Secção Migrantes e Refugiados, Orientações
pastorais sobre o tráfico de pessoas , 2019). As crianças mais pequeninas e as
mulheres merecem uma atenção especial. «As mulheres são fonte de vida; e, no
entanto, são continuamente ofendidas, espancadas, violentadas, induzidas a
prostituir-se e a suprimir a vida que trazem no seio. Toda a violência infligida à
mulher é profanação de Deus, nascido de uma mulher» (Homilia, 1 de janeiro de
2020). Como disse São João Paulo ii, «a mulher não pode tornar-se “objeto” de
“domínio” e de “posse” do homem» (Carta Apostólica Mulieris dignitatem, 15 de
agosto de 1988). Todos nós somos chamados a fomentar uma educação que
promova a igualdade fundamental, o respeito e a honra que as mulheres
merecem.
A pandemia provocou uma «crise educacional sem precedentes» (Mensagem em
vídeo para o lançamento da Missão 4.7 e do Global Compact on Education, 16 de
dezembro de 2020), agravada pelas restrições e pelo isolamento forçado que
puseram em evidência as desigualdades existentes, aumentando o risco de as
pessoas mais vulneráveis caírem nas redes traiçoeiras do tráfico, dentro e fora
dos confins nacionais. Face aos novos desafios, deve-se intensificar a
colaboração internacional para prevenir o tráfico, proteger as vítimas e perseguir
os criminosos. Esta ação sinérgica beneficiará, em grande medida, da
participação das organizações religiosas e das Igrejas locais, que oferecem não
só assistência humanitária mas também acompanhamento espiritual às vítimas.
Em tempos de sofrimento incomensurável, causado pela pandemia, pela
violência e pelos desastres ambientais, a dimensão espiritual não pode nem
deve ser relegada para uma posição secundária em relação à salvaguarda da
saúde física. «A construção de sociedades inclusivas requer como condição uma
compreensão integral da pessoa humana, que pode sentir-se verdadeiramente
acolhida quando é reconhecida e aceite em todas as dimensões que constituem
a sua identidade, incluindo a dimensão religiosa» (Discurso aos membros do
Corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé, 8 de janeiro de 2018).
Excelências, Senhoras e Senhores!
Diante de tantos desafios urgentes, é válido também para esta região o apelo
sincero a edificar uma «sociedade humana e fraterna […] capaz de trabalhar
para garantir, de modo eficiente e estável, que todos sejam acompanhados no
percurso da sua vida» (Carta Encíclica Fratelli tutti, 3 de outubro de 2020, n.
110). Trata-se de um esforço conjunto que vai além das fronteiras nacionais,
para permitir o intercâmbio regional: «A integração cultural, económica e política
com os povos vizinhos deveria ser acompanhada por um processo educativo que
promova o valor do amor ao próximo, primeiro exercício indispensável para
alcançar uma sadia integração universal» (Ibid., n. 151.).
A cooperação multilateral constitui um instrumento precioso para promover o
bem comum, prestando atenção especial às causas profundas e novas das
pessoas deslocadas à força, de modo que «as fronteiras não sejam áreas de
tensão, mas braços abertos de reconciliação» (São João Paulo II, Homilia, 6 de
março de 1983). Hoje «deparamo-nos com a escolha entre um dos dois
caminhos possíveis: um conduz ao fortalecimento do multilateralismo […] o
outro dá preferência às atitudes de autossuficiência, nacionalismo,
protecionismo, individualismo e isolamento, deixando de fora os mais pobres, os
mais vulneráveis, os habitantes das periferias existenciais» (Mensagem em vídeo
por ocasião da 75a Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, 25 de
setembro de 2020).
A Igreja caminha com os povos da América Central, que souberam enfrentar as
crises com coragem e ser comunidades acolhedoras (Cf. Mensagem para o 107o
Dia mundial do migrante e do refugiado, 3 de maio de 2021), e exorta-os a
perseverar na solidariedade com confiança recíproca e esperança audaz.
Agradeço-vos de coração e invoco a Bênção do Senhor sobre todos vós e sobre
as Nações que representais.