Queridos irmãos e irmãs!
«O estrangeiro que reside convosco será tratado como um dos vossos compatriotas
e amá-lo-ás como a ti mesmo, porque foste estrangeiro na terra do Egito. Eu sou o
Senhor, vosso Deus» (Lv 19, 34).
Repetidas vezes, durante estes meus primeiros anos de pontificado, expressei
especial preocupação pela triste situação de tantos migrantes e refugiados que
fogem das guerras, das perseguições, dos desastres naturais e da pobreza. Trata-
se, sem dúvida, dum «sinal dos tempos» que, desde a minha visita a Lampedusa
em 8 de julho de 2013, tenho procurado ler sob a luz do Espírito Santo. Quando
instituí o novo Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, quis
que houvesse nele uma Secção especial (colocada temporariamente sob a minha
guia direta) que expressasse a solicitude da Igreja para com os migrantes, os
desalojados, os refugiados e as vítimas de tráfico humano.
Cada forasteiro que bate à nossa porta é ocasião de encontro com Jesus Cristo, que
Se identifica com o forasteiro acolhido ou rejeitado de cada época (cf. Mt 25,
35.43). O Senhor confia ao amor materno da Igreja cada ser humano forçado a
deixar a sua pátria à procura dum futuro melhor.[1] Esta solicitude deve expressar-
se, de maneira concreta, nas várias etapas da experiência migratória: desde a
partida e a travessia até à chegada e ao regresso. Trata-se de uma grande
responsabilidade que a Igreja deseja partilhar com todos os crentes e os homens e
mulheres de boa vontade, que são chamados a dar resposta aos numerosos
desafios colocados pelas migrações contemporâneas com generosidade, prontidão,
sabedoria e clarividência, cada qual segundo as suas possibilidades.
A este respeito, desejo reafirmar que «a nossa resposta comum poderia articular-se
à volta de quatro verbos fundados sobre os princípios da doutrina da Igreja:
acolher, proteger, promover e integrar».[2]
Considerando o cenário atual, acolher significa, antes de tudo, oferecer a migrantes
e refugiados possibilidades mais amplas de entrada segura e legal nos países de
destino. Neste sentido, é desejável um empenho concreto para se incrementar e
simplificar a concessão de vistos humanitários e para a reunificação familiar. Ao
mesmo tempo, espero que um número maior de países adote programas de
patrocínio privado e comunitário e abra corredores humanitários para os refugiados
mais vulneráveis. Além disso seria conveniente prever vistos temporários especiais
para as pessoas que, escapando dos conflitos, se refugiam nos países vizinhos. As
expulsões coletivas e arbitrárias de migrantes e refugiados não constituem uma
solução idónea, sobretudo quando são feitas para países que não podem garantir o
respeito da dignidade e dos direitos fundamentais.[3] Volto a sublinhar a
importância de oferecer a migrantes e refugiados um primeiro alojamento
adequado e decente. «Os programas de acolhimento difundido, já iniciados em
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várias partes, parecem facilitar o encontro pessoal, permitir uma melhor qualidade
dos serviços e oferecer maiores garantias de bom êxito».[4] O princípio da
centralidade da pessoa humana, sustentado com firmeza pelo meu amado
predecessor Bento XVI,[5]obriga-nos a antepor sempre a segurança pessoal à
nacional. Em consequência, é necessário formar adequadamente o pessoal
responsável pelos controlos de fronteira. A condição de migrantes, requerentes de
asilo e refugiados exige que lhes sejam garantidos a segurança pessoal e o acesso
aos serviços básicos. Em nome da dignidade fundamental de cada pessoa,
esforcemo-nos por preferir outras alternativas à detenção para quantos entrem no
território nacional sem estar autorizados.[6]
O segundo verbo, proteger, conjuga-se numa ampla série de ações em defesa dos
direitos e da dignidade dos migrantes e refugiados, independentemente da sua
situação migratória.[7] Esta proteção começa na própria pátria, consistindo na
oferta de informações certas e verificadas antes da partida e na sua salvaguarda
das práticas de recrutamento ilegal.[8] Tal proteção deveria continuar, na medida
do possível, na terra de imigração, assegurando aos migrantes uma assistência
consular adequada, o direito de manter sempre consigo os documentos de
identidade pessoal, um acesso equitativo à justiça, a possibilidade de abrir contas
bancárias pessoais e a garantia duma subsistência vital mínima. Se as capacidades
e competências dos migrantes, requerentes de asilo e refugiados forem
devidamente reconhecidas e valorizadas, constituem verdadeiramente uma mais-
valia para as comunidades que os recebem.[9] Por isso, espero que, no respeito da
sua dignidade, lhes seja concedida a liberdade de movimento no país de
acolhimento, a possibilidade de trabalhar e o acesso aos meios de telecomunicação.
Para as pessoas que decidam regressar ao seu país, sublinho a conveniência de
desenvolver programas de reintegração laboral e social. A Convenção Internacional
sobre os Direitos da Criança oferece uma base jurídica universal para a proteção
dos menores migrantes. É necessário evitar-lhes qualquer forma de detenção por
motivo da sua situação migratória, ao mesmo tempo que lhes deve ser assegurado
o acesso regular à instrução primária e secundária. Da mesma forma, é preciso
garantir-lhes a permanência regular ao chegarem à maioridade e a possibilidade de
continuarem os seus estudos. Para os menores não acompanhados ou separados da
sua família, é importante prever programas de custódia temporária ou
acolhimento.[10] No respeito pelo direito universal a uma nacionalidade, esta deve
ser reconhecida e devidamente certificada a todos os meninos e meninas no
momento do seu nascimento. A situação de apátrida, em que às vezes acabam por
se encontrar migrantes e refugiados, pode ser facilmente evitada através duma
«legislação sobre a cidadania que esteja em conformidade com os princípios
fundamentais do direito internacional».[11] A situação migratória não deveria
limitar o acesso aos sistemas de assistência sanitária nacional e de previdência
social, nem à transferência das respetivas contribuições em caso de repatriamento.
Promover significa, essencialmente, empenhar-se por que todos os migrantes e
refugiados, bem como as comunidades que os acolhem, tenham condições para se
realizar como pessoas em todas as dimensões que compõem a humanidade querida
pelo Criador.[12] Dentre tais dimensões, seja reconhecido o justo valor à dimensão
religiosa, garantindo a todos os estrangeiros presentes no território a liberdade de
profissão e prática da religião. Muitos migrantes e refugiados possuem
competências que devem ser devidamente certificadas e avaliadas. Visto «o
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trabalho humano, pela sua natureza, estar destinado a unir os povos»,[13]encorajo
a que se faça tudo o possível para se promover a integração socio-laboral dos
migrantes e refugiados, garantindo a todos – incluindo os requerentes de asilo – a
possibilidade de trabalhar, percursos de formação linguística e de cidadania ativa e
uma informação adequada nas suas línguas originais. No caso de menores
migrantes, o seu envolvimento em atividades laborais precisa de ser regulamentado
de modo a que se evitem abusos e ameaças ao seu crescimento normal. Em 2006,
Bento XVI sublinhava como a família, no contexto migratório, é «lugar e recurso da
cultura da vida e fator de integração de valores».[14] A sua integridade deve ser
sempre promovida, favorecendo a reunificação familiar – incluindo avós, irmãos e
netos – sem nunca o fazer depender de requisitos económicos. No caso de
migrantes, requerentes de asilo e refugiados portadores de deficiência, deve ser
assegurada maior atenção e apoio. Embora considerando dignos de louvor os
esforços feitos até agora por muitos países em termos de cooperação internacional
e assistência humanitária, espero que, na distribuição das respetivas ajudas, se
considerem as necessidades (como, por exemplo, de assistência médica e social e
de educação) dos países em vias de desenvolvimento que acolhem fluxos enormes
de refugiados e migrantes e de igual modo se incluam, entre os beneficiários, as
comunidades locais em situação de privação material e vulnerabilidade.[15]
O último verbo, integrar, situa-se no plano das oportunidades de enriquecimento
intercultural geradas pela presença de migrantes e refugiados. A integração não é
«uma assimilação, que leva a suprimir ou a esquecer a própria identidade cultural.
O contacto com o outro leva sobretudo a descobrir o seu “segredo”, a abrir-se para
ele, a fim de acolher os seus aspetos válidos e contribuir assim para um maior
conhecimento de cada um. Trata-se de um processo prolongado que tem em vista
formar sociedades e culturas, tornando-as cada vez mais um reflexo das dádivas
multiformes de Deus aos homens».[16] Este processo pode ser acelerado pela
oferta de cidadania, independentemente de requisitos económicos e linguísticos, e
por percursos de regularização extraordinária para migrantes que possuam uma
longa permanência no país. Insisto mais uma vez na necessidade de favorecer em
todos os sentidos a cultura do encontro, multiplicando as oportunidades de
intercâmbio cultural, documentando e difundindo as «boas práticas» de integração
e desenvolvendo programas tendentes a preparar as comunidades locais para os
processos de integração. Tenho a peito sublinhar o caso especial dos estrangeiros
forçados a deixar o país de imigração por causa de crises humanitárias. Estas
pessoas necessitam que lhes seja assegurada uma assistência adequada para o
repatriamento e programas de reintegração laboral na sua pátria.
De acordo com a sua tradição pastoral, a Igreja está disponível para se
comprometer, em primeira pessoa, na realização de todas as iniciativas propostas
acima, mas, para se obter os resultados esperados, é indispensável a contribuição
da comunidade política e da sociedade civil, cada qual segundo as próprias
responsabilidades.
Durante a Cimeira das Nações Unidas, realizada em Nova Iorque em 19 de
setembro de 2016, os líderes mundiais expressaram claramente a vontade de se
empenhar a favor dos migrantes e refugiados para salvar as suas vidas e proteger
os seus direitos, compartilhando tal responsabilidade a nível global. Com este
objetivo, os Estados comprometeram-se a redigir e aprovar até ao final de 2018
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dois acordos globais (Global Compacts), um dedicado aos refugiados e outro
referente aos migrantes.
Queridos irmãos e irmãs, à luz destes processos já iniciados, os próximos meses
constituem uma oportunidade privilegiada para apresentar e apoiar as ações
concretas nas quais quis conjugar os quatro verbos. Por isso, convido-vos a
aproveitar as várias ocasiões possíveis para partilhar esta mensagem com todos os
atores políticos e sociais envolvidos – ou interessados em participar – no processo
que levará à aprovação dos dois acordos globais.
Neste dia 15 de agosto, celebramos a solenidade da Assunção de Maria Santíssima
ao Céu. A Mãe de Deus experimentou pessoalmente a dureza do exílio (cf. Mt 2,
13-15), acompanhou amorosamente o caminho do Filho até ao Calvário e agora
partilha eternamente da sua glória. À sua materna intercessão confiamos as
esperanças de todos os migrantes e refugiados do mundo e as aspirações das
comunidades que os acolhem, para que todos, no cumprimento do supremo
mandamento divino, aprendamos a amar o outro, o estrangeiro, como a nós
mesmos.