5 Novembro 2016 | Discurso do Santo Padre

DISCURSO DO PAPA FRANCISCO AOS PARTICIPANTES NO 3o ENCONTRO MUNDIAL DOS MOVIMENTOS POPULARES

Boa tarde, irmãos e irmãs!
[…] Sei que dedicastes um dia ao drama dos migrantes, dos refugiados e dos
deslocados. Como agir diante desta tragédia? No Dicastério do qual é responsável o
Cardeal Turkson há uma secção que se ocupa destas situações. Decidi que, pelo
menos durante um certo tempo, tal setor dependa diretamente do Pontífice, porque
se trata de uma situação infamante, que só posso descrever com uma palavra que
me brotou espontaneamente em Lampedusa: vergonha!
Ali, assim como em Lesbos, pude sentir de perto o sofrimento de numerosas
famílias expulsas da sua terra por motivos ligados à economia ou por violências de
todos os tipos, multidões exiladas — eu disse-o diante das autoridades do mundo
inteiro — por causa de um sistema socioeconómico injusto e das guerras que não
foram procuradas nem criadas por aqueles que hoje padecem a dolorosa
erradicação da sua pátria, mas ao contrário por muitos daqueles que se recusam a
recebê-los.
Faço minhas as palavras do meu irmão, o Arcebispo Hieronymos da Grécia: «Quem
fita os olhos das crianças que encontramos nos campos de refugiados é capaz de
reconhecer imediatamente, na sua totalidade, a “falência” da humanidade»
(Discurso no campo de refugiados de Moria, Lesbos, 16 de abril de 2016). O que
acontece com o mundo de hoje que, quando se verifica a falência de um banco,
imediatamente aparecem quantias escandalosas para o salvar, mas quando ocorre
esta falência da humanidade praticamente não aparece nem uma milésima parte
para salvar aqueles irmãos que sofrem tanto? E assim o Mediterrâneo tornou-se um
cemitério, e não apenas o Mediterrâneo… muitos cemitérios perto dos muros,
muros manchados de sangue inocente. Nos dias deste encontro — sois vós que o
dizeis no vídeo — quantos são os mortos no Mediterrâneo?
O medo endurece o coração e transforma-se em crueldade cega, que se recusa a
ver o sangue, a dor, a face do próximo. Quem o disse foi o meu irmão, o Patriarca
Bartolomeu: «Quem tem medo de vós não vos fitou nos olhos. Quem tem receio de
vós não viu os vossos rostos. Quem tem medo não vê os vossos filhos, esquece-se

que a dignidade e a liberdade transcendem o medo e superam a divisão. Esquece-
se que a migração não é um problema do Médio Oriente e da África setentrional, da

Europa e da Grécia. Trata-se de um problema do mundo» (Discurso no campo de
refugiados de Moria, Lesbos, 16 de abril de 2016).
É verdadeiramente um problema do mundo. Ninguém deveria ver-se obrigado a
fugir da sua pátria. Mas o mal é duplo quando, diante destas circunstâncias
terríveis, os migrantes se veem lançados nas garras dos traficantes de pessoas,
para atravessar as fronteiras; e é triplo se, chegando à terra na qual julgavam

encontrar um porvir melhor, são desprezados, explorados e até escravizados! Pode-
se ver isto em qualquer recanto de centenas de cidades. Ou simplesmente não os

deixam entrar.
Peço-vos que façais tudo o que for possível; e que nunca vos esqueçais que
inclusive Jesus, Maria e José experimentaram a condição dramática dos refugiados.

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Peço-vos que exerçais aquela solidariedade tão singular que existe entre quantos
sofreram. Vós sabeis recuperar fábricas das falências, reciclar aquilo que outros
abandonam, criar postos de trabalho, cultivar a terra, construir habitações, integrar
bairros segregados e reclamar de modo incessante, como a viúva do Evangelho que
pede justiça insistentemente (cf. Lc 18, 1-8). Talvez com o vosso exemplo e a
vossa insistência, alguns Estados e Organizações internacionais abram os olhos e
adotem medidas adequadas para acolher e integrar plenamente todos aqueles que,
por um motivo ou por outro, procuram refúgio longe de casa. E também para
enfrentar as profundas causas pelas quais milhares de homens, mulheres e crianças
são expulsos cada dia da sua terra natal. […]