Boletim pós-COVID: Mobilidade Humana e Segurança

Boletim pós-COVID: Mobilidade Humana e Segurança


“Colaboremos, todos juntos, a fim de avançar para um novo horizonte de amor e paz,
de fraternidade e solidariedade, de apoio mútuo e acolhimento recíproco.” Papa Francisco


BOLETIM M&R  #10 | Dezembro 2021

Mobilidade Humana e Segurança

 

O maior movimento de pessoas na História da Humanidade coincidiu com a COVID-19, e vieram também à luz outros desafios globais, como a degradação ambiental, a pobreza, a fome, e os conflitos armados. A pandemia afetou consideravelmente o movimento das pessoas devido ao encerramento das fronteiras. Esta imobilidade forçada colocou as pessoas que se deslocam em situações insustentáveis e inseguras. 

Os migrantes e os refugiados muitas vezes têm de atravessar múltiplos países, alguns com fronteiras militarizadas, que recusam a sua entrada. Sofrem constantemente violações dos seus direitos e enfrentam situações de violência, contrabando e separação familiar. Para além disto, os processos penais e as detenções por violações relativas à imigração impedem os migrantes de procurar proteção.   

Com muita frequência, os Estados fazem uma conexão da segurança nacional com a defesa nacional e a segurança interna. Contudo, a segurança nacional não se resume apenas a um controle fronteiriço, sendo impossível sem a segurança humana. Esta última exige que os direitos de todos os indivíduos presentes num território, independentemente do seu estatuto legal, sejam salvaguardados. 

A Secção de Migrantes e Refugiados espera e deseja ver adotadas mais políticas públicas fundamentadas na liberdade de trânsito e que respeitem as proteções internacionais para as pessoas vulneráveis em movimento. Este Boletim, alinhado a esta perspetiva de pensamento, procura espelhar a posição do Vaticano relativamente à questão da segurança dos migrantes e dos refugiados nas zonas de fronteira, apresentando diversas iniciativas de agentes católicos destinadas a facilitar a sua passagem segura e o seu acesso legal aos territórios.


Dar as boas-vindas aos nossos semelhantes


Na sua
mensagem para o  104º Dia Mundial dos Migrantes e Refugiados, o Papa Francisco afirmou que a segurança do migrante deve ser de primordial importância, tendo articulado a sua mensagem através de quatro verbos: “acolher, proteger, promover e integrar”. Acolher significa “oferecer a migrantes e refugiados possibilidades mais amplas de entrada segura e legal nos países de destino”. Vistos humanitários, reagrupamentos familiares, fomentar “programas de patrocínio comunitário e abrir corredores humanitários nomeadamente para os refugiados mais vulneráveis”, são os meios que o Papa identifica para alcançar esse resultado. Ele acrescentou que os agentes encarregados de controlar as fronteiras devem estar devidamente treinados, de maneira a “antepor sempre a segurança pessoal à segurança nacional”.  Também apelou a que se encontrassem “soluções alternativas no que respeita à detenção daqueles que entram num país sem autorização”, fazendo notar que “as expulsões coletivas e arbitrárias de migrantes e refugiados não constituem uma solução idónea”.   

Numa declaração sobre proteção internacional (EN), proferida em Julho de 2021 na 81ª reunião do Comité Executivo do ACNUR, a Missão Permanente da Santa Sé nas Nações Unidas em Genebra reiterou a necessidade de políticas de reinstalação mais generosas, em conjunto com “um compromisso maior de responsabilidades partilhadas”, de modo a ajudar os Estados a acolher o maior número de refugiados. A declaração mencionou ainda que a pandemia se transformou numa “crise de proteção, e também noutra causa do atraso em alcançar soluções duráveis” para os refugiados. A este respeito, embora reconhecendo o dever dos Estados de proteger as suas próprias populações durante situações de emergência de saúde pública, e respeitando o seu exclusivo direito de administrar as próprias fronteiras, a Santa Sé fez notar alguns exemplos impressionantes de que as preocupações com a saúde pública podem andar de mãos dadas com o respeito para com o princípio de não-repulsão e o direito de procurar asilo que se encontra consagrado na Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados. 

Ao participar no “Grupo de Trabalho sobre o Contrabando de Migrantes”, organizado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) em Viena, Yuriy Tykhovlis fez uma declaração (EN) em nome do Observador Permanente da Santa Sé nas Nações Unidas. Ele fez soar o alarme sobre a chamada “surface” e “dark” web, “utilizada para facilitar o recrutamento e o transporte no contrabando de migrantes […] conduzindo à sua subsequente exploração”. Segundo Tykhovlis, os agentes estatais e não-governamentais devem introduzir mecanismos, de maneira a incrementar a transparência e a combater o uso ilegal da tecnologia. Além disso , Tykhovlis apelou à promoção de campanhas de sensibilização e de programas de formação específicos a fim de se contribuir para a prevenção do contrabando, e para se tornar a migração mais segura, mais ordenada e mais regulada.  

No documento “Garantir o Acesso ao Território aos Requerentes de Proteção Internacional”, a Secção de Migrantes e Refugiados do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, também reafirma os direitos de asilo e de não-repulsão, declarando que “a admissão segura ao território deve ser garantida a todos aqueles que se encontram necessitados de proteção internacional, sob o ponto de vista individual”. Quando é difícil avaliar a situação particular de cada indivíduo migrante nos casos de fluxos migratórios, “o acesso temporário ao território deve ser concedido a todos”. Ao analisar a emergência COVID-19, o documento conclui que mesmo quando é necessário implementar medidas de saúde pública, estas não devem ser discriminatórias e devem ser “adotadas após uma avaliação justa dos riscos reais”. 

No documento “Medidas Alternativas à Detenção dos Migrantes”, a Secção de Migrantes e Refugiados salienta que “qualquer pessoa que deseje solicitar proteção internacional e apresentar problemas de saúde física ou mental, ou sinais de ter sido traficada, nunca deve ser detida seja qual for a sua situação jurídica migratória”. Tendo por base estes pressupostos, o documento apela “para que se explorem e adotem alternativas não governamentais em relação à detenção de migrantes”, tais como centros de recepção não governamentais, bem como outros programas de acolhimento baseados na comunidade. Estas soluções asseguram uma melhor proteção dos direitos e da dignidade de migrantes irregulares. Ademais, e apesar de serem temporárias, tornam-se mais eficazes e menos dispendiosas.


Proporcionar um acesso seguro e legal ao território


O
projeto Corredores Humanitários (EN; IT; ES; FR) da Comunidade de Santo Egídio concede entrada legal na Europa a pessoas que se encontram em condições vulneráveis, através de vistos humanitários, com a subsequente oportunidade de solicitarem um pedido de asilo. Desde o início do programa, 3.700 refugiados do Líbano, do Corno de África e da ilha grega de Lesbos foram recebidos e integrados em Itália, em França (FR), na Bélgica, em San Marino e Andorra. Em 2021, a Comunidade de Santo Egídio assinou dois protocolos com o governo italiano para a chegada de 1000 refugiados do Líbano e 1200 refugiados afegãos através de Corredores Humanitários, e renovou o protocolo com o governo francês para acolher 300 refugiados (EN). Concluindo, também a Comunidade de Santo Egídio no México organizou, pela primeira vez, um  corredor humanitário para um grupo de crianças da Guatemala (IT; EN; ES), acompanhando-as desde o sul do México até aos Estados Unidos a fim de se reunirem com as suas famílias. 

MigraSegura (EN; ES; IT; FR) é uma plataforma digital que ajuda as pessoas em trânsito, especialmente os venezuelanos, a encontrar informações seguras e de confiança acerca de serviços básicos e das políticas de migração do Brasil e do Equador. A plataforma disponibiliza informação sobre as políticas de migração; sobre os processos legais para se obter asilo, refúgio e acesso a assistência humanitária; e também sobre meios de subsistência, cuidados médicos, alojamentos, alimentação, etc. O acesso à plataforma é facilitado pelos espaços sociais da Igreja e pelos serviços pastorais, onde redes de wi-fi e aparelhos eletrónicos se encontram à disposição. Migra Segura é uma iniciativa da Cáritas brasileira em aliança com a Cáritas do Equador, e o apoio dos Catholic Relief Services.

O Patrocinio da comunidade constitui uma solução segura e duradoura no sentido de acolher e realojar os refugiados. A comunidade assume – como parte da sua própria comunidade – a responsabilidade por uma família refugiada, desde o primeiro momento da sua chegada até à sua independência total. O Centro Católico para Imigrantes (EN, CCI) no Canadá – país que, no mundo, lidera em termos numéricos o realojamento de refugiados – gere dois acordos de patrocínio: o acordo da Corporação Católica Episcopal de Ottawa, que essencialmente serve as paróquias locais, e um segundo acordo da própria CCI, que se direciona para grupos de qualquer filiação. Outro exemplo é o da Diocese Católica Romana de Saskatoon (EN), que age como titular do Acordo de Patrocínio com o governo federal, ajudando as paróquias e outros grupos para que, privadamente, auxiliem refugiados, oferecendo-lhes treino e coordenação. O tempo médio que decorre para que uma paróquia concorde em patrocinar um refugiado ou uma família de refugiados, até à sua chegada, é de ano e meio a dois anos e meio. A pandemia COVID-19 afetou todo o processo e causou alguns atrasos e incertezas adicionais. Mas mesmo assim, as pessoas têm conseguido realojar-se (EN), após um período de quarentena bem sucedido.

O projeto Corredores Universitários para Refugiados (EN; IT), promovido pela Cáritas Italiana em conjunto com outros parceiros, emite vistos de entrada para fins de estudo a pessoas com estatuto de proteção internacional da Etiópia. A motivação e o curriculum académico são tidos em consideração na análise dos candidatos que procuram inscrever-se em cursos de diversas universidades italianas. Estas tornam-se responsáveis pela inscrição dos beneficiários num determinado curso, assumindo as despesas de alimentação, alojamento e propinas. A Cáritas Italiana divulga na Etiópia a abertura das inscrições, auxilia em todos os preparativos, e cobre as despesas de preparação da partida e de voo.  Também contribui financeiramente para as organizações diocesanas da Cáritas e provê à gestão de projetos quando os beneficiários chegam a Itália. As organizações diocesanas da Cáritas têm o importantíssimo papel de apoiar a integração social dos estudantes que beneficiam do projeto.

Dar prioridade à segurança humana mais do que às proteções nacionais


Numa
entrevista com o Crux (EN), o Monsenhor Robert J. Vitillo, Secretário-Geral da Comissão Católica Internacional para as Migrações (ICMC), disse que “quando as pessoas são obrigadas a fugir por causa da guerra, discriminação, perseguição ou pobreza abjeta, os muros não as deterão”. Porém, aquilo que mais o choca são os muros de indiferença que algumas pessoas, inclusive crentes, constroem perante “a dor horrível dos afogamentos, da fome e da sede dos migrantes no decorrer da sua procura de segurança, liberdade e novas oportunidades”. Ele deseja que as pessoas “ultrapassem a atitude e a falsa ideia de que os migrantes e os refugiados são ‘um fardo’ para os países ricos e fortemente desenvolvidos, e em vez disso reconheçam “os dons e o potencial económico de crescimento que os migrantes e os refugiados trouxeram consigo”, como se pode verificar nas áreas rurais e em países de médio e baixo rendimento. Embora alguns eventualmente discordem que a experiência do ICMC demonstra que as vias legais em conjunto com o patrocínio e o realojamento constituem a melhor resposta para lidar com a emergência a curto prazo, o Monsenhor Vitillo realça que uma mudança radical “em direção a um ‘nós’ cada vez maior”, e a construção da paz de ambos os lados – tanto “de cima para baixo” como “de baixo para cima” – são essenciais para “eliminar a maioria das causas profundas subjacentes ao deslocamento forçado dos povos”.

Numa breve reflexão (EN), Peter Rožič SJ, Diretor do Centro Social Europeu Jesuíta, discorre sobre as alterações climáticas como “um dos maiores riscos de segurança global”, cujas causas e efeitos são lentos e difíceis de perceber e, por essa razão, quase sempre são subestimados. No entanto, esta questão coloca a segurança humana em risco sob várias perspetivas: “causando não somente fome, pobreza, crises de alojamento e migração (forçada), mas também a perda total de territórios inteiros e conflitos políticos”. Ao concluir, Rožič destaca a capacidade do Papa Francisco ao apresentar a crise ambiental como uma crise sociopolítica, e ao envolver líderes globais e do mundo empresarial, no compromisso de enfrentarem a emergência climática. 

Um relatório divulgado em abril de 2021 pelo Jesuit Relief Services dos EUA e pelo Instituto para o Estudo da Migração Internacional da Universidade de Georgetown,  intitulado “Seeking Protection in a Pandemic: COVID-19 and the Future of Asylum” (EN, Procurando Proteção numa Pandemia: COVID-19 e o Futuro do Asilo) constata que as restrições postas em prática durante a pandemia, com o intuito de proteger a saúde pública, terão um impacto duradouro nas políticas globais de asilo, e que tais restrições amplificarão as desigualdades entre as populações deslocadas e as de acolhimento. O relatório revela que, no último ano, as pessoas que procuravam proteção por vias legais, em virtude de perseguição e violência, não conseguiram fazê-lo. De facto, 167 países fecharam as suas fronteiras, inclusivamente para requerentes de asilo, como resposta ao primeiro surto da COVID-19 no início de 2020, e em março de 2021 ainda havia 57 países onde o acesso ao território era negado sem qualquer exceção. O relatório contém algumas recomendações destinadas aos que formulam as políticas de acesso ao território, entre as quais, garantir caminhos seguros e legais, pôr fim à detenção de crianças e incrementar o investimento em centros de acolhimento e asilo. 

O Jornal Migrações e Segurança Humana (EN) do Centro de Estudos para as Migrações (CMS) disponibiliza diversos artigos e estudos sobre a ‘segurança humana’.   Estes abordam tópicos que permitem criar condições seguras e sustentáveis nas comunidades de proveniência dos migrantes, promovendo uma migração segura, ordenada e legal; e também desenvolvem políticas de imigração e de integração de migrantes respeitando os seus direitos, beneficiando as comunidades de envio e de acolhimento, as quais possibilitam aos recém-chegados uma vida produtiva e segura.

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