11 Março 2018 | Discurso do Santo Padre, Visita

VISITA À COMUNIDADE DE SANTO EGÍDIO POR OCASIÃO DO 50º ANIVERSÁRIO DE FUNDAÇÃO DISCURSO DO PAPA FRANCISCO

Basílica de Santa Maria in Trastevere

[…] Hoje o mundo é muitas vezes habitado pelo medo, também pela raiva, dizia o professor Riccardi, a qual é irmã do medo. Trata-se de uma doença antiga: na Bíblia aparece com frequência o convite a não ter medo. A nossa época conhece grandes temores diante das vastas dimensões da globalização. E os temores concentram-se muitas vezes em quem é estrangeiro, diferente de nós, pobre, como se fosse um inimigo. Chega-se a fazer planos de desenvolvimento das nações, sob a orientação da luta contra estas pessoas. E então defendemo-nos destas pessoas, julgando preservar aquilo que possuímos ou o que somos. A atmosfera de medo pode contagiar até os cristãos que, como aquele servo da parábola, escondem o dom recebido: não o investem no futuro, não o partilham com o próximo, mas conservamno para si mesmo: “Eu pertenço àquela associação…; sou dessa comunidade…”; “disfarçam” a própria vida com isto e não deixam florescer o talento. Se permanecemos sós, somos facilmente arrebatados pelo medo. Mas o vosso caminho leva-vos a olhar juntos para o futuro: não sozinhos, não para vós mesmos. Juntos, com a Igreja. Beneficiastes do grande impulso à vida comunitária e ao ser povo de Deus, vindo do Concílio Vaticano II, que afirma: «Contudo, aprouve a Deus salvar e santificar os homens, não individualmente, excluindo qualquer ligação entre eles, mas constituindo-os como um único povo» (Const. dogm. Lumen gentium, 9). A vossa Comunidade, fundada nos finais dos anos sessenta, é filha do Concílio, da sua mensagem e do seu espírito. O futuro do mundo parece incerto, sabemo-lo, sentimo-lo todos os dias nos telejornais. Vede quantas guerras abertas! Sei que rezais e trabalhais pela paz. Pensemos nas dores do povo sírio, o amado e martirizado povo sírio, cujos refugiados acolhestes na Europa, através dos “corredores humanitários”. Como é possível que, depois das tragédias do século XX, ainda se possa voltar a cair na mesma lógica absurda? Mas a Palavra do Senhor é luz na escuridão e oferece esperança de paz; ajuda-nos a não ter medo nem sequer diante da força do mal. Escrevestes as palavras do Salmo: «A vossa palavra é uma lâmpada que ilumina os meus passos, é uma luz no meu caminho» (119 [118], 105). Acolhemos a Palavra de Deus entre nós com espírito de festa. Com este espírito recebestes aquilo que eu quis propor para cada comunidade, no encerramento do Jubileu da Misericórdia: que um domingo por ano seja dedicado à Palavra de Deus (cf. Carta Apost. Misericordia et misera, 7). No passado a Palavra de Deus protegeu-vos das tentações da ideologia e hoje liberta-vos da intimidação do medo. Por isso, exorto-vos a amar e a frequentar sempre mais a Bíblia. Cada um encontrará nela a nascente da misericórdia pelos pobres, pelos feridos da vida e da guerra. A Palavra de Deus é a lâmpada com a qual olhar para o futuro, inclusive desta Comunidade. À sua luz podemos ler os sinais dos tempos. O beato Paulo VI dizia: «A descoberta dos “sinais dos tempos” […] deriva de um confronto da fé com a vida», de tal modo que «para nós o mundo se torna um livro» (Audiência geral, 16 de abril de 1969: Insegnamenti VII, 1969, 919). Um livro que deve ser lido com o olhar e o coração de Deus. Esta é a espiritualidade que vem do Concílio e que ensina uma grande e atenta compaixão pelo mundo. Desde que a vossa Comunidade nasceu, o mundo tornou-se “global”: a economia e as comunicações, por assim dizer, “unificaram-se”. Mas para muitas pessoas, especialmente pobres, ergueram-se novos muros. As diversidades são ocasião de hostilidade e de conflito; ainda deve ser construída uma globalização da solidariedade e do espírito. O futuro do mundo global consiste em viver juntos: este ideal exige o compromisso de edificar pontes, manter aberto o diálogo, continuar a encontrar-se. Não é apenas um dado político ou organizacional. Cada um é chamado a mudar o próprio coração, assumindo um olhar misericordioso em relação ao outro, para ser tornar artífice de paz e profeta de misericórdia. O samaritano da parábola ocupou-se do homem meio morto na estrada, porque o «viu e sentiu compaixão» (Lc 10, 33). O samaritano não tinha uma responsabilidade específica pelo homem ferido, e era estrangeiro. No entanto, comportou-se como irmão, porque teve um olhar de misericórdia. Por sua vocação, o cristão é irmão de cada homem, de modo particular se for pobre, e até se for inimigo. Nunca digais: “Que tenho a ver com isto?”. Uma bonita palavra para lavar as mãos! “Que tenho a ver com isto?”. Um olhar misericordioso compromete-nos na audácia criativa do amor, tão necessária! Somos irmãos de todos e, por isso, profetas de um mundo novo; e a Igreja é sinal de unidade do género humano, entre povos, famílias e culturas. Gostaria que esta celebração fosse um aniversário cristão: não um tempo para avaliar os resultados ou as dificuldades; não a hora dos balanços, mas o tempo em que a fé é chamada a tornar-se nova audácia pelo Evangelho. A audácia não é a coragem de um dia, mas a paciência de uma missão quotidiana na cidade e no mundo. É a missão de voltar a urdir pacientemente o tecido humano das periferias, que a violência e o empobrecimento dilaceraram; de anunciar o Evangelho através da amizade pessoal; de demonstrar como uma vida se torna verdadeiramente humana, quando é vivida ao lado dos mais pobres; de criar uma sociedade em que ninguém mais seja estrangeiro. É a missão de ultrapassar os confins e os muros, a fim de reunir. Hoje, ainda mais, prossegui audaciosamente ao longo deste caminho. Continuai a estar ao lado das crianças das periferias, com as Escolas da Paz, que eu visitei; continuai a estar ao lado dos idosos: às vezes são descartados, mas para vós são amigos. Continuai a abrir corredores humanitários para os refugiados da guerra e da fome. Os pobres são o vosso tesouro! O apóstolo Paulo escreve: «Ninguém ponha a sua glória nos homens. Tudo é vosso […] Mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus» (1 Cor 3, 21.23). Vós sois de Cristo! Este é o profundo sentido da vossa história até hoje, mas é sobretudo a chave com a qual enfrentar o futuro. Sede sempre de Cristo na oração, no cuidado dos seus irmãos mais pequeninos e na busca da paz, porque Ele é a nossa paz. Ele caminhará convosco, proteger-vos-á e guiar-vos-á! Rezo por vós e vós orai por mim. Obrigado!