19 Abril 2019 | Discurso do Santo Padre

VIA-SACRA NO COLISEU PRESIDIDA POR SUA SANTIDADE O PAPA FRANCISCO

ROMA

II ESTAÇÃO Jesus carrega a cruz «Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz dia após dia e siga-Me» (Lc 9, 23) Reflexão Senhor Jesus é fácil trazer o crucifixo ao peito ou dependurá-lo como ornamento nas paredes das nossas belas catedrais ou de nossas casas, mas não é tão fácil encontrar e reconhecer os novos crucificados de hoje: os sem-abrigo, os jovens sem esperança, sem emprego nem perspetivas, os imigrantes obrigados a viver nas barracas à margem da nossa sociedade, depois de terem enfrentado tribulações inauditas. Infelizmente, estes acampamentos, sem segurança, são queimados e arrasados juntamente com os sonhos e as esperanças de milhares de mulheres e homens marginalizados, explorados, esquecidos. Além disso, quantas crianças são discriminadas por causa da sua proveniência, da cor da pele ou da sua condição social! Quantas mães sofrem a humilhação de ver os seus filhos ridicularizados e excluídos das oportunidades que têm os seus coetâneos e colegas de escola! Oração Agradecemos-Te, Senhor, porque, com a tua própria vida, nos deste exemplo de como se manifesta o amor verdadeiro e desinteressado pelo próximo, particularmente pelos inimigos ou, simplesmente, por quem não é como nós. Senhor Jesus, quantas vezes também nós, como teus discípulos, nos declaramos abertamente teus seguidores nos momentos em que realizavas curas e prodígios, quando davas de comer à multidão e perdoavas os pecados. Mas não foi tão fácil compreender-Te quando falavas de serviço e perdão, de renúncia e sofrimento. Ajuda-nos a saber como colocar sempre a nossa vida ao serviço dos outros. V ESTAÇÃO O Cireneu ajuda Jesus a levar a cruz «Carregai as cargas uns dos outros e assim cumprireis plenamente a lei de Cristo» (Gal 6, 2) Reflexão Senhor Jesus, a caminho do Calvário, sentiste forte o peso e a fadiga de carregar aquela tosca cruz de madeira. Em vão, esperaste pelo gesto de ajuda vindo dum amigo, dum dos teus discípulos, duma das inúmeras pessoas cujos sofrimentos aliviaste. Só um desconhecido, Simão de Cirene, e por constrição Te deu uma mão. Onde estão hoje os novos cireneus do terceiro milénio? Onde os encontramos? Quero recordar a experiência dum grupo de religiosas de diferentes nacionalidades, proveniências e congregações com as quais todos os sábados, há mais de dezassete anos, visitamos em Roma um Centro para mulheres imigradas sem documentos: mulheres, frequentemente jovens, à espera de conhecer o seu destino, oscilando entre expulsão e possibilidade de permanecer. Nestas mulheres, quanto sofrimento encontramos, mas também quanta alegria ao depararem-se com religiosas originárias dos seus países, que falam a sua língua, limpam as suas lágrimas, compartilham momentos de oração e de festa, tornam menos duros os longos meses passados por detrás de barras de ferro e no asfalto de cimento! Oração Por todos os cireneus da nossa história, para que jamais esmoreça neles o desejo de Te acolher sob a fisionomia dos últimos da terra, cientes de que, ao acolher os últimos da nossa sociedade, Te acolhemos a Ti. Que estes samaritanos sejam porta-voz de quem não tem voz. VIII ESTAÇÃO Jesus encontra as mulheres «Filhas de Jerusalém, não choreis por Mim, chorai antes por vós mesmas e pelos vossos filhos» (Lc 23, 28) Reflexão A situação social, económica e política dos migrantes e das vítimas do tráfico de seres humanos interpela-nos e mexe connosco. Devemos ter a coragem – como afirma vigorosamente o Papa Francisco – de denunciar como crime contra a humanidade o tráfico de seres humanos. Todos nós, especialmente os cristãos, devemos crescer na consciência de que somos todos responsáveis pelo problema e todos podemos e devemos ser parte da solução. A todos, mas sobretudo a nós mulheres, é pedida a coragem do desafio. A coragem de saber ver e agir, individualmente e como comunidade. Só juntando as nossas pobrezas é que estas poderão tornar-se uma grande riqueza, capaz de mudar a mentalidade e aliviar os sofrimentos da humanidade. O pobre, o estrangeiro, o diferente não deve ser visto como um inimigo a rejeitar ou a combater, mas sim como um irmão ou uma irmã a acolher e ajudar. Não são um problema, mas um recurso precioso para as nossas cidadelas blindadas, onde o bem-estar e o consumo não aliviam o crescente cansaço e fadiga. Oração Senhor, ensina-nos a possuir o teu olhar; aquele olhar de acolhimento e misericórdia, com que vês os nossos limites e os nossos medos. Ajuda-nos a ver assim as divergências de ideias, costumes e perspetivas. Ajuda a reconhecermo-nos como parte da mesma humanidade e a fazermo-nos promotores de novos e ousados caminhos de acolhimento da pessoa diferente, para juntos criarmos comunidade, família, paróquia e sociedade civil. IX ESTAÇÃO Jesus cai pela terceira vez «Foi maltratado, mas humilhou-Se e não abriu a boca, como um cordeiro que é levado ao matadouro» (Is53, 7) Reflexão Senhor, pela terceira vez, caíste, exausto e humilhado, sob o peso da cruz. Precisamente como tantas moças, forçadas à vida de estrada por grupos de traficantes de escravos, as quais não aguentam a fadiga e a humilhação de ver o seu corpo jovem manipulado, abusado, destruído, juntamente com os seus sonhos. Aquelas jovens mulheres sentem-se como que desdobradas: por um lado procuradas e usadas, por outro rejeitadas e condenadas por uma sociedade que se recusa a ver este tipo de exploração, causado pela afirmação da cultura do usa e joga fora. Numa das muitas noites passadas pelas estradas de Roma, eu procurava uma jovem que acabava de chegar à Itália. Não a vendo no seu grupo, chamava-a insistentemente pelo nome: «Mercy». Na escuridão, vislumbrei-a aninhada e adormecida na beira da estrada. À minha chamada, acordou e disse-me que não aguentava mais. «Estou exausta»: repetia. Pensei na sua mãe: se soubesse o que aconteceu à filha, secavamlhe as lágrimas. Oração Senhor, quantas vezes nos fizeste esta pergunta incómoda: «Onde está o teu irmão? Onde está a tua irmã?» Quantas vezes nos lembraste que o seu grito lancinante tinha chegado a Ti! Ajuda-nos a compartilhar o sofrimento e a humilhação de tantas pessoas tratadas como desperdício. É demasiado fácil condenar seres humanos e situações de mal-estar que humilham a nossa falsa modéstia, mas não é tão fácil assumirmos as nossas responsabilidades como indivíduos, governos e também comunidades cristãs. X ESTAÇÃO Jesus é despojado das suas vestes «Revesti-vos, pois, de sentimentos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de paciência» (Col 3, 12) Reflexão Dinheiro, bem-estar, poder. São os ídolos de todos os tempos. Também e sobretudo do nosso, que se vangloria de passos enormes dados no reconhecimento dos direitos da pessoa. Tudo é adquirível, inclusive o corpo dos menores, depredados da sua dignidade e do seu futuro. Esquecemos a centralidade do ser humano, a sua dignidade, beleza, força. Enquanto no mundo se vão levantando muros e barreiras, queremos recordar e agradecer àqueles que nestes últimos meses, com funções diferentes, arriscaram a própria vida, especialmente no mar Mediterrâneo, para salvar a vida de tantas famílias à procura de segurança e oportunidades. Seres humanos, em fuga de pobreza, ditaduras, corrupção, escravidão. Oração Ajuda-nos, Senhor, a redescobrir a beleza e a riqueza que cada pessoa e cada povo encerram em si mesmos como um presente teu, único e irrepetível, para ser colocado ao serviço de toda a sociedade e não para servir interesses pessoais. Pedimos-Te, Jesus, que o teu exemplo e o teu ensinamento de misericórdia e perdão, de humildade e paciência nos tornem um pouco mais humanos e, consequentemente, mais cristãos. XI ESTAÇÃO Jesus é pregado na cruz «Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem» (Lc 23, 34) Reflexão A nossa sociedade proclama a igualdade em direitos e dignidade de todos os seres humanos. Mas pratica e tolera a desigualdade. Aceita até as suas formas mais extremas. Homens, mulheres e crianças são comprados e vendidos como escravos pelos novos mercantes de seres humanos. Depois, as vítimas deste tráfico são exploradas por outros indivíduos. E por fim jogadas fora, como mercadoria sem valor. Quantos enriquecem devorando a carne e o sangue dos pobres! Oração Senhor, quantas pessoas acabam ainda hoje pregadas numa cruz, vítimas duma exploração desumana, privadas da dignidade, da liberdade, do futuro. O seu grito de ajuda interpela-nos como homens e mulheres, como governos, como sociedade e como Igreja. Como é possível continuarmos a crucificar-Te, tornando-nos cúmplices do tráfico de seres humanos? Dá-nos olhos para ver e um coração para sentir os sofrimentos de tantas pessoas que ainda hoje são pregadas na cruz pelos nossos sistemas de vida e consumo. XII ESTAÇÃO Jesus morre na cruz «Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonaste?» (Mc 15, 34) Reflexão Também Tu, Senhor, sentiste na cruz o peso da zombaria, do escárnio, dos insultos, das violências, do abandono, da indiferença. Apenas Maria, tua Mãe, e poucas mais discípulas permaneceram lá, testemunhas do teu sofrimento e da tua morte. Que o seu exemplo nos inspire a comprometer-nos para não deixar sentir a solidão a quantos agonizam hoje nos inúmeros calvários espalhados pelo mundo, incluindo os campos de arrecadação que parecem «lágueres» nos países de trânsito, os navios a que é recusado um porto seguro, as longas negociações burocráticas para o destino final, os centros de permanência, os pontos de acesso, os campos para trabalhadores sazonais. Oração Nós Te pedimos, Senhor: ajuda a aproximar-nos dos novos crucificados e desesperados do nosso tempo. Ensina-nos a limpar as suas lágrimas, a confortá-los como souberam fazer Maria e as outras mulheres ao pé da tua cruz. XIII ESTAÇÃO Jesus é descido da cruz «Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto» (Jo 12, 24) Reflexão Quem se lembra, nesta época de notícias depressa arquivadas, daquelas vinte e seis jovens nigerianas engolidas pelas ondas, cujos funerais foram celebrados em Salerno? Foi duro e longo o seu calvário. Primeiro, a travessia do deserto do Saara, empilhadas em transportes improvisados. Depois, a paragem forçada nos espaventosos centros de arrecadação na Líbia. Por fim, o salto para o mar, onde encontraram a morte às portas da «terra prometida». Duas delas traziam no ventre o dom duma nova vida, bebés que nunca verão a luz do sol. Mas a sua morte, como a de Jesus descido da cruz, não foi em vão. Todas estas vidas, confiamo-las à misericórdia do Pai nosso e de todos, mas sobretudo Pai dos pobres, dos desesperados e dos humilhados. Oração Senhor, nesta hora, ouvimos ressoar mais uma vez o grito que o Papa Francisco elevou de Lampedusa, meta da sua primeira viagem apostólica: «Quem chorou?» E agora, depois de naufrágios sem fim, continuamos a gritar: «Quem chorou?» Quem chorou?: perguntamo-nos diante daqueles vinte e seis caixões alinhados e encimados por uma rosa branca. Apenas cinco delas foram identificadas. Com ou sem nome, todas elas, porém, são nossas filhas e irmãs. Todas merecem respeito e memória. Todas nos pedem para nos sentirmos responsáveis: instituições, autoridades e nós também, com o nosso silêncio e a nossa indiferença. XIV ESTAÇÃO Jesus é depositado no sepulcro «Tudo está consumado» (Jo 19, 30). Reflexão O deserto e os mares tornaram-se os novos cemitérios de hoje. Perante estas mortes, não há respostas. Mas há responsabilidades. Irmãos que deixam morrer outros irmãos. Homens, mulheres, crianças que não pudemos ou não quisemos salvar. Enquanto os governos discutem, fechados nos palácios do poder, o Saara enche-se de esqueletos de pessoas que não resistiram à fadiga, à fome, à sede. Quanta dor custam os novos êxodos! Quanta crueldade que se encarniça sobre quem foge: as viagens do desespero, as extorsões e as violências, o mar transformado em túmulo de água! Oração Senhor, faz-nos entender que somos todos filhos do mesmo Pai. Possa a morte do teu Filho Jesus dar aos chefes das nações e aos responsáveis pela legislação a consciência do seu papel na defesa de toda a pessoa criada à tua imagem e semelhança. CONCLUSÃO Queremos lembrar a história da pequenina Favour, de nove meses, que deixou a Nigéria juntamente com seus jovens pais à procura dum futuro melhor na Europa. Durante a longa e perigosa viagem no Mediterrâneo, a mãe e o pai foram mortos juntamente com centenas de outras pessoas que se haviam confiado a traficantes sem escrúpulos para poder chegar à «terra prometida». Só Favour sobreviveu; como Moisés, também ela foi salva das águas. Que a sua vida se torne luz de esperança no caminho rumo a uma humanidade mais fraterna! Oração No final da tua Via-Sacra, pedimos-Te, Senhor, que nos ensines a permanecer vigilantes, juntamente com a tua Mãe e as mulheres que Te acompanharam no Calvário, à espera da tua ressurreição. Que esta seja farol de esperança, alegria, vida nova, fraternidade, acolhimento e comunhão entre os povos, as religiões e as leis, para que cada filho e filha do homem sejam verdadeiramente reconhecidos na sua dignidade de filho e filha de Deus e nunca mais sejam tratados como escravos!