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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO À DELEGAÇÃO DA CUSTÓDIA DA TERRA SANTA NO CENTENÁRIO DA REVISTA “A TERRA SANTA”

[…] Dar a conhecer a Terra Santa significa transmitir o “Quinto Evangelho”, ou seja,
o ambiente histórico e geográfico no qual a Palavra de Deus se revelou e depois se
fez carne em Jesus de Nazaré, para nós e para a nossa salvação. Significa também
dar a conhecer o povo que aí vive hoje, a vida dos cristãos das várias Igrejas e
denominações, mas inclusive a dos judeus e muçulmanos, para procurar construir,
num contexto complexo e difícil como o do Médio Oriente, uma sociedade fraterna.
Em tempos de redes sociais, a comunicação deve ajudar a construir comunidade ,
melhor ainda, fraternidade (cf. Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações
Sociais, 2019). Encorajo-vos a narrar a fraternidade possível: a fraternidade entre
os cristãos das Igrejas e confissões infelizmente ainda separadas, mas que na Terra
Santa já estão muitas vezes próximas da unidade, como eu próprio tive a ocasião
de constatar. Narrar a fraternidade possível entre todos os filhos de Abraão, judeus,
cristãos e muçulmanos. Narrar a fraternidade eclesial que se abre aos migrantes,
deslocados e refugiados, para lhes restituir a dignidade de que foram privados
quando tiveram que deixar a sua pátria em busca de um futuro para si e para os
seus filhos. Narrar aquela realidade!
Agradeço-vos porque, para narrar a Terra Santa, vos esforçais por encontrar as
pessoas onde e como são (cf. Mensagem para o Dia Mundial das Comunicações
Sociais, 2021). Com efeito, para realizar os vossos serviços, os vossos inquéritos e
as vossas publicações, não vos limitais aos territórios mais tranquilos, mas visitais
também as realidades mais difíceis e sofredoras, como a Síria, o Líbano, a Palestina
e Gaza. Sei que procurais apresentar as histórias de bem, de resistência ativa ao
mal da guerra, de reconciliação, de restituição da dignidade às crianças cuja
infância foi roubada, de refugiados com as suas tragédias, mas também com os
seus sonhos e esperanças. Obrigado porque, para desempenhar assim o vosso
trabalho, não poupastes as solas dos sapatos, e sei que nem sequer as poupareis
no futuro, para poder narrar tudo isto.
Efetivamente, ao comunicar uma certa realidade, nada pode substituir
completamente a experiência pessoal, o viver aí. E vós viveis e trabalhais
precisamente no lugar onde a Palavra de Deus, a sua mensagem de salvação, se
fez carne, tornando-se “encontrável” em Jesus Cristo, não apenas nas suas
palavras, mas no seu olhar, na sua voz, nos seus gestos (cf. Mensagem para o Dia
Mundial das Comunicações Sociais, 2021). A atração de Jesus «dependia da
verdade da sua pregação, mas a eficácia daquilo que dizia era inseparável do seu
olhar, das suas atitudes e até dos seus silêncios. Os discípulos não só ouviam as
suas palavras, mas viam-no falar. Com efeito, n’Ele — Logos encarnado — a
Palavra ganhou Rosto, o Deus invisível deixou-se ver, ouvir e tocar […] (cf. 1 Jo 1,
1-3). A palavra só é eficaz se for “vista”, se envolver numa experiência, num
diálogo» (ibidem).
Estimados comunicadores da Custódia da Terra Santa, sois chamados a dar a
conhecer o que o Sínodo sobre a Palavra de Deus (2008) e depois o Papa Bento XVI
chamaram o “Quinto Evangelho”, isto é, aquela Terra onde a história e a geografia
da salvação se encontram e permitem fazer uma nova leitura do texto bíblico, em
particular dos textos evangélicos. Ali «podemos ver, aliás, tocar a realidade da
história que Deus realizou com os homens. Começando pelos lugares da vida de
Abraão, indo até aos lugares da vida de Jesus, da encarnação ao túmulo vazio, sinal
da sua ressurreição. Sim, Deus entrou nesta terra, agiu connosco neste mundo»
(Bento xvi, Regina caeli, 17 de maio de 2009). E o Mistério pascal ilumina e dá
sentido até à história de hoje, ao caminho das populações que atualmente vivem
naquela Terra, caminho infelizmente marcado por feridas e conflitos ainda hoje,
mas que a graça de Deus abre sempre à esperança, esperança de fraternidade e de
paz (cf. ibid.). Também neste sentido, narrando a Terra Santa, descreveis o “Quinto
Evangelho”, aquele que Deus continua a escrever na história.
Através dos meios de comunicação social vós podeis enriquecer a fé de muitos, até
de quem não tem a possibilidade de fazer uma peregrinação aos lugares santos.
Fazei-lo mediante o vosso compromisso profissional, desempenhado todos os dias
com competência ao serviço do Evangelho. Isto é precioso para os crentes do
mundo inteiro e, ao mesmo tempo, apoia os cristãos que vivem na Terra de Jesus.
E quero aproveitar esta ocasião para lhes manifestar a minha proximidade.
Lembro-me sempre deles, também na oração. Por favor, quando voltardes para
casa, levai a minha saudação e a minha bênção às famílias e comunidades cristãs
da Terra Santa.
Caros irmãos e irmãs, que a providência do Senhor e o amparo da Santíssima
Virgem vos acompanhem sempre nas vossas atividades. Concedo de coração a
Bênção a todos vós e aos demais colaboradores que não puderam vir. E peço-vos,
da Terra Santa, uma oração também por mim.
Obrigado!

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DISCORSO DEL SANTO PADRE FRANCESCO DISCURSO DO PAPA FRANCISCO AOS MEMBROS DO CORPO DIPLOMÁTICO ACREDITADO JUNTO À SANTA SÉ

[…] Prezados Embaixadores!
No ano passado, graças também ao abrandamento das restrições impostas em
2020, tive a oportunidade de receber muitos Chefes de Estado e de Governo, bem
como várias autoridades civis e religiosas.
Dentre os numerosos encontros, gostaria de mencionar aqui a jornada dedicada à
reflexão e oração pelo Líbano, no dia 1 de julho passado. Ao amado povo libanês,
aflito por uma crise económica e política que sente dificuldade a encontrar solução,
desejo renovar hoje a minha solidariedade e a minha oração, enquanto espero que
as reformas necessárias e o apoio da comunidade internacional ajudem o país a
manter-se firme na própria identidade de modelo de coexistência pacífica e de
fraternidade entre as várias religiões presentes.
No decurso de 2021, pude retomar também as viagens apostólicas. Em março, tive
a alegria de ir ao Iraque. A Providência quis que isso acontecesse, como sinal de
esperança depois de anos de guerra e terrorismo. O povo iraquiano tem direito a
reencontrar a dignidade que lhe pertence e a viver em paz. As suas raízes religiosas
e culturais são milenárias: a Mesopotâmia é berço de civilização; foi de lá que Deus
chamou Abraão para iniciar a história da salvação.
Depois, em setembro, fui a Budapeste para a conclusão do Congresso Eucarístico
Internacional e em seguida à Eslováquia. Foi uma oportunidade de encontro com os
fiéis católicos e doutras confissões cristãs, e também de diálogo com os judeus. Da
mesma forma, a viagem a Chipre e à Grécia, cuja memória permanece viva em
mim, permitiu-me aprofundar os laços com os irmãos ortodoxos e experimentar a
fraternidade entre as várias confissões cristãs.
Uma parte comovente desta viagem teve lugar na ilha de Lesbos, onde pude
constatar a generosidade de quantos prestam a sua ação para oferecer acolhimento
e ajuda aos migrantes, mas sobretudo vi os rostos de tantas crianças e adultos
hóspedes dos centros de acolhimento. Nos seus olhos, há o cansaço da viagem, o
medo dum futuro incerto, a angústia pelos entes queridos que deixaram para trás e
a saudade da pátria que foram obrigados a abandonar. Diante destes rostos, não
podemos permanecer indiferentes, nem se pode entrincheirar atrás de muros e
arame farpado a pretexto de defender a segurança ou um estilo de vida. Isso não
se pode fazer.
Por isso, agradeço a quantos – indivíduos e governos – se esforçam por garantir
acolhimento e proteção aos migrantes, cuidando também da sua promoção humana
e integração nos países que os acolheram. Estou ciente das dificuldades com que
alguns Estados se deparam perante fluxos imensos de pessoas. A ninguém pode ser
pedido aquilo que está impossibilitado de fazer, mas há uma diferença nítida entre
acolher, embora limitadamente, e repelir totalmente.
É preciso vencer a indiferença e rejeitar a ideia de que os migrantes são um
problema de outrem. O resultado desta perspetiva vê-se na própria desumanização
dos migrantes concentrados em campos de recolha, onde acabam por ser presa
fácil da criminalidade e dos traficantes de seres humanos, ou por se lançar em
desesperadas tentativas de fuga que às vezes terminam com a morte. Infelizmente,
é preciso também destacar que os próprios migrantes muitas vezes são
transformados em arma de chantagem política, numa espécie de «mercadoria de
barganha» que priva as pessoas da dignidade.
Desejo renovar aqui a minha gratidão às autoridades italianas, graças às quais
algumas pessoas de Chipre e da Grécia puderam vir comigo para Roma. Tratou-se
dum gesto simples, mas significativo. Ao povo italiano, que muito sofreu no início
da pandemia, mas que também deu sinais encorajadores de retoma, formulo os
melhores votos de manter sempre este espírito de abertura generosa e solidária
que o carateriza.
Entretanto considero de importância fundamental que a União Europeia encontre a
sua coesão interna na gestão das migrações, como a soube encontrar para
enfrentar as consequências da pandemia. De facto, é necessário criar um sistema
coerente e global de gestão das políticas migratórias e de asilo, de modo que sejam
compartilhadas as responsabilidades no acolhimento dos migrantes, na revisão dos
pedidos de asilo, na redistribuição e integração de quantos podem ser aceites. A
capacidade de negociar e encontrar soluções compartilhadas é um dos pontos de
força da União Europeia e constitui um modelo válido para perspetivar os desafios
globais que nos esperam.
Todavia as migrações não dizem respeito apenas à Europa, embora esta seja
particularmente procurada pelos fluxos vindos da África e da Ásia. Nestes anos,
assistimos, para além doutros, ao êxodo dos refugiados sírios, aos quais se vieram
juntar nos últimos meses os que fogem do Afeganistão. Também não devemos
esquecer os êxodos maciços que buscam o continente americano e pressionam na
fronteira entre o México e os Estados Unidos da América. Muitos daqueles
migrantes são haitianos em fuga das tragédias que atingiram o seu país nestes
anos.
A questão migratória, bem como a pandemia e as mudanças climáticas mostram
claramente que ninguém se pode salvar sozinho, ou seja, os grandes desafios do
nosso tempo são todos globais. Por isso, é preocupante constatar como, face a uma
maior interligação dos problemas, vai crescendo uma mais ampla fragmentação das
soluções. Verifica-se, não raro, uma falta de vontade em querer abrir janelas de
diálogo e sendas de fraternidade, o que acaba por alimentar novas tensões e
divisões, além dum sentimento generalizado de incerteza e instabilidade. Pelo
contrário, é preciso recuperar o sentido da nossa identidade comum de uma única
família humana. A alternativa só pode ser um crescente isolamento, marcado por
preconceitos e fechamentos mútuos que, de facto, colocam ainda mais em perigo o
multilateralismo, que é o estilo diplomático que tem caraterizado as relações
internacionais desde o fim da II Guerra Mundial.
A diplomacia multilateral atravessa, desde há algum tempo, uma crise de confiança,
devido à reduzida credibilidade dos sistemas sociais, governamentais e
intergovernamentais. Com frequência, tomam-se importantes resoluções,
declarações e decisões sem uma verdadeira negociação onde todos os países
tenham possibilidade de intervir. Este desequilíbrio, que hoje se tornou
dramaticamente evidente, gera insatisfação para com os organismos internacionais
por parte de muitos Estados e enfraquece no seu todo o sistema multilateral,
tornando-o cada vez menos eficaz para enfrentar os desafios globais.
A falta de eficácia de muitas organizações internacionais é devida também à
diferença de visão, entre os vários membros, dos objetivos que aquelas se
deveriam prefixar. Não raro, o centro principal de interesse tem-se deslocado para
temáticas que são por sua natureza divisivas e não estritamente atinentes à
finalidade da organização, com o resultado de agendas cada vez mais ditadas por
um pensamento que nega os fundamentos naturais da humanidade e as raízes
culturais que constituem a identidade de muitos povos. Como já tive oportunidade
de afirmar noutras ocasiões, considero que se trata duma forma de colonização
ideológica, que não deixa espaço à liberdade de expressão e que hoje se concretiza
cada vez mais naquela cultura censória, que invade tantos espaços e instituições
públicas. Em nome da proteção das diversidades, acaba-se por apagar o sentido de
cada identidade, com o risco de silenciar as posições que defendem uma ideia
respeitosa e equilibrada das várias sensibilidades. Elabora-se um pensamento único
– perigoso – que é forçado a renegar a história ou, pior ainda, a reescrevê-la com
base em categorias contemporâneas, quando cada situação histórica deve ser
interpretada segundo a hermenêutica da época, não a de hoje.
Por isso, a diplomacia multilateral é chamada a ser verdadeiramente inclusiva, não
cancelando, mas valorizando as diversidades e as sensibilidades históricas que
caraterizam os vários povos. Recuperará, assim, credibilidade e eficácia para
enfrentar os próximos desafios, que exigem que a humanidade se reúna como uma
grande família, que, embora partindo de pontos de vista diferentes, deve ser capaz
de encontrar soluções comuns para o bem de todos. Isto exige confiança mútua e
disponibilidade para dialogar, ou seja, «ouvir-se um ao outro, confrontar posições,
pôr-se de acordo e caminhar juntos» . Aliás «o diálogo é o caminho mais adequado
para se chegar a reconhecer aquilo que sempre deve ser afirmado e respeitado e
que ultrapassa o consenso ocasional» . Nunca devemos esquecer que «há alguns
valores permanentes» . Nem sempre é fácil reconhecê-los, mas aceitá-los «confere
solidez e estabilidade a uma ética social. Mesmo quando os reconhecemos e
assumimos através do diálogo e do consenso, vemos que estes valores basilares
estão para além de qualquer consenso» . Desejo recordar especialmente o direito à
vida, desde a conceção até ao fim natural, e o direito à liberdade religiosa.
Nesta perspetiva, tem crescido progressivamente, nos últimos anos, a consciência
coletiva quanto à urgência de enfrentar o cuidado da nossa Casa comum, que geme
por causa duma contínua e indiscriminada exploração dos recursos. A este respeito,
penso especialmente nas Filipinas, atingidas nas semanas passadas por um tufão
devastador, bem como noutras nações do Pacífico, vulneráveis aos efeitos negativos
das mudanças climáticas, que colocam em risco a vida dos habitantes, a maioria
dos quais depende da agricultura, pesca e recursos naturais.
Precisamente uma tal constatação deve impelir a comunidade internacional, na sua
globalidade, a encontrar soluções comuns e colocá-las em prática. Ninguém pode
eximir-se deste esforço, pois interessa e envolve igualmente a todos. Na recente
COP26 em Glasgow, foram dados alguns passos que vão na direção certa, embora
bastante débeis relativamente à consistência do problema a enfrentar. O caminho
para se alcançar os objetivos do Acordo de Paris é complexo e parece ainda longo,
enquanto se torna cada vez mais curto o tempo à disposição. Ainda há muito a
fazer, e por conseguinte 2022 será mais um ano fundamental para verificar quanto
e como possa e deva ser ainda mais reforçado o que foi decidido em Glasgow,
tendo em vista a COP27 prevista para novembro próximo no Egito.

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MENSAGEM DE SUA SANTIDADE PAPA FRANCISCO PARA O DIA MUNDIAL DAS MISSÕES DE 2022

Queridos irmãos e irmãs!
Estas palavras encontram-se no último colóquio de Jesus ressuscitado com os seus
discípulos, antes de subir ao Céu, como se descreve nos Atos dos Apóstolos:
«Recebereis a força do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas
testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até aos confins do
mundo» (1, 8). E constituem também o tema do Dia Mundial das Missões de 2022,
que, como sempre, nos ajuda a viver o facto de a Igreja ser, por sua natureza,
missionária. Neste ano, o citado Dia proporciona-nos a ocasião de comemorar
algumas efemérides relevantes para a vida e missão da Igreja: a fundação, há 400
anos, da Congregação de Propaganda Fide – hoje designada Congregação para a
Evangelização dos Povos – e, há 200 anos, da «Obra da Propagação da Fé; esta,
juntamente com a Obra da Santa Infância e a Obra de São Pedro Apóstolo, há 100
anos foram reconhecidas como «Pontifícias».
Detenhamo-nos nestas três expressões-chave que resumem os três alicerces da
vida e da missão dos discípulos: «Sereis minhas testemunhas», «até aos confins do
mundo» e «recebereis a força do Espírito Santo».
1. «Sereis minhas testemunhas» – A chamada de todos os cristãos a testemunhar
Cristo
É o ponto central, o coração do ensinamento de Jesus aos discípulos em ordem à
sua missão no mundo. Todos os discípulos serão testemunhas de Jesus, graças ao
Espírito Santo que vão receber: será a graça a constituí-los como tais, por todo o
lado aonde forem, onde quer que estejam. Tal como Cristo é o primeiro enviado, ou
seja, missionário do Pai (cf. Jo 20, 21) e, enquanto tal, a sua «Testemunha fiel» (Ap
1, 5), assim também todo o cristão é chamado a ser missionário e testemunha de
Cristo. E a Igreja, comunidade dos discípulos de Cristo, não tem outra missão senão
a de evangelizar o mundo, dando testemunho de Cristo. A identidade da Igreja é
evangelizar.
Uma releitura de conjunto mais aprofundada esclarece-nos alguns aspetos sempre
atuais da missão confiada por Cristo aos discípulos: «Sereis minhas testemunhas».
A forma plural destaca o caráter comunitário-eclesial da chamada missionária dos
discípulos. Todo o batizado é chamado à missão na Igreja e por mandato da Igreja:
por isso a missão realiza-se em conjunto, não individualmente: em comunhão com
a comunidade eclesial e não por iniciativa própria. E ainda que alguém, numa
situação muito particular, leve avante a missão evangelizadora sozinho, realiza-a e
deve realizá-la sempre em comunhão com a Igreja que o enviou. Como ensina São
Paulo VI, na Exortação apostólica Evangelii nuntiandi (um documento de que muito
gosto), «evangelizar não é, para quem quer que seja, um ato individual e isolado,
mas profundamente eclesial. Assim, quando o mais obscuro dos pregadores, dos
catequistas ou dos pastores, no rincão mais remoto, prega o Evangelho, reúne a
sua pequena comunidade ou administra um Sacramento, mesmo sozinho, ele
perfaz um ato de Igreja e o seu gesto está certamente conexo, por relações
institucionais, como também por vínculos invisíveis e por raízes recônditas da
ordem da graça, à atividade evangelizadora de toda a Igreja» (n.º 60). Com efeito,
não foi por acaso que o Senhor Jesus mandou os seus discípulos em missão dois a
dois; o testemunho prestado pelos cristãos a Cristo tem caráter sobretudo
comunitário. Daí a importância essencial da presença duma comunidade, mesmo
pequena, na realização da missão.
Em segundo lugar, é pedido aos discípulos para construírem a sua vida pessoal em
chave de missão: são enviados por Jesus ao mundo não só para fazer a missão,
mas também e sobretudo para viver a missão que lhes foi confiada; não só para
dar testemunho, mas também e sobretudo para ser testemunhas de Cristo. Assim o
diz, com palavras verdadeiramente comoventes, o apóstolo Paulo: «Trazemos
sempre no nosso corpo a morte de Jesus, para que também a vida de Jesus seja
manifesta no nosso corpo» (2 Cor 4, 10). A essência da missão é testemunhar
Cristo, isto é, a sua vida, paixão, morte e ressurreição por amor do Pai e da
humanidade. Não foi por acaso que os Apóstolos foram procurar o substituto de
Judas entre aqueles que tinham sido, como eles, testemunhas da ressurreição (cf.
At 1, 22). É Cristo, e Cristo ressuscitado, Aquele que devemos testemunhar e cuja
vida devemos partilhar. Os missionários de Cristo não são enviados para
comunicar-se a si mesmos, mostrar as suas qualidades e capacidades persuasivas
ou os seus dotes de gestão. Em vez disso, têm a honra sublime de oferecer Cristo,
por palavras e ações, anunciando a todos a Boa Nova da sua salvação com alegria e
ousadia, como os primeiros apóstolos.
Por isso, em última análise, a verdadeira testemunha é o «mártir», aquele que dá a
vida por Cristo, retribuindo o dom que Ele nos fez de Si mesmo. «A primeira
motivação para evangelizar é o amor que recebemos de Jesus, aquela experiência
de sermos salvos por Ele que nos impele a amá-Lo cada vez mais» (Francisco,
Exort. ap. Evangelii gaudium, 264).
Enfim, a propósito do testemunho cristão, permanece sempre válida esta
observação de São Paulo VI: «O homem contemporâneo escuta com melhor boa
vontade as testemunhas do que os mestres (…) ou então, se escuta os mestres, é
porque eles são testemunhas» (Evangelii nuntiandi, 41). Por conseguinte é
fundamental, para a transmissão da fé, o testemunho de vida evangélica dos
cristãos. Por outro lado, continua igualmente necessária a tarefa de anunciar a
pessoa de Jesus e a sua mensagem. De facto, o mesmo Paulo VI continua mais
adiante: «Sim! A pregação, a proclamação verbal duma mensagem, permanece
sempre como algo indispensável. (…) A palavra continua a ser sempre atual,
sobretudo quando ela for portadora da força divina. É por este motivo que
permanece também com atualidade o axioma de São Paulo: “A fé vem da
pregação” (Rom 10, 17). É a Palavra ouvida que leva a acreditar» (Ibid., 42).
Por isso, na evangelização, caminham juntos o exemplo de vida cristã e o anúncio
de Cristo. Um serve ao outro. São os dois pulmões com que deve respirar cada
comunidade para ser missionária. Este testemunho completo, coerente e jubiloso
de Cristo será seguramente a força de atração para o crescimento da Igreja
também no terceiro milénio. Assim, exorto todos a retomarem a coragem, a
ousadia, aquela parresia dos primeiros cristãos, para testemunhar Cristo, com
palavras e obras, em todos os ambientes da vida.
2. «Até aos confins do mundo» – A atualidade perene duma missão de
evangelização universal
Ao exortar os discípulos a serem as suas testemunhas, o Senhor ressuscitado
anuncia aonde são enviados: «Em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até aos
confins do mundo» (At 1, 8). Aqui emerge muito claramente o caráter universal da
missão dos discípulos. Coloca-se em destaque o movimento geográfico
«centrífugo», quase em círculos concêntricos, desde Jerusalém – considerada pela
tradição judaica como centro do mundo – à Judeia e Samaria, e até aos extremos
«confins do mundo». Não são enviados para fazer proselitismo, mas para anunciar;
o cristão não faz proselitismo. Os Atos dos Apóstolos narram-nos este movimento
missionário: o mesmo dá-nos uma imagem muito bela da Igreja «em saída» para
cumprir a sua vocação de testemunhar Cristo Senhor, orientada pela Providência
divina através das circunstâncias concretas da vida. Com efeito, os primeiros
cristãos foram perseguidos em Jerusalém e, por isso, dispersaram-se pela Judeia e
a Samaria, testemunhando Cristo por toda a parte (cf. At 8, 1.4).
Algo semelhante acontece ainda no nosso tempo. Por causa de perseguições
religiosas e situações de guerra e violência, muitos cristãos veem-se constrangidos
a fugir da sua terra para outros países. Estamos agradecidos a estes irmãos e irmãs
que não se fecham na tribulação, mas testemunham Cristo e o amor de Deus nos
países que os acolhem. A isto mesmo os exortava São Paulo VI, ao considerar a
«responsabilidade que se origina para os migrantes nos países que os recebem»
(Evangelii nuntiandi, 21). Com efeito, experimentamos cada vez mais como a
presença dos fiéis de várias nacionalidades enriquece o rosto das paróquias,
tornando-as mais universais, mais católicas. Consequentemente, o cuidado pastoral
dos migrantes é uma atividade missionária que não deve ser descurada, pois
poderá ajudar também os fiéis locais a redescobrir a alegria da fé cristã que
receberam.
A indicação «até aos confins do mundo» deverá interpelar os discípulos de Jesus de
cada tempo, impelindo-os sempre a ir mais além dos lugares habituais para levar o
testemunho d’Ele. Hoje, apesar de todas as facilidades resultantes dos progressos
modernos, ainda existem áreas geográficas aonde não chegaram os missionários
testemunhas de Cristo com a Boa Nova do seu amor. Por outro lado, não existe
qualquer realidade humana que seja alheia à atenção dos discípulos de Cristo, na
sua missão. A Igreja de Cristo sempre esteve, está e estará «em saída» rumo aos
novos horizontes geográficos, sociais, existenciais, rumo aos lugares e situações
humanos «de confim», para dar testemunho de Cristo e do seu amor a todos os
homens e mulheres de cada povo, cultura, estado social. Neste sentido, a missão
será sempre também missio ad gentes, como nos ensinou o Concílio Vaticano II
(veja-se, por exemplo, o Decreto Ad Gentes, sobre a atividade missionária da
Igreja, 07/XII/1965), porque a Igreja terá sempre de ir mais longe, mais além das
próprias fronteiras, para testemunhar a todos o amor de Cristo. A propósito, quero
lembrar e agradecer aos inúmeros missionários que gastaram a vida para «ir mais
além», encarnando a caridade de Cristo por tantos irmãos e irmãs que
encontraram.
3. «Recebereis a força do Espírito Santo – Deixar-se sempre fortalecer e guiar pelo
Espírito
Ao anunciar aos discípulos a missão de serem suas testemunhas, Cristo
ressuscitado prometeu também a graça para uma tão grande responsabilidade:
«Recebereis a força do Espírito Santo e sereis minhas testemunhas» (At 1, 8). Com
efeito, segundo a narração dos Atos, foi precisamente a seguir à descida do Espírito
Santo sobre os discípulos de Jesus que teve lugar a primeira ação de testemunhar
Cristo, morto e ressuscitado, com um anúncio querigmático: o chamado discurso
missionário de São Pedro aos habitantes de Jerusalém. Assim começa a era da
evangelização do mundo por parte dos discípulos de Jesus, que antes apareciam
fracos, medrosos, fechados. O Espírito Santo fortaleceu-os, deu-lhes coragem e
sabedoria para testemunhar Cristo diante de todos.
Como «ninguém pode dizer: “Jesus é Senhor” senão pelo Espírito Santo» (1 Cor 12,
3), também nenhum cristão poderá dar testemunho pleno e genuíno de Cristo
Senhor sem a inspiração e a ajuda do Espírito. Por isso cada discípulo missionário
de Cristo é chamado a reconhecer a importância fundamental da ação do Espírito, a
viver com Ele no dia a dia e a receber constantemente força e inspiração d’Ele.
Mais, precisamente quando nos sentirmos cansados, desmotivados, perdidos,
lembremo-nos de recorrer ao Espírito Santo na oração (esta – permiti-me
destacá-lo mais uma vez – tem um papel fundamental na vida missionária), para
nos deixarmos restaurar e fortalecer por Ele, fonte divina inesgotável de novas
energias e da alegria de partilhar com os outros a vida de Cristo. «Receber a alegria
do Espírito é uma graça; e é a única força que podemos ter para pregar o
Evangelho, confessar a fé no Senhor» (Francisco, Mensagem às Pontifícias Obras
Missionárias, 21/V/2020). Assim, o Espírito é o verdadeiro protagonista da missão:
é Ele que dá a palavra certa no momento justo e sob a devida forma.
É à luz da ação do Espírito Santo que queremos ler também os aniversários
missionários deste 2022. A instituição da Sacra Congregação de Propaganda Fide,
em 1622, foi motivada pelo desejo de promover o mandato missionário nos novos
territórios. Uma intuição providencial! A Congregação revelou-se crucial para tornar
a missão evangelizadora da Igreja verdadeiramente tal, isto é, independente das
ingerências dos poderes do mundo, a fim de constituir aquelas Igrejas locais que
hoje mostram tanto vigor. Esperamos que, à semelhança dos últimos quatro
séculos, a Congregação, com a luz e a força do Espírito, continue e intensifique o
seu trabalho de coordenar, organizar e animar as atividades missionárias da Igreja.
O mesmo Espírito, que guia a Igreja universal, inspira também homens e mulheres
simples para missões extraordinárias. E foi assim que uma jovem francesa, Pauline
Jaricot, há exatamente 200 anos fundou a Associação para a Propagação da Fé;
celebra-se a sua beatificação neste ano jubilar. Embora em condições precárias, ela
acolheu a inspiração de Deus para pôr em movimento uma rede de oração e coleta
para os missionários, de modo que os fiéis pudessem participar ativamente na
missão «até aos confins do mundo». Desta ideia genial, nasceu o Dia Mundial das
Missões, que celebramos todos os anos, e cuja coleta em todas as comunidades se
destina ao Fundo universal com que o Papa sustenta a atividade missionária.
Neste contexto, recordo também o Bispo francês Charles de Forbin-Janson, que
iniciou a Obra da Santa Infância para promover a missão entre as crianças sob o
lema «As crianças evangelizam as crianças, as crianças rezam pelas crianças, as
crianças ajudam as crianças de todo o mundo»; e lembro ainda a senhora Jeanne
Bigard, que deu vida à Obra de São Pedro Apóstolo, para apoio dos seminaristas e
sacerdotes em terras de missão. Estas três obras missionárias foram reconhecidas
como «pontifícias», precisamente há cem anos. E foi também sob a inspiração e
guia do Espírito Santo que o Beato Paolo Manna, nascido há 150 anos, fundou a
atual Pontifícia União Missionária a fim de sensibilizar e animar para a missão os
sacerdotes, os religiosos e as religiosas e todo o povo de Deus. Desta última Obra,
fez parte o próprio Paulo VI, que lhe confirmou o reconhecimento pontifício.
Menciono estas quatro Obras Missionárias Pontifícias pelos seus grandes méritos
históricos e também para vos convidar a alegrar-vos com elas, neste ano especial,
pelas atividades desenvolvidas em apoio da missão evangelizadora na Igreja
universal e nas Igrejas locais. Espero que as Igrejas locais possam encontrar nestas
Obras um instrumento seguro para alimentar o espírito missionário no Povo de
Deus.
Queridos irmãos e irmãs, continuo a sonhar com uma Igreja toda missionária e
uma nova estação da ação missionária das comunidades cristãs. E repito o desejo
de Moisés para o povo de Deus em caminho: «Quem dera que todo o povo do
Senhor profetizasse» (Nm 11, 29). Sim, oxalá todos nós sejamos na Igreja o que já
somos em virtude do Batismo: profetas, testemunhas, missionários do Senhor!
Com a força do Espírito Santo e até aos extremos confins da terra. Maria, Rainha
das Missões, rogai por nós!
Roma, São João de Latrão, na Solenidade da Epifania do Senhor, 6 de janeiro de
2022.

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SOLENIDADE DE MARIA SANTÍSSIMA MÃE DE DEUS 55º DIA MUNDIAL DA PAZ PAPA FRANCISCO ANGELUS

Depois do Angelus:
Amados irmãos e irmãs!
[…] Vamos para casa a pensar: paz, paz, paz! Precisamos de paz. Hoje estava a
ver as imagens no programa de televisão “A sua imagine”, sobre a guerra, os
deslocados, a miséria… E isto está a acontecer no mundo de hoje. Queremos paz!
[…]

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PAPA FRANCISCO AUDIÊNCIA GERAL

Catequese sobre São José: 5. São José, migrante perseguido e corajoso
Estimados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje gostaria de vos apresentar São José como um migrante perseguido e
corajoso. Assim o descreve o Evangelista Mateus. Esta particular vicissitude da
vida de Jesus, que vê como protagonistas também José e Maria, é
tradicionalmente conhecida como “a fuga para o Egito” (cf. Mt 2, 13-23). A
família de Nazaré sofreu tal humilhação e experimentou em primeira pessoa a
precariedade, o medo e a dor de ter que deixar a sua terra. Ainda hoje muitos
dos nossos irmãos e irmãs são obrigados a viver a mesma injustiça e sofrimento.
A causa é quase sempre a prepotência e a violência dos poderosos. Isto
aconteceu também com Jesus.
Através dos Magos, o rei Herodes toma conhecimento do nascimento do “rei dos
Judeus”, e a notícia perturba-o. Sente-se inseguro, sente-se ameaçado no seu
poder. Assim reúne todas as autoridades de Jerusalém para se informar sobre o
lugar do nascimento, e pede aos Magos para lho comunicarem com exatidão, a
fim de que – diz falsamente – também ele possa ir adorá-lo. No entanto,
compreendendo que os Magos tinham partido por outro caminho, concebeu um
propósito nefasto: matar todas as crianças de Belém até aos dois anos, pois de
acordo com o cálculo dos Magos, tal era a época em que Jesus tinha nascido.
Entretanto, um anjo ordena a José: « Levanta-te, toma o Menino e Sua Mãe,
foge para o Egito e fica lá até que eu te avise, pois Herodes procurará o Menino
para O matar» (Mt 2, 13). Pensemos em tantas pessoas que hoje sentem esta
inspiração dentro: “Fujamos, escapemos, porque aqui é perigoso”. O plano de
Herodes evoca o do Faraó, de lançar ao Nilo todos os meninos do povo de Israel
(cf. Êx 1, 22). E a fuga para o Egito recorda toda a história de Israel, a partir de
Abraão, que também viveu ali (cf. Gn 12, 10), até José, filho de Jacob, vendido
pelos irmãos (cf. Gn 37, 36), tornando-se depois “chefe do país” (cf. Gn 41,
37-57); e a Moisés, que libertou o seu povo da escravidão dos egípcios (cf. Êx 1,
18).
A fuga da Sagrada Família para o Egito salva Jesus, mas infelizmente não
impede que Herodes leve a cabo o seu massacre. Assim, encontramo-nos diante
de duas personalidades opostas: por um lado, Herodes com a sua ferocidade e,
por outro, José com o seu esmero e a sua coragem. Herodes quer defender o
seu poder, a sua “pele” com uma crueldade impiedosa, como atestam também
as execuções de uma das suas esposas, de alguns dos seus filhos e de centenas
de adversários. Era um homem cruel, para resolver os problemas só tinha uma
receita: “eliminar”. Ele é o símbolo de muitos tiranos de ontem e de hoje. E para
eles, para estes tiranos, as pessoas não contam: conta o poder, e quando
precisam de espaço de poder, eliminam as pessoas. E isto acontece ainda hoje:
não temos que ir à história antiga, acontece hoje. É o homem que se torna
“lobo” para os outros homens. A história está cheia de personalidades que,
vivendo à mercê dos seus temores, procuram vencê-los, exercendo o poder de
forma despótica e praticando gestos de violência desumanos. Mas não devemos
pensar que só viveremos na perspetiva de Herodes se nos tornarmos tiranos,
não! Na realidade, é uma atitude em que todos nós podemos cair, sempre que
procuramos afugentar os nossos medos com a prepotência, ainda que seja
apenas verbal ou feita de pequenos abusos cometidos para mortificar quem está
ao nosso lado. Também nós temos no coração a possibilidade de ser pequenos
Herodes.
José é o oposto de Herodes: em primeiro lugar, é «um homem justo» (Mt 1, 19),
enquanto Herodes é um ditador; além disso, demonstra-se corajoso ao cumprir
a ordem do Anjo. Podemos imaginar as peripécias que teve de enfrentar durante
a longa e perigosa viagem, e as dificuldades que enfrentou durante a
permanência num país estrangeiro, com outra língua: inúmeras dificuldades! A
sua coragem sobressai também na hora do regresso quando, tranquilizado pelo
Anjo, supera os seus compreensíveis receios, estabelecendo-se com Maria e
Jesus em Nazaré (cf. Mt 2, 19-23). Herodes e José são dois personagens
opostos, que refletem as duas faces da humanidade de sempre. É um
lugar-comum errado considerar a coragem como virtude exclusiva do herói. Na
realidade, a vida quotidiana de cada pessoa – a tua, a minha, de todos nós –
exige coragem: não é possível viver sem a coragem! A coragem para enfrentar
as dificuldades de cada dia. Em todos os tempos e culturas encontramos homens
e mulheres corajosos que, para ser coerentes com a sua crença, superaram toda
a espécie de dificuldades, suportando injustiças, condenações e até a morte.
Coragem é sinónimo de fortaleza que, com a justiça, a prudência e a
temperança, faz parte do grupo de virtudes humanas chamadas “cardeais”.
A lição que José nos deixa hoje é a seguinte: é verdade, a vida apresenta-nos
sempre adversidades, perante as quais podemos sentir-nos também ameaçados,
amedrontados, mas não é mostrando o pior de nós, como faz Herodes, que
podemos superar certos momentos, mas agindo como José, que reage ao medo
com a coragem da confiança na Providência de Deus. Hoje acho que é necessária
uma oração por todos os migrantes, por todos os perseguidos, por todos aqueles
que são vítimas de circunstâncias adversas: quer sejam circunstâncias políticas,
históricas ou pessoais. Mas, pensemos em tantas pessoas vítimas das guerras
que querem fugir da sua pátria e não conseguem; pensemos nos migrantes que
empreendem este caminho para ser livres e muitos morrem ao longo da estrada
ou no mar; pensemos em Jesus nos braços de José e Maria, em fuga, e vejamos
n’Ele cada um dos migrantes de hoje. A migração de hoje é uma realidade diante
da qual não podemos fechar os olhos. É um escândalo social da humanidade!
São José,
vós que experimentastes o sofrimento de quem deve fugir
vós que fostes obrigado a fugir
para salvar a vida dos entes mais queridos,
amparai todos aqueles que fogem por causa da guerra,
do ódio e da fome.
Ajudai-os nas suas dificuldades,
fortalecei-os na esperança e fazei com que encontrem acolhimento e
solidariedade.
Guiai os seus passos e abri o coração de quantos os podem ajudar. Amém!

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PAPA FRANCISCO AUDIÊNCIA GERAL

APELO
Durante a minha viagem a Chipre e à Grécia, pude experimentar mais uma vez a
humanidade ferida dos refugiados e migrantes. Constatei também que só alguns
países europeus estão a suportar a maior parte das consequências do fenómeno
migratório na zona mediterrânea, quando na realidade exige uma
responsabilidade partilhada por todos, da qual nenhum país se pode eximir,
porque é um problema de humanidade.
Em particular, graças à generosa abertura das autoridades italianas, pude trazer
para Roma um grupo de pessoas que conheci durante a minha viagem: hoje,
alguns estão aqui entre nós. Bem-vindos! Ocupar-nos-emos deles, como Igreja,
nos próximos meses. É um pequeno sinal, espero que sirva de estímulo para os
outros países europeus, de modo a permitir que as realidades eclesiais locais se
encarreguem de outros irmãos e irmãs que precisam urgentemente de ser
recolocados, acompanhados, promovidos e integrados.
De facto, são muitas as Igrejas locais, as congregações religiosas e as
organizações católicas que estão prontas para os acolher e acompanhar para
uma fecunda integração. Serve apenas abrir uma porta, a porta do coração! Não
deixemos de o fazer neste Natal!

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MENSAGEM EM VÍDEO DO PAPA FRANCISCO NA INAUGURAÇÃO DO ANO ACADÊMICO DA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO SAGRADO CORAÇÃO, EM MILÃO, NO CENTENÁRIO DA FUNDAÇÃO

[…] Nesta perspetiva, promovi um Pacto educativo global
1 para sensibilizar
todos para as grandes questões de significado do nosso tempo, a começar por
aquelas das novas gerações face às injustiças sociais, violações de direitos e
migração forçada. A universidade não pode permanecer surda a estas denúncias.
Estou satisfeito por terdes aceite este convite a uma renovada temporada de
compromisso educacional. Os vossos projetos de cooperação internacional,
destinados aos vários povos do planeta, as muitas ajudas financeiras que
concedeis todos os anos aos estudantes necessitados, a vossa atenção aos mais
desfavorecidos e aos doentes, são prova de um compromisso concreto.
Encorajo-vos a continuar por este caminho! […]

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APRESENTAÇÃO DAS CARTAS CREDENCIAIS DOS EMBAIXADORES DA MOLDÁVIA, QUISGUISTÃO, NAMÍBIA, LESOTO, LUXEMBRUGO, CHADE E GUINÉ-BISSAU DISCURSO DO PAPA FRANCISCO

[…] A realidade da pandemia em curso recorda-nos mais uma vez que somos
«uma comunidade global onde os problemas de uma pessoa são os problemas
de todos» (cf. Carta Encíclica Fratelli tutti, 32). Apesar dos progressos médicos e
tecnológicos ao longo dos anos, algo de microscópico — um objeto
aparentemente insignificante — mudou para sempre o nosso mundo, quer nos
demos conta quer não. Como observei no início da pandemia, é urgente que
aprendamos com esta experiência e abramos os olhos para ver o que é mais
importante: uns com os outros (cf. Momento extraordinário de oração, 27 de
março de 2020). Em particular, é minha sincera esperança que através desta
experiência a comunidade internacional chegue a uma maior consciência do
facto de sermos uma família humana; cada um de nós é responsável pelos
próprios irmãos e irmãs, sem excluir ninguém. Esta é uma verdade que nos deve
impelir a enfrentar não só a atual crise sanitária, mas todos os problemas que
afligem a humanidade e a nossa casa comum — pobreza, migração, terrorismo,
alterações climáticas, para citar alguns — de modo solidário e não isolado. […]

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PAPA FRANCISCO ANGELUS

Depois do Angelus:
Amados irmãos e irmãs!
[…] Também apresento os meus melhores votos à Caritas Internationalis, que
completa 70 anos. É uma criança! Precisa de crescer e tornar-se mais forte! A
Cáritas em todo o mundo é a mão amorosa da Igreja para os pobres e os mais
vulneráveis, nos quais Cristo está presente. Convido-vos a continuar o vosso
serviço com humildade e criatividade, para alcançar os mais marginalizados e a
promover o desenvolvimento integral como antídoto para a cultura do descarte e
da indiferença. Em particular, encorajo a vossa campanha global Together We,
baseada na força das comunidades na promoção de cuidados pela criação e
pelos pobres. As feridas infligidas na nossa casa comum têm consequências
dramáticas sobre os últimos, mas as comunidades podem contribuir para a
necessária conversão ecológica. Por isso convido a aderir à campanha da Caritas
Internationalis! E vós, caros amigos da Caritas Internationalis, continuai o vosso
trabalho de racionalização da organização, para que o dinheiro não vá para a
organização, mas para os pobres. Racionalizai bem esta organização. […]

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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO AOS MEMBROS DA UNIÃO DOS JURISTAS CATÓLICOS ITALIANOS

[…] Os juristas católicos nunca antes foram tão chamados como nestes dias e
tempos a afirmar e proteger os direitos dos mais débeis, dentro de um sistema
económico e social que finge incluir a diversidade, mas que, de facto, exclui
sistematicamente aqueles que não têm voz. Os direitos dos trabalhadores, dos
migrantes, dos doentes, dos nascituros, dos moribundos e dos mais pobres são
cada vez mais negligenciados ou negados nesta cultura do descarte. Quantos
não têm capacidade de gastar e consumir parece que não valem nada. Mas
negar direitos fundamentais, negar o direito a uma vida digna, a cuidados
físicos, psicológicos e espirituais, a um salário justo, é negar a dignidade
humana. Vemos precisamente isto: quantos trabalhadores são — desculpem a
palavra — “usados” para colher frutas ou vegetais, e depois pagos
miseravelmente e expulsos, sem qualquer proteção social. […]