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VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO AO CANADÁ (24-30 DE JULHO DE 2022) ENCONTRO COM AS AUTORIDADES CIVIS, COM OS REPRESENTANTES DAS POPULAÇÕES INDÍGENAS E COM O CORPO DIPLOMÁTICO DISCURSO DO SANTO PADRE

[…] A Santa Sé e as comunidades católicas locais nutrem o desejo concreto de
promover as culturas indígenas, com caminhos espirituais específicos e adequados,
que incluam também a atenção às tradições culturais, costumes, línguas e
processos educativos próprios, no espírito da Declaração das Nações Unidas sobre
os Direitos dos Povos Indígenas. É nosso desejo renovar a relação entre a Igreja e
as populações indígenas do Canadá, uma relação marcada quer por um amor que
deu excelentes frutos, quer – infelizmente – por feridas que nos estamos
esforçando por compreender e sanar. Estou muito grato por ter encontrado e ouvido
vários representantes das populações indígenas nos meses passados em Roma, e
poder reforçar aqui, no Canadá, as boas relações estabelecidas com eles. Os
momentos que vivemos juntos deixaram marcas em mim, nomeadamente o firme
desejo de dar seguimento à indignação e à vergonha pelos sofrimentos suportados
pelos indígenas, levando por diante um caminho fraterno e paciente com todos os
canadianos segundo a verdade e a justiça, trabalhando pela cura e a reconciliação,
sempre animados pela esperança.
Aquela «história de sofrimento e desprezo», originada por uma mentalidade
colonizadora, «não se cura facilmente». Ao mesmo tempo alerta-nos para o facto
de que «a colonização não para; embora em muitos lugares se transforme, disfarce
e dissimule» (Francisco, Exort. ap. Querida Amazonia, 16). É o caso das
colonizações ideológicas. Se outrora a mentalidade colonialista transcurou a vida
concreta das pessoas, impondo modelos culturais pré-estabelecidos, também hoje
não faltam colonizações ideológicas que afrontam a realidade da existência,
sufocam o apego natural aos valores dos povos, tentando desenraizar as suas
tradições, a história e os laços religiosos. Trata-se duma mentalidade que, com a
presunção de ter superado «as páginas negras da história», abre espaço à cultura
do cancelamento que avalia o passado com base apenas em certas categorias
atuais. Assim estabelece-se uma moda cultural que uniformiza, torna tudo igual,
não tolera diferenças e concentra-se apenas no momento presente, nas
necessidades e direitos dos indivíduos, negligenciando muitas vezes os deveres
para com os mais débeis e frágeis: pobres, migrantes, idosos, doentes, nascituros…
São eles os esquecidos nas sociedades do bem-estar; são eles que, na indiferença
geral, acabam descartados como folhas secas para queimar.
A ramagem frondosa e multicolorida das aceráceas lembra-nos, ao contrário, a
importância do conjunto, de construir comunidades humanas não uniformizadas,
mas realmente abertas e inclusivas. E como cada folha é fundamental para
enriquecer a ramagem, assim também cada família, célula essencial da sociedade,
há de ser valorizada, porque «o futuro da humanidade passa pela família» (S. João
Paulo II, Exort. ap. Familiaris consortio, 86). É a primeira realidade social concreta,
mas está ameaçada por muitos fatores: violência doméstica, frenesi do trabalho,
mentalidade individualista, carreirismo desenfreado, desemprego, solidão dos
jovens, abandono dos idosos e dos enfermos… As populações indígenas têm tanto
para nos ensinar sobre a guarda e a tutela da família, onde se aprende, já desde
criança, a reconhecer o que está certo e o que é errado, dizer a verdade, partilhar,
corrigir os erros, recomeçar, animar-se, reconciliar-se. Que o mal sofrido pelos
povos indígenas, do qual agora nos envergonhamos, nos sirva hoje de alerta, para
que o cuidado e os direitos da família não sejam postos de lado em nome de
eventuais exigências produtivas e interesses individuais.
Voltemos à folha de acerácea. Nos tempos de guerra, os soldados usavam-nas
como ligaduras e medicamentos para as feridas. Hoje, face à loucura insensata da
guerra, precisamos novamente de lenir os extremismos da contraposição e curar as
feridas do ódio. Uma testemunha de trágicas violências do passado disse,
recentemente, que «a paz tem um seu segredo: nunca odiar ninguém. Se se quer
viver, não se deve jamais odiar» («Entrevista a E. Bruck»: Avvenire, 8 de março de
2022). Não precisamos de dividir o mundo em amigos e inimigos, manter as
distâncias e voltar a armar-nos até aos dentes: não serão as corridas aos
armamentos e as estratégias de dissuasão que trarão paz e segurança. Não há
necessidade de perguntar-se como continuar as guerras, mas como pará-las. Há
necessidade de impedir que os povos voltem a ser reféns da trituração de
espaventosas guerras frias que ainda se alargam. Há necessidade de políticas
criativas e clarividentes, que saibam sair dos esquemas de parte para dar resposta
aos desafios globais.
De facto, os grandes desafios de hoje, como a paz, as alterações climáticas, os
efeitos da pandemia e as migrações internacionais têm em comum uma constante:
são globais, são desafios globais, afetam a todos. E se todos eles falam da
necessidade do conjunto, a política não pode ficar prisioneira dos interesses de
parte. É preciso saber olhar – como ensina a sabedoria indígena – para as sete
gerações futuras, e não para as conveniências imediatas, os prazos eleitorais, o
apoio dos lóbis. É preciso também valorizar os desejos de fraternidade, justiça e
paz das jovens gerações. De facto, tal como é necessário, para recuperar memória
e sabedoria, escutar os idosos, assim também, para haver ímpeto e futuro, é
preciso abraçar os sonhos dos jovens. Estes merecem um futuro melhor do que
aquele que estamos a preparar-lhes, merecem ser envolvidos nas opções para a
construção do hoje e do amanhã, particularmente para a salvaguarda da casa
comum, para a qual são preciosos os valores e ensinamentos das populações
indígenas. A propósito quero manifestar apreço pelo louvável empenho local a favor
do meio-ambiente. Poder-se-ia quase dizer que os emblemas tirados da natureza,
como o lírio na bandeira desta província do Québec e a folha de acerácea na do
país, confirmam a vocação ecológica do Canadá.
Quando a Comissão instituída para o efeito se encontrou a avaliar os milhares de
esboços recebidos para a realização da bandeira nacional, muitos dos quais
enviados por pessoas comuns, ficou surpreendida por conterem quase todos
precisamente a folha de acerácea. A participação em torno deste símbolo
compartilhado sugere-me sublinhar uma palavra fundamental para os canadianos:
multiculturalismo. Este está na base da coesão duma sociedade tão complexa como
variadamente colorida são as ramagens frondosas das aceráceas. A própria folha da
acerácea, com a sua multiplicidade de pontas e de lados, faz pensar numa figura
poliédrica e diz que vós sois um povo capaz de incluir, de modo que aqueles que
chegam podem encontrar lugar nesta unidade multiforme e oferecer-lhe a sua
contribuição original (cf. Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 236). O
multiculturalismo é um desafio permanente: é acolher e abraçar os diferentes
componentes presentes, respeitando ao mesmo tempo a diversidade das suas
tradições e culturas, sem pensar que o processo esteja concluído duma vez por
todas. Nesta linha, manifesto apreço pela generosidade em hospedar numerosos
migrantes ucranianos e afegãos. É preciso trabalhar também para superar a
retórica do medo a respeito dos imigrantes e dar-lhes, segundo a capacidade do
país, a possibilidade concreta de se envolverem responsavelmente na sociedade.
Para se conseguir isto, são indispensáveis os direitos e a democracia. Mas é preciso
fazer frente à mentalidade individualista, lembrando que a convivência funda-se em
pressupostos que o sistema político, sozinho, não pode gerar. Nisto é de grande
ajuda a cultura indígena, ao recordar a importância dos valores da sociabilidade. E
também a Igreja Católica, com a sua dimensão universal e a sua solicitude pelos
mais frágeis, com o legítimo serviço em favor da vida humana em cada uma das
suas fases, desde a conceção até à morte natural, é feliz por oferecer a própria
contribuição.
Nestes dias, ouvi falar de numerosas pessoas necessitadas que batem à porta das
paróquias. Mesmo num país tão desenvolvido e avançado como o Canadá, que
presta muita atenção à assistência social, não são poucos os sem-abrigo que
dependem das igrejas e dos bancos alimentares para receber ajudas e agasalhos
essenciais, que – nunca o esqueçamos – não são apenas materiais. Estes irmãos e
irmãs levam-nos a considerar a urgência de trabalharmos para pôr remédio à
radical injustiça que polui o nosso mundo, pelo que a abundância dos dons da
criação está repartida de forma muito desigual. É escandaloso que o bem-estar
gerado pelo progresso económico não beneficie todos os setores da sociedade. E é
triste ver que se registam, precisamente entre os nativos, muitos dos índices de
pobreza, a que se vêm juntar outros indicadores negativos, como a baixa
frequência escolar, o acesso não fácil à casa e à assistência sanitária. Que o
emblema da folha de acerácea, que costuma aparecer nos rótulos dos produtos do
país, seja um estímulo para todos realizarem escolhas económicas e sociais
tendentes à partilha e ao cuidado dos necessitados.
Trabalhando juntos, de comum acordo, é que se enfrentam os prementes desafios
de hoje. Agradeço-vos a hospitalidade, a solicitude e a estima, dizendo-vos com
sincero afeto que tenho verdadeiramente no coração o Canadá e o seu povo.

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MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO AOS PARTICIPANTES NA CONFERÊNCIA EUROPEIA DA JUVENTUDE

[…] De entre as várias propostas do Pacto Educativo Global, recordo duas que vi
referidas também na vossa Conferência.
A primeira é «abrir-se ao acolhimento», ou seja, o valor da inclusão: não vos
deixeis arrastar por ideologias míopes que pretendem mostrar-vos o outro, o
diverso como um inimigo. O outro é uma riqueza. A experiência de milhões de
estudantes europeus que aderiram ao «Projeto Erasmus» atesta que o encontro
entre indivíduos de povos diversos ajuda a abrir os olhos, a mente e o coração. É
bom ter «olhos grandes» para se abrir aos outros. Nenhuma discriminação contra
ninguém, por nenhuma razão. Sejamos solidários com todos; não só com quem se
parece comigo ou mostra uma imagem de sucesso, mas também com aqueles que
sofrem, independentemente da sua nacionalidade e condição social. Não
esqueçamos que, no passado, milhões de europeus tiveram de emigrar para outros
continentes em busca de um futuro. Também eu sou filho de italianos que
emigraram para a Argentina.
O objetivo principal do Pacto Educativo é educar a todos para uma vida mais
fraterna, baseada, não na competitividade, mas na solidariedade. Que a vossa
maior aspiração, queridos jovens, não seja a de entrar nos ambientes formativos de
elite, aonde pode aceder apenas quem tem muito dinheiro. Frequentemente tais
instituições têm interesse em manter o estado em que as coisa se encontram, em
formar pessoas que garantam o funcionamento do sistema assim como está. Ao
contrário, há que apreciar as realidades que unem a qualidade formativa com o
serviço ao próximo, sabendo que a finalidade da educação é o crescimento da
pessoa orientada para o bem comum. Serão estas experiências solidárias que hão
de mudar o mundo; não as experiências «exclusivas» (e de exclusão) das escolas
de elite. Excelência sim, mas para todos! Não apenas para alguns…
Proponho-vos a leitura da Encíclica Fratelli tutti (3 de outubro de 2020) e o
Documento sobre a Fraternidade Humana (4 de fevereiro de 2019) que assinei em
conjunto com o Grande Imã de Al-Azhar. Sei que muitas universidades e escolas
muçulmanas estão a aprofundar, com interesse, estes textos e espero que possam
entusiasmar-vos também a vós. Educação, pois, não só para «se conhecer a si
próprio», mas também para conhecer o outro. […]

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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO À DELEGAÇÃO DO PATRIARCADO ECUMÊNICO DE CONSTANTINOPLA

[…] Igrejas irmãs, povos irmãos: a reconciliação entre cristãos separados, como
contribuição para a pacificação de povos em conflito, é hoje como nunca atual,
enquanto o mundo está arrasado por uma agressão bélica cruel e insensata, na
qual muitos cristãos lutam entre si. Mas perante o escândalo da guerra, em
primeiro lugar, não é preciso fazer considerações: há que chorar, socorrer e
converter-se. Há que chorar as vítimas e o demasiado sangue derramado, a morte
de tantos inocentes, os traumas de famílias, cidades, de um povo inteiro: quanto
sofrimento naqueles que perderam os afetos mais queridos e são obrigados a
abandonar a sua casa e pátria! Depois é preciso socorrer estes irmãos e irmãs: é
uma exortação à caridade que, como cristãos, somos obrigados a exercer em
relação a Jesus migrante, pobre e ferido. Mas há também que se converter para
compreender que as conquistas armadas, expansionismos e imperialismos nada
têm a ver com o Reino que Jesus anunciou, com o Senhor da Páscoa que no
Getsémani pediu aos discípulos que renunciassem à violência, que voltassem a
colocar a espada no seu lugar, «pois todos aqueles que usarem a espada, pela
espada morrerão» (Mt 26, 52); e, eliminando todas as objeções, disse: «Basta!»
(Lc 22, 51). […]

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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO AOS PARTICIPANTES NA ASSEMBLEIA PLENÁRIA DA REUNIÃO DADS OBRAS PARA A AJUDA ÀS IGREJAS ORIENTAIS (R.O.A.C.O.)

[…] Por favor, continuai a manter diante dos olhos o ícone do Bom Samaritano:
fizeste-lo e sei que o continuareis a fazer também devido ao drama causado pelo
conflito que de Tigray voltou a ferir a Etiópia e em parte a vizinha Eritreia, e
sobretudo a amada e martirizada Ucrânia. Lá, voltaram ao drama de Caim e Abel;
foi desencadeada uma violência que destrói a vida, uma violência luciferina e
diabólica, à qual nós crentes somos chamados a reagir com a força da oração, com
a ajuda concreta da caridade, com todos os meios cristãos, para que as armas
deixem lugar às negociações. Gostaria de vos agradecer por ajudar a levar a carícia
da Igreja e do Papa à Ucrânia e aos países onde os refugiados foram recebidos. Na
fé sabemos que as alturas da soberba e da idolatria humanas serão abaixadas, e
superados os vales da desolação e das lágrimas, mas também gostaríamos de ver
rapidamente cumprida a profecia de paz de Isaías: que um povo já não levante a
mão contra outro povo, que as espadas se tornem arados e as lanças, foices (cf. Is
2, 4). Ao contrário, tudo parece ir na direção oposta: os alimentos diminuem e o
fragor das armas aumenta. É o padrão cainita que rege a história de hoje! Por
conseguinte, não deixemos de rezar, jejuar, socorrer e trabalhar a fim de que os
caminhos da paz encontrem espaço na selva dos conflitos. […]

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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO AOS MEMBROS DO SÍNODO DA IGREJA GRECO-MELQUITA

[…] Os dramas dos últimos meses, que tristemente nos obrigam a dirigir o olhar
para o leste da Europa, não devem fazer-nos esquecer o que há doze anos acontece
na vossa terra. Lembro-me, no primeiro ano do meu pontificado, quando se
preparava um bombardeamento sobre a Síria, que convocamos uma noite de
oração, aqui em São Pedro, também com o Santíssimo Sacramento e a praça cheia,
que rezava. Havia inclusive alguns muçulmanos, que tinham trazido o seu tapete e
rezavam connosco. E ali nasceu a expressão: “Amada e martirizada Síria”. Milhares
de mortos e feridos, milhões de refugiados no país e no estrangeiro, a
impossibilidade de iniciar a necessária reconstrução. Em mais de uma ocasião,
encontrei-me e ouvi a história de alguns jovens sírios que chegaram aqui, e fiquei
impressionado com o drama que carregavam dentro de si, pelo que tinham vivido e
visto, mas também pelo seu olhar, quase sem esperança, incapaz de sonhar com
um futuro para a sua terra. Não podemos permitir que se tire até a última centelha
de esperança dos olhos e dos corações dos jovens e das famílias! E assim renovo o
meu apelo a quantos têm responsabilidades, no país e na Comunidade
internacional, para que se possa alcançar uma solução equitativa e justa para o
drama da Síria. […]

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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO AOS BISPOS E SACERDOTES DAS IGREJAS DA SICÍLIA

[…] A Sicília não está fora desta mudança; pelo contrário, como aconteceu no
passado, está no centro dos percursos históricos que os povos continentais traçam.
Acolheu frequentemente a passagem destes povos, ora dominadores ora migrantes,
e ao acolhê-los integrou-os no seu tecido, desenvolvendo a própria cultura.
Lembro-me quando, há cerca de 40 anos, me mostraram um filme sobre a Sicília:
chamava-se “Kaos”. Eram quatro contos de Pirandello, o grande siciliano. Fiquei
maravilhado com aquela beleza, aquela cultura, aquela “insularidade continental”,
digamos… Mas isto não significa que seja uma ilha feliz, porque a condição de
insularidade atinge profundamente a sociedade siciliana, acabando por realçar as
contradições que carregamos dentro de nós. Como resultado, na Sicília
testemunhamos comportamentos e gestos marcados por grandes virtudes, bem
como por abomináveis crueldades. Do mesmo modo, ao lado de obras-primas de
extraordinária beleza artística, vemos cenas de negligência mortificante. E
igualmente, face a homens e mulheres de grande cultura, muitas crianças e jovens
abandonam a escola, permanecendo isolados de uma vida humana digna. O dia a
dia siciliano assume tons fortes, como as cores intensas do céu e das flores, dos
campos e do mar, brilhando com a força da luminosidade solar. Não é por acaso que
tanto sangue tenha sido derramado pelas mãos dos violentos, mas também pela
resistência humilde e heroica dos santos e dos justos, servos da Igreja e do Estado.
A atual situação social na Sicília está em clara regressão há anos; um sinal claro é
o despovoamento da Ilha, devido tanto à queda da taxa de natalidade — o inverno
demográfico que todos vivemos — como à emigração maciça de jovens. A
desconfiança nas instituições atinge níveis elevados e a disfunção dos serviços
sobrecarregam o desempenho das tarefas diárias, apesar dos esforços de pessoas
boas e honestas que gostariam de se comprometer e mudar o sistema. É
necessário compreender como e em que direção a Sicília experimenta a mudança
de época e que caminhos poderia empreender, a fim de proclamar, nas fraturas e
articulações desta mudança, o Evangelho de Cristo. […]

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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO À DELEGAÇÃO DA GLOBAL SOLIDARITY FUND

Querido irmão Cardeal Tomasi,
queridos amigos!
Estou feliz por me encontrar novamente convosco e por ver que o vosso caminho
progride.
O vosso nome, Global Solidarity Fund, está centrado numa palavra-chave:
solidariedade . É um dos valores fulcrais da doutrina social da Igreja. Mas para se
tornar concreto, deve ser acompanhado de proximidade e compaixão pelo próximo,
pela pessoa marginalizada, pelo rosto do pobre, do migrante.
A composição do grupo com que hoje aqui representais o Global Solidarity Fund é
significativa: pertenceis a âmbitos muito diferentes, mas trabalhais em conjunto
para dar vida a uma economia mais inclusiva, para criar integração e trabalho para
os migrantes, em espírito de escuta e de encontro. Um percurso corajoso!
Agradeço-vos os dons que me trouxestes da parte dos migrantes que participam
nos vossos programas na Colômbia e na Etiópia. Abençoo cada um deles e abençoo
a vós e a vossa obra. Ide em frente neste compromisso de apoio aos migrantes e
às pessoas mais frágeis, pondo em comum os vossos talentos. E não vos esqueçais
de rezar por mim!

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MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO AOS PARTICIPANTES DO CONSELHO PLENÁRIO DA COMISSÃO INTERNACIONAL CATÓLICA PARA AS MIGRAÇÕES (CICM)

Queridos irmãos e irmãs
Tenho o prazer de dirigir a minha saudação a todos vós que participais no Conselho
Plenário da Comissão Católica Internacional para as Migrações.
Nestes dias, sois chamados a desempenhar três tarefas muito importantes: eleger a
nova direção da Comissão, aprovar os novos estatutos e determinar as linhas
operacionais para os próximos anos. Aproveito de bom grado esta ocasião para
salientar alguns pontos que, a meu ver, vos podem ajudar no vosso discernimento.
A Comissão foi fundada pelo Venerável Papa Pio xii , em 1951, para formar entre as
Conferências episcopais do mundo inteiro, uma rede que as pudesse assistir no seu
serviço pastoral aos migrantes e refugiados. A sua natureza e missão eclesial
distinguem-na de outras organizações ativas na sociedade civil e na Igreja. Com
efeito, a Comissão é expressão colegial da ação pastoral, no âmbito das migrações,
dos bispos que, em comunhão com o Papa, participam na sua «solicitude pela
Igreja universal num vínculo de paz, amor e unidade» (Lumen gentium, 22). Por
isso, na Constituição apostólica Praedicate Evangelium ela é mencionada e inserida
entre as competências do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano
Integral (cf. Art. 174 § 2), para que a sua natureza e missão sejam salvaguardadas
de acordo com os seus princípios originais. No Conselho Plenário, representais
oficialmente as Conferências episcopais que aderiram à Comissão. A sua vontade de
trabalhar em conjunto para acolher, proteger, promover e integrar os migrantes e
os refugiados é confirmada pela vossa presença.
A missão eclesial da Comissão realiza-se em duas direções: ad intra e ad extra .
Em primeiro lugar, ela é chamada a oferecer assistência qualificada às Conferências
episcopais e Dioceses, que devem enfrentar os numerosos e complexos desafios
migratórios da atualidade. Por conseguinte, está comprometida na promoção do
desenvolvimento e da atuação de projetos de pastoral migratória e da formação
especializada dos agentes pastorais no âmbito da migração, sempre ao serviço das
Igrejas particulares e de acordo com as próprias competências.
Ad extra, a Comissão é chamada a enfrentar os desafios globais e as emergências
migratórias com programas específicos, sempre em comunhão com as Igrejas
locais. Além disso, deve desempenhar atividades de advocacy como organização
da sociedade civil no âmbito internacional. A Comissão empenha a Igreja e trabalha
por uma sensibilização internacional mais vasta acerca dos temas migratórios, a fim
de favorecer o respeito pelos direitos humanos e a promoção da dignidade das
pessoas, segundo as orientações da doutrina social da Igreja.
Agradeço-vos de coração todo o trabalho que a Comissão realizou ao longo dos
últimos setenta anos. Muitas destas ações tiveram um impacto verdadeiramente
decisivo. Agradeço-vos, em particular, os vossos esforços para ajudar as Igrejas a
responder aos desafios ligados à deslocação maciça causada pelo conflito na
Ucrânia. Trata-se do maior movimento de refugiados que se verifica na Europa
desde a segunda guerra mundial.
Contudo, não podemos esquecer os milhões de requerentes de asilo, refugiados e
deslocados noutras partes do mundo, que têm a desesperada necessidade de ser
acolhidos, protegidos e amados. Como Igreja, queremos servir todos e trabalhar de
boa vontade pela construção de um futuro de paz. Tendes a oportunidade de
conferir um rosto à caridade laboriosa da Igreja em relação a eles!
Desejo um trabalho frutuoso a todos vós e asseguro-vos a minha recordação na
oração. E vós, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim.

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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO AOS MEMBROS DA FRATERNIDADE POLÍTICA CHEMIN NEUF

Queridos amigos
Estou feliz por vos receber, jovens membros da “Fraternidade política” de Chemin
Neuf . Quando nos encontrámos no ano passado, confiastes à minha oração a vossa
participação no evento Changemakers , em Budapeste. Lá tivestes momentos de
encontro, de formação, mas também de ação, junto das associações locais. O modo
como vivestes este evento parece-me uma boa implementação do verdadeiro
significado do que é a política, especialmente para os cristãos. A política é encontro,
reflexão, ação .
A política é, antes de tudo, a arte do encontro . Certamente, este encontro vive-se
acolhendo o outro e aceitando a sua diferença, num diálogo respeitador. Como
cristãos, todavia, há mais: dado que o Evangelho nos pede que amemos os nossos
inimigos (cf. Mt 5, 44), não posso contentar-me com um diálogo superficial e
formal, como as negociações muitas vezes hostis entre partidos políticos. Somos
chamados a viver o encontro político como um encontro fraterno, especialmente
com aqueles que estão menos de acordo connosco; e isto significa ver naquele com
quem dialogamos um verdadeiro irmão, um filho amado de Deus. Então, esta arte
do encontro começa com uma mudança de perspetiva sobre o outro, com aceitação
e respeito incondicionais pela sua pessoa. Se esta mudança de coração não se
verificar, a política corre o risco de se transformar num confronto frequentemente
violento para fazer triunfar as próprias ideias, numa busca de interesses
particulares em vez do bem comum, contra o princípio de que «a unidade prevalece
sobre o conflito» (cf. Evangelii gaudium , 226-230).
De uma perspetiva cristã, a política é também reflexão , ou seja, a formulação de
um projeto comum. Um político do século XVIII , Edmund Burke, explicou aos
eleitores de Bristol que não poderia limitar-se a defender interesses particulares,
mas ao contrário teria sido enviado, em nome de todos, para elaborar com os
outros membros do Parlamento uma visão para o bem de todo o país, para o bem
comum. Como cristãos, entendemos que a política se leva em frente não só com
encontros, mas com uma reflexão comum, em busca do bem geral, e não
simplesmente através do confronto de interesses contrastantes e muitas vezes
opostos. Em suma, «o todo é superior à parte» (cf. ibid ., 234-237). E a nossa
bússola para elaborar este projeto comum é o Evangelho, que traz ao mundo uma
visão profundamente positiva do homem amado por Deus.
Por fim, a política é também ação . Alegro-me que a vossa Fraternidade não se
contenta em ser um espaço de debate e intercâmbio, mas também vos conduz a
um compromisso concreto. Como cristãos, precisamos de comparar sempre as
nossas ideias com a profundidade da realidade, se não quisermos construir sobre
areia que, mais cedo ou mais tarde, acaba por ruir. Não esqueçamos que «a
realidade é mais importante do que a ideia» (cf. ibid ., 231-233). E por isso
encorajo o vosso compromisso a favor dos migrantes e da ecologia. Assim tomei
conhecimento de que alguns de vós escolhestes viver juntos num bairro operário
em Paris, para ouvir os pobres: eis uma forma cristã de fazer política! Não vos
esqueçais destas linhas, que a realidade é mais importante do que a ideia: não se
pode fazer política com ideologia. O todo é superior à parte, e a unidade é superior
ao conflito. Procurai sempre a unidade e não vos percais no conflito. […]

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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO AOS PARTICIPANTES NA PLENÁRIA DA PONTIFÍCIA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS

Estimadas Senhoras e Senhores!
Dou-vos as boas-vindas e desejo-vos bom trabalho nesta Sessão Plenária da
Pontifícia Academia das Ciências Sociais. E agradeço ao Prof. Zamagni as suas
amáveis e perspicazes palavras.
Focalizastes a vossa atenção na realidade da família. Aprecio esta escolha e
também a perspetiva a partir da qual a considerais, ou seja, como “bem relacional”.
Sabemos que as mudanças sociais modificam as condições de vida do matrimónio e
das famílias em todo o mundo. Além disso, o contexto atual de crise prolongada e
múltipla põe à dura prova os projetos de famílias estáveis e felizes. Podemos
responder a esta situação voltando a descobrir o valor da família como fonte e
origem da ordem social, como célula vital de uma sociedade fraterna, capaz de
cuidar da casa comum.
A família está quase sempre em primeiro lugar na escala de valores dos diferentes
povos, pois está inscrita na própria natureza da mulher e do homem. Neste sentido,
o matrimónio e a família não são instituições puramente humanas, apesar das
numerosas mudanças que sofreram ao longo dos séculos e das diferenças culturais
e espirituais entre os vários povos. Para além de todas as diferenças, existem
traços comuns e permanentes que revelam a grandeza e o valor do matrimónio e
da família. No entanto, se este valor for vivido de forma individualista e particular,
como em parte se verifica no Ocidente, a família pode ser isolada e fragmentada no
contexto da sociedade. Assim, perdem-se as funções sociais que a família
desempenha entre os indivíduos e na comunidade, especialmente em relação aos
mais fracos, tais como as crianças, as pessoas com deficiência e os idosos não
autossuficientes.
Trata-se, pois, de compreender que a família é um bem para a sociedade , não
como mera agregação de indivíduos, mas como uma relação fundada num “vínculo
de perfeição mútua”, usando uma expressão de São Paulo (cf. Cl 3, 12-14). Com
efeito, o ser humano é criado à imagem e semelhança de Deus, que é Amor (cf. 1
Jo 4, 8,16). O amor recíproco entre o homem e a mulher representa um reflexo do
amor absoluto e infalível com o qual Deus ama o ser humano, destinado a ser
fecundo e a realizar-se na obra comum da ordem social e do cuidado da criação.
O bem da família não é de tipo agregativo , ou seja, não consiste em agregar os
recursos dos indivíduos para aumentar a utilidade de cada um, mas é um vínculo
relacional de perfeição , que consiste em partilhar relações de amor fiel, confiança,
cooperação, reciprocidade, das quais derivam os bens dos membros individuais da
família e, portanto, a sua felicidade. Entendida desta forma, a família, que é um
bem relacional em si mesma, torna-se também a fonte de muitos bens e relações
para a comunidade, como por exemplo uma boa relação com o Estado e as outras
associações da sociedade, a solidariedade entre as famílias, o acolhimento de quem
se encontra em dificuldade, a atenção aos últimos, o combate aos processos de
empobrecimento, e assim por diante.
Este vínculo de perfeição, a que poderíamos chamar o seu “genoma social”
específico, consiste na ação amorosa motivada pelo dom, por uma vida de acordo
com a regra da reciprocidade generosa e da generatividade. A família humaniza as
pessoas através da relação do “nós” e, ao mesmo tempo, promove as diferenças
legítimas de cada um. Isto, prestai atenção, é realmente importante para
compreender o que é uma família, que não é apenas um grupo de pessoas.
O pensamento social da Igreja ajuda a compreender este amor relacional próprio
da família, como a Exortação Apostólica Amoris laetitia procurou fazer, inserindo-se
no sulco da grande tradição, mas com essa tradição, dando um passo em frente.
Um aspeto que gostaria de salientar é que a família é o lugar do acolhimento . Não
se fala muito sobre isto, mas é importante. As suas qualidades são particularmente
evidentes nas famílias com membros frágeis ou portadores de deficiência. Estas
famílias desenvolvem virtudes especiais, que aumentam a capacidade de amor e a
resistência paciente face às dificuldades da vida. Pensemos na reabilitação dos
doentes, no acolhimento dos migrantes, e em geral na inclusão social das vítimas
da marginalização, em todas as esferas sociais, especialmente no mundo do
trabalho. A assistência domiciliar integrada para os deficientes graves põe em ação
nos membros da família uma capacidade de cuidado que sabe responder às
necessidades específicas de cada indivíduo. Pensemos também nas famílias que
geram benefícios para toda a sociedade, incluindo as famílias adotivas e de
acolhimento. A família — como bem sabemos — é o principal antídoto contra a
pobreza, tanto material como espiritual, assim como também para o problema do
inverno demográfico ou da maternidade e paternidade irresponsável. Estas duas
coisas devem ser salientadas. O inverno demográfico é um assunto sério. Aqui na
Itália é um assunto sério em comparação com outros países da Europa. Não pode
ser deixado de lado, é um assunto sério! E a irresponsabilidade diante da
maternidade e da paternidade é outro tema sério que se deve considerar para
ajudar a evitar que isso aconteça.
A família torna-se um vínculo de perfeição e um bem relacional, quanto mais
permite que a sua própria natureza floresça, quer por si só quer com a ajuda de
outras pessoas e instituições, incluindo as governamentais. Políticas sociais,
económicas e culturais “amigas da família” devem ser promovidas em todos os
países. Elas incluem, por exemplo, políticas que permitem harmonizar a família e o
trabalho; políticas fiscais que reconhecem as dificuldades familiares e apoiam as
funções educativas das famílias através da adoção de instrumentos apropriados de
equidade fiscal; políticas que acolhem a vida; serviços sociais, psicológicos e de
saúde que se concentram no apoio às relações de casal e parentais. […]