Archive

DISCURSO DO PAPA FRANCISCO ÀS PARTICIPANTES NA XXI ASSEMBLEIA PLENÁRIA DA UNIÃO INTERNACIONAL DAS SUPERIORAS GERAIS (UISG)

[…] Antes de tudo um grande obrigada, Santo Padre. Nestes dias tratamos diversos temas, um deles foi o diálogo inter-religioso: obrigada por tudo o que Vossa Santidade faz neste âmbito. Penso inclusive no diálogo ecuménico, e trago no coração o sofrimento que toquei com a mão, que vi em muitas partes devido à divisão que existe entre os cristãos. Sei que Vossa Santidade já realizou muito neste setor. Pergunto: é possível dar algum passo a mais para alcançar esta comunhão entre os cristãos? Obrigada. Obrigado. Penso que o ecumenismo se faz a caminho, sempre. É verdade que os teólogos devem estudar, debater… Mas há aquela anedota — que é verdade, disseram-me que é verdade — de quando São Paulo vi se encontrou com Atenágoras — gostaria de poder dizer Santo Atenágoras — o quel disse a Paulo vi: “Façamos assim: vamos juntos, e mandamos os teólogos para uma ilha a refletir e fazer teologia, e nós vamos em frente juntos”. Uma brincadeira mas dizem que aconteceu. Mas se não for verdade, é uma boa ideia. [O ecumenismo] faz-se sempre a caminho. Há pobres? Vamos juntos trabalhar com os pobres. Há migrantes? Juntos. Sempre unidos. Este é o ecumenismo do pobre, como eu chamo aquilo que se faz a caminho com as obras de caridade. Contudo, há outro ecumenismo: o do sangue. Quando matam os cristãos pelo facto de serem cristãos, não perguntam: “És anglicano? És luterano? És católico? És ortodoxo?”. Matam. E o sangue mistura-se. Recordo certa vez um pároco de Sankt Josef em Wannsee, perto de Hamburgo, encarregado de prosseguir a causa de um sacerdote guilhotinado pelos nazistas por ter ensinado o catecismo às crianças. Depois, um pastor luterano foi guilhotinado pelo mesmo motivo. E ele foi ter com o bispo, dizendo: “Não posso continuar a causa sem a causa do luterano, porque o sangue deles se misturou”. É o ecumenismo do sangue. Temos muitos mártires comuns. Paulo vi, quando canonizou os mártires de Uganda, eram catequistas metade católicos e metade anglicanos, mais ou menos, e no discurso de canonização mencionou o martírio dos anglicanos. Já Paulo vi disse isto. Há o ecumenismo do sangue. Devemos fazer o possível juntos. Por exemplo, venho da bênção de uma exposição sobre o tráfico [“Talitha kum”, inaugurada antes desta audiência diante da Sala Paulo vi]: trabalhamos todos juntos, católicos, evangélicos, todos, pois é um problema social que devemos ajudar a resolver. Penso que isto é importante: o ecumenismo faz-se a caminho, não se faz só com a reflexão teológica. Isto ajudará porque fizemos bons progressos, por exemplo com os luteranos, sobre a justificação… bons progressos. Mas não podemos permanecer parados enquanto não se resolverem todos os pontos teológicos. Os teólogos têm uma grande função na Igreja: que estudem e nos ajudem; mas nós, entretanto, devemos caminhar. E depois o ecumenismo da oração. São três. O ecumenismo da oração, o ecumenismo do sangue, o ecumenismo do pobre. Rezar uns pelos outros, inclusive uns com os outros. Isto, no que diz respeito ao ecumenismo. No diálogo inter-religioso, procuremos os valores comuns que temos, e isto está bem. Por exemplo, entre os valores comuns, o respeito que os muçulmanos têm pela vida do recém-nascido ou pelos não nascidos é maravilhoso. […]

Archive

DISCURSO DO PAPA FRANCISCO À DIOCESE DE ROMA

Papa Francisco: […] O segundo aspeto necessário para ouvir o grito é o desapego — o primeiro é a humildade: para ouvir, temos que nos abaixar. É expresso no trecho evangélico da parábola do pastor que vai à procura da ovelha tresmalhada. Este bom pastor não tem qualquer interesse pessoal para defender: a única preocupação é que ninguém se perca. Temos interesses pessoais, nós que estamos aqui esta tarde? Cada um pode pensar: qual é o meu interesse escondido, pessoal, que tenho na minha atividade eclesial? A vaidade? Não sei… cada qual tem o seu. Estamos preocupados com as nossas estruturas paroquiais, com o futuro do nosso instituto, com o consenso social, com o que dirão as pessoas se nos ocuparmos dos pobres, dos migrantes, dos ciganos? Ou estamos apegados àquele pouco de poder que ainda temos sobre as pessoas da nossa comunidade ou do nosso bairro? Todos nós vimos paróquias que fizeram escolhas sérias, sob a inspiração do Espírito, e tantos fiéis que iam lá afastaram-se porque “ah, este pároco é demasiado exigente, até um pouco comunista”, e as pessoas afastam-se. Hoje encontrei no Vaticano quinhentos ciganos e ouvi coisas dolorosas. Xenofobia. Estai atentos, pois o fenómeno cultural mundial, digamos, pelo menos europeu, dos populismos aumenta semeando medo. Mas na cidade há também muito bem, porque há lugares positivos, lugares fecundos: lá onde os cidadãos se encontram e dialogam de modo solidário e construtivo, eis que se cria «uma trama em que grupos de pessoas compartilham as mesmas formas de sonhar a vida e ilusões semelhantes, constituindo-se em novos sectores humanos, em territórios culturais, em cidades invisíveis» (ibid.). […]

Archive

ENCONTRO DE ORAÇÃO COM O POVO CIGANO PALAVRAS DO PAPA FRANCISCO

[…] Alguém que quando era criança teve de viver à margem para salvar a vida, escondido, refugiado: Alguém que sofreu por ti, que deu a vida na Cruz. […]

Archive

PAPA FRANCISCO AUDIÊNCIA GERAL

[…] A Macedónia do Norte é um país independente desde 1991. A Santa Sé procurou apoiar desde o início o seu caminho e com a minha visita quis encorajar sobretudo a sua tradicional capacidade de hospedar diversas pertenças étnicas e religiosas; assim como o seu compromisso em acolher e socorrer um grande número de migrantes e de refugiados durante o período crítico entre 2015 e 2016. Há lá um grande acolhimento, têm um grande coração. Os migrantes criam-lhes problemas, mas recebem-nos, amam-nos e resolvem os problemas. Este é um aspeto grandioso deste povo. Um aplauso a este povo. […]

Archive

VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO À BULGÁRIA E MACEDÔNIA DO NORTE [5-7 DE MAIO DE 2019] ENCONTRO COM A COMUNIDADE CATÓLICA DISCURSO DO SANTO PADRE

Neste sentido, quero partilhar convosco uma experiência vivida algumas horas atrás. De manhã, tive a alegria de encontrar, no campo de Vrazhedebna, deslocados e refugiados que vieram de vários países do mundo para encontrar uma situação de vida melhor daquela que deixaram, e encontrei também voluntários da Cáritas [aplauso aos voluntários da Cáritas, que se põem de pé, todos com uma t-shirt vermelha]. Quando entrei aqui e vi os voluntários da Cáritas perguntei quem fossem, imaginando eu que seriam os bombeiros. Assim vermelhos! Disseram-me lá [no Centro de Vrazhedebna] que o coração do Centro — daquele Centro de Refugiados — é constituído pela consciência de que toda a pessoa é filha de Deus, independentemente da etnia ou confissão religiosa. Para amar alguém, não é preciso pedir-lhe o seu currículo; o amor precede, sempre vai adiante, antecipa-se. Porquê? Porque o amor é gratuito. Naquele Centro da Cáritas, são muitos os cristãos que aprenderam a ver com os próprios olhos do Senhor, o Qual não se detém nos adjetivos, mas procura e atende a cada um com olhar de Pai. Sabeis uma coisa? Devemos ter cuidado! Caímos na cultura do adjetivo: «esta pessoa é isto, essa pessoa é isso, aquela pessoa é aquilo». E Deus não quer isto. É uma pessoa, é imagem de Deus. Sem adjetivos! Deixemos que Deus coloque os adjetivos; nós colocamos o amor, em cada pessoa. E o mesmo vale para as bisbilhotices. Com quanta facilidade acontecem as bisbilhotices entre nós! «Ah este é assim, aquele é assado…». Sempre adjetivamos as pessoas. Não estou a falar de vós, pois sei que aqui não há bisbilhotices, mas pensemos no lugar onde as há. Isto é o adjetivo: adjetivar as pessoas. Devemos passar da cultura do adjetivo para a realidade do substantivo. Ver com os olhos da fé convida-nos a passar a vida, não colando etiquetas nem classificando quem é digno de amor e quem não o é, mas procurando criar as condições para que cada pessoa possa sentir-se amada, sobretudo quem se sente esquecido por Deus porque é esquecido pelos seus irmãos. Irmãos e irmãs, quem ama, não perde tempo em lamentos, mas procura sempre algo de concreto que possa fazer. Naquele Centro, aprenderam a ver os problemas, reconhecê-los, enfrentá-los; deixaram-se interpelar e procuraram discernir com os olhos do Senhor. Como disse o Papa João, «nunca conheci um pessimista que tenha concluído algo de bom». Os pessimistas nunca fazem nada de bom. Os pessimistas estragam tudo. Quando penso no pessimista, vem-me à mente um lindo bolo… Que faz o pessimista? Verte vinagre no bolo, estraga tudo. Os pessimistas estragam tudo. Ao contrário, o amor sempre abre as portas! O Papa João tinha razão: «nunca conheci um pessimista que tenha concluído algo de bom». O Senhor é o primeiro a não ser pessimista e procura continuamente abrir, para todos nós, caminhos de Ressurreição. O Senhor é um incurável otimista! Sempre procura pensar bem de nós, levar-nos para diante, apostar em nós. Como é belo quando as nossas comunidades lembram um canteiro de obras de esperança! O otimista é um homem ou uma mulher que cria esperança na comunidade.

Archive

VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO À BULGÁRIA E MACEDÔNIA DO NORTE [5-7 DE MAIO DE 2019] VISITA AO CAMPO DE REFUGIADOS PALAVRAS DO SANTO PADRE

Muito obrigado pela vossa receção. Obrigado, às crianças, pelo seu cântico muito lindo. Elas alegram o vosso caminho. Nem sempre é lindo o vosso caminho; para além do mais, há a tristeza de deixar a própria pátria e o esforço de se integrar noutra. Mas a esperança permanece. Hoje o mundo dos migrantes e refugiados é de certo modo uma cruz: uma cruz da humanidade, a cruz que tantas pessoas sofrem. Agradeço a vossa boa vontade e desejo o melhor para vós e os compatriotas que deixastes na vossa pátria. Que Deus vos abençoe! Rezai por mim.

Archive

VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO À BULGÁRIA E MACEDÔNIA DO NORTE [5-7 DE MAIO DE 2019] ENCONTRO COM AUTORIDADES, SOCIEDADE CIVIL E CORPO DIPLOMÁTICO DISCURSO DO SANTO PADRE

Na atual conjuntura histórica, trinta anos depois do fim do regime totalitário que tolhia a liberdade e as iniciativas, a Bulgária está a enfrentar as consequências da emigração, ocorrida nas últimas décadas, de mais de dois milhões dos seus cidadãos à procura de novas oportunidades de trabalho. Ao mesmo tempo, a Bulgária – como muitos outros países do velho continente – precisa de encarar aquilo que se pode considerar como um novo inverno: o inverno demográfico, que se abateu como uma cortina de gelo sobre grande parte da Europa em consequência duma diminuição de confiança no futuro. E, assim, a queda da natalidade, que se veio somar àquele intenso fluxo migratório, levou ao despovoamento e abandono de muitas aldeias e cidades. Por outro lado, a Bulgária é confrontada com o fenómeno daqueles que, para escapar de guerras e conflitos ou da miséria, procuram penetrar nas suas fronteiras e tentam, de todos os modos, chegar às áreas mais ricas do continente europeu a fim de encontrar novas oportunidades de existência ou simplesmente um refúgio seguro. Senhor Presidente! Conheço o empenho com que, há anos, os governantes deste país se esforçam por criar condições para que sobretudo os jovens não sejam forçados a emigrar. Quero encorajar-vos a prosseguir por esta estrada, isto é, fazer todos os esforços por promover condições favoráveis a fim de que os jovens possam investir as suas viçosas energias e programar o seu futuro pessoal e familiar, encontrando na pátria condições que permitam uma vida digna. E a vós, que conheceis o drama da emigração, seja-me permitido sugerir que não fecheis os olhos, o coração e a mão – como é tradição vossa – a quem bate à vossa porta. O vosso país sempre se distinguiu como uma ponte entre Oriente e Ocidente, capaz de favorecer o encontro entre diferentes culturas, etnias, civilizações e religiões, que há séculos têm convivido aqui em paz. O desenvolvimento, mesmo económico e civil, da Bulgária passa necessariamente pelo reconhecimento e valorização desta sua caraterística específica. Que esta terra – delimitada pelo grande rio Danúbio e pelas margens do Mar Negro, tornada fértil pelo trabalho humilde de tantas gerações e aberta aos intercâmbios culturais e comerciais, integrada na União Europeia e possuindo laços sólidos com a Rússia e a Turquia – ofereça aos seus filhos um futuro de esperança. Deus abençoe a Bulgária, mantenha-a pacífica e acolhedora e a torne próspera e feliz!

Archive

MENSAGEM URBI ET ORBI DO PAPA FRANCISCO PÁSCOA 2019

Cristo vive e permanece connosco. Mostra a luz do seu rosto de Ressuscitado e não abandona os que estão na provação, no sofrimento e no luto. Que Ele, o Vivente, seja esperança para o amado povo sírio, vítima dum conflito sem fim que corre o risco de nos encontrar cada vez mais resignados e até indiferentes. Ao contrário, é hora de renovar os esforços por uma solução política que dê resposta às justas aspirações de liberdade, paz e justiça, enfrente a crise humanitária e favoreça o retorno em segurança dos deslocados, bem como daqueles que se refugiaram nos países vizinhos, especialmente no Líbano e Jordânia. A Páscoa leva-nos a deter o olhar no Médio Oriente, dilacerado por divisões e tensões contínuas. Os cristãos da região não deixem de testemunhar, com paciente perseverança, o Senhor ressuscitado e a vitória da vida sobre a morte. O meu pensamento dirige-se de modo particular para o povo do Iémen, especialmente para as crianças definhando pela fome e a guerra. A luz pascal ilumine todos os governantes e os povos do Médio Oriente, a começar pelos israelitas e os palestinenses, e os instigue a aliviar tantas aflições e a buscar um futuro de paz e estabilidade. Que as armas cessem de ensanguentar a Líbia, onde, nas últimas semanas, começaram a morrer pessoas indefesas, e muitas famílias se viram forçadas a deixar as suas casas. Exorto as partes interessadas a optar pelo diálogo em vez da opressão, evitando que se reabram as feridas duma década de conflitos e instabilidade política. Cristo Vivente conceda a sua paz a todo o amado continente africano, ainda cheio de tensões sociais, conflitos e, por vezes, extremismos violentos que deixam atrás de si insegurança, destruição e morte, especialmente no Burkina Faso, Mali, Níger, Nigéria e Camarões. Penso ainda no Sudão, que está a atravessar um período de incerteza política e onde espero que todas as instâncias possam ter voz e cada um se esforce por permitir ao país encontrar a liberdade, o desenvolvimento e o bem-estar, a que há muito aspira. O Senhor ressuscitado acompanhe os esforços feitos pelas autoridades civis e religiosas do Sudão do Sul, sustentados pelos frutos do retiro espiritual que, há poucos dias, se realizou aqui no Vaticano. Que se abra uma nova página da história do país, na qual todos os componentes políticos, sociais e religiosos se empenhem ativamente em prol do bem comum e da reconciliação da nação. Nesta Páscoa, encontre conforto a população das regiões orientais da Ucrânia, que continua a sofrer com o conflito ainda em curso. O Senhor encoraje as iniciativas humanitárias e as iniciativas destinadas a buscar uma paz duradoura. Que a alegria da Ressurreição encha os corações de quem sofre as consequências de difíceis situações políticas e económicas, no continente americano. Penso de modo particular no povo venezuelano: em tanta gente sem as condições mínimas para levar uma vida digna e segura, por causa duma crise que perdura e se agrava. O Senhor conceda, a quantos têm responsabilidades políticas, trabalhar para pôr fim às injustiças sociais, abusos e violências e realizar passos concretos que permitam sanar as divisões e oferecer à população a ajuda de que necessita. O Senhor ressuscitado oriente com a sua luz os esforços que estão a ser feitos na Nicarágua para se encontrar, o mais rápido possível, uma solução pacífica e negociada em benefício de todos os nicaraguenses. Perante os inúmeros sofrimentos do nosso tempo, o Senhor da vida não nos encontre frios e indiferentes. Faça de nós construtores de pontes, não de muros. Ele, que nos dá a paz, faça cessar o fragor das armas, tanto nos contextos de guerra como nas nossas cidades, e inspire os líderes das nações a trabalhar para acabar com a corrida aos armamentos e com a difusão preocupante das armas, de modo especial nos países mais avançados economicamente. O Ressuscitado, que escancarou as portas do sepulcro, abra os nossos corações às necessidades dos indigentes, indefesos, pobres, desempregados, marginalizados, de quem bate à nossa porta à procura de pão, dum abrigo e do reconhecimento da sua dignidade. Queridos irmãos e irmãs, Cristo vive! Ele é esperança e juventude para cada um de nós e para o mundo inteiro. Deixemo-nos renovar por Ele! Feliz Páscoa!

Archive

VIA-SACRA NO COLISEU ORAÇÃO DO SANTO PADRE

Senhor Jesus, ajudai-nos a ver na vossa Cruz todas as cruzes do mundo: a cruz das pessoas famintas de pão e de amor; a cruz das pessoas sozinhas e abandonadas até pelos próprios filhos e parentes; a cruz das pessoas sedentas de justiça e de paz; a cruz das pessoas que não têm o conforto da fé; a cruz dos idosos que se arrastam sob o peso dos anos e da solidão; a cruz dos migrantes que encontram as portas fechadas por causa do medo e dos corações blindados pelos cálculos políticos; a cruz dos pequeninos, feridos na sua inocência e na sua pureza; a cruz da humanidade que vagueia na escuridão da incerteza e na obscuridade da cultura do momentâneo; a cruz das famílias desagregadas pela traição, pelas seduções do maligno ou pela frivolidade homicida e pelo egoísmo; a cruz dos consagrados que procuram incansavelmente levar a vossa luz ao mundo e sentem-se rejeitados, ridicularizados e humilhados; a cruz dos consagrados que, ao longo do caminho, se esqueceram do seu primeiro amor; a cruz dos vossos filhos que, acreditando em Vós e procurando viver em conformidade com a vossa Palavra, se encontram marginalizados e descartados até pelos próprios familiares e pelos seus coetâneos; a cruz das nossas debilidades, das nossas hipocrisias, das nossas traições, dos nossos pecados e das nossas numerosas promessas não cumpridas; a cruz da vossa Igreja que, fiel ao vosso Evangelho, tem dificuldade de levar o vosso amor até entre os próprios batizados; a cruz da Igreja, vossa Esposa, que se sente continuamente atacada a partir de dentro e de fora; a cruz da nossa casa comum, que esmorece seriamente sob os nossos olhares egoístas e obcecados pela cobiça e pelo poder. Senhor Jesus, revitalizai em nós a esperança da Ressurreição e da vossa vitória definitiva contra todo o mal e toda a morte. Amém!

Archive

VIA-SACRA NO COLISEU PRESIDIDA POR SUA SANTIDADE O PAPA FRANCISCO

II ESTAÇÃO Jesus carrega a cruz «Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz dia após dia e siga-Me» (Lc 9, 23) Reflexão Senhor Jesus é fácil trazer o crucifixo ao peito ou dependurá-lo como ornamento nas paredes das nossas belas catedrais ou de nossas casas, mas não é tão fácil encontrar e reconhecer os novos crucificados de hoje: os sem-abrigo, os jovens sem esperança, sem emprego nem perspetivas, os imigrantes obrigados a viver nas barracas à margem da nossa sociedade, depois de terem enfrentado tribulações inauditas. Infelizmente, estes acampamentos, sem segurança, são queimados e arrasados juntamente com os sonhos e as esperanças de milhares de mulheres e homens marginalizados, explorados, esquecidos. Além disso, quantas crianças são discriminadas por causa da sua proveniência, da cor da pele ou da sua condição social! Quantas mães sofrem a humilhação de ver os seus filhos ridicularizados e excluídos das oportunidades que têm os seus coetâneos e colegas de escola! Oração Agradecemos-Te, Senhor, porque, com a tua própria vida, nos deste exemplo de como se manifesta o amor verdadeiro e desinteressado pelo próximo, particularmente pelos inimigos ou, simplesmente, por quem não é como nós. Senhor Jesus, quantas vezes também nós, como teus discípulos, nos declaramos abertamente teus seguidores nos momentos em que realizavas curas e prodígios, quando davas de comer à multidão e perdoavas os pecados. Mas não foi tão fácil compreender-Te quando falavas de serviço e perdão, de renúncia e sofrimento. Ajuda-nos a saber como colocar sempre a nossa vida ao serviço dos outros. V ESTAÇÃO O Cireneu ajuda Jesus a levar a cruz «Carregai as cargas uns dos outros e assim cumprireis plenamente a lei de Cristo» (Gal 6, 2) Reflexão Senhor Jesus, a caminho do Calvário, sentiste forte o peso e a fadiga de carregar aquela tosca cruz de madeira. Em vão, esperaste pelo gesto de ajuda vindo dum amigo, dum dos teus discípulos, duma das inúmeras pessoas cujos sofrimentos aliviaste. Só um desconhecido, Simão de Cirene, e por constrição Te deu uma mão. Onde estão hoje os novos cireneus do terceiro milénio? Onde os encontramos? Quero recordar a experiência dum grupo de religiosas de diferentes nacionalidades, proveniências e congregações com as quais todos os sábados, há mais de dezassete anos, visitamos em Roma um Centro para mulheres imigradas sem documentos: mulheres, frequentemente jovens, à espera de conhecer o seu destino, oscilando entre expulsão e possibilidade de permanecer. Nestas mulheres, quanto sofrimento encontramos, mas também quanta alegria ao depararem-se com religiosas originárias dos seus países, que falam a sua língua, limpam as suas lágrimas, compartilham momentos de oração e de festa, tornam menos duros os longos meses passados por detrás de barras de ferro e no asfalto de cimento! Oração Por todos os cireneus da nossa história, para que jamais esmoreça neles o desejo de Te acolher sob a fisionomia dos últimos da terra, cientes de que, ao acolher os últimos da nossa sociedade, Te acolhemos a Ti. Que estes samaritanos sejam porta-voz de quem não tem voz. VIII ESTAÇÃO Jesus encontra as mulheres «Filhas de Jerusalém, não choreis por Mim, chorai antes por vós mesmas e pelos vossos filhos» (Lc 23, 28) Reflexão A situação social, económica e política dos migrantes e das vítimas do tráfico de seres humanos interpela-nos e mexe connosco. Devemos ter a coragem – como afirma vigorosamente o Papa Francisco – de denunciar como crime contra a humanidade o tráfico de seres humanos. Todos nós, especialmente os cristãos, devemos crescer na consciência de que somos todos responsáveis pelo problema e todos podemos e devemos ser parte da solução. A todos, mas sobretudo a nós mulheres, é pedida a coragem do desafio. A coragem de saber ver e agir, individualmente e como comunidade. Só juntando as nossas pobrezas é que estas poderão tornar-se uma grande riqueza, capaz de mudar a mentalidade e aliviar os sofrimentos da humanidade. O pobre, o estrangeiro, o diferente não deve ser visto como um inimigo a rejeitar ou a combater, mas sim como um irmão ou uma irmã a acolher e ajudar. Não são um problema, mas um recurso precioso para as nossas cidadelas blindadas, onde o bem-estar e o consumo não aliviam o crescente cansaço e fadiga. Oração Senhor, ensina-nos a possuir o teu olhar; aquele olhar de acolhimento e misericórdia, com que vês os nossos limites e os nossos medos. Ajuda-nos a ver assim as divergências de ideias, costumes e perspetivas. Ajuda a reconhecermo-nos como parte da mesma humanidade e a fazermo-nos promotores de novos e ousados caminhos de acolhimento da pessoa diferente, para juntos criarmos comunidade, família, paróquia e sociedade civil. IX ESTAÇÃO Jesus cai pela terceira vez «Foi maltratado, mas humilhou-Se e não abriu a boca, como um cordeiro que é levado ao matadouro» (Is53, 7) Reflexão Senhor, pela terceira vez, caíste, exausto e humilhado, sob o peso da cruz. Precisamente como tantas moças, forçadas à vida de estrada por grupos de traficantes de escravos, as quais não aguentam a fadiga e a humilhação de ver o seu corpo jovem manipulado, abusado, destruído, juntamente com os seus sonhos. Aquelas jovens mulheres sentem-se como que desdobradas: por um lado procuradas e usadas, por outro rejeitadas e condenadas por uma sociedade que se recusa a ver este tipo de exploração, causado pela afirmação da cultura do usa e joga fora. Numa das muitas noites passadas pelas estradas de Roma, eu procurava uma jovem que acabava de chegar à Itália. Não a vendo no seu grupo, chamava-a insistentemente pelo nome: «Mercy». Na escuridão, vislumbrei-a aninhada e adormecida na beira da estrada. À minha chamada, acordou e disse-me que não aguentava mais. «Estou exausta»: repetia. Pensei na sua mãe: se soubesse o que aconteceu à filha, secavamlhe as lágrimas. Oração Senhor, quantas vezes nos fizeste esta pergunta incómoda: «Onde está o teu irmão? Onde está a tua irmã?» Quantas vezes nos lembraste que o seu grito lancinante tinha chegado a Ti! Ajuda-nos a compartilhar o sofrimento e a humilhação de tantas pessoas tratadas como desperdício. É demasiado fácil condenar seres humanos e situações de mal-estar que humilham a nossa falsa modéstia, mas não é tão fácil assumirmos as nossas responsabilidades como indivíduos, governos e também comunidades cristãs. X ESTAÇÃO Jesus é despojado das suas vestes «Revesti-vos, pois, de sentimentos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de paciência» (Col 3, 12) Reflexão Dinheiro, bem-estar, poder. São os ídolos de todos os tempos. Também e sobretudo do nosso, que se vangloria de passos enormes dados no reconhecimento dos direitos da pessoa. Tudo é adquirível, inclusive o corpo dos menores, depredados da sua dignidade e do seu futuro. Esquecemos a centralidade do ser humano, a sua dignidade, beleza, força. Enquanto no mundo se vão levantando muros e barreiras, queremos recordar e agradecer àqueles que nestes últimos meses, com funções diferentes, arriscaram a própria vida, especialmente no mar Mediterrâneo, para salvar a vida de tantas famílias à procura de segurança e oportunidades. Seres humanos, em fuga de pobreza, ditaduras, corrupção, escravidão. Oração Ajuda-nos, Senhor, a redescobrir a beleza e a riqueza que cada pessoa e cada povo encerram em si mesmos como um presente teu, único e irrepetível, para ser colocado ao serviço de toda a sociedade e não para servir interesses pessoais. Pedimos-Te, Jesus, que o teu exemplo e o teu ensinamento de misericórdia e perdão, de humildade e paciência nos tornem um pouco mais humanos e, consequentemente, mais cristãos. XI ESTAÇÃO Jesus é pregado na cruz «Perdoa-lhes, Pai, porque não sabem o que fazem» (Lc 23, 34) Reflexão A nossa sociedade proclama a igualdade em direitos e dignidade de todos os seres humanos. Mas pratica e tolera a desigualdade. Aceita até as suas formas mais extremas. Homens, mulheres e crianças são comprados e vendidos como escravos pelos novos mercantes de seres humanos. Depois, as vítimas deste tráfico são exploradas por outros indivíduos. E por fim jogadas fora, como mercadoria sem valor. Quantos enriquecem devorando a carne e o sangue dos pobres! Oração Senhor, quantas pessoas acabam ainda hoje pregadas numa cruz, vítimas duma exploração desumana, privadas da dignidade, da liberdade, do futuro. O seu grito de ajuda interpela-nos como homens e mulheres, como governos, como sociedade e como Igreja. Como é possível continuarmos a crucificar-Te, tornando-nos cúmplices do tráfico de seres humanos? Dá-nos olhos para ver e um coração para sentir os sofrimentos de tantas pessoas que ainda hoje são pregadas na cruz pelos nossos sistemas de vida e consumo. XII ESTAÇÃO Jesus morre na cruz «Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonaste?» (Mc 15, 34) Reflexão Também Tu, Senhor, sentiste na cruz o peso da zombaria, do escárnio, dos insultos, das violências, do abandono, da indiferença. Apenas Maria, tua Mãe, e poucas mais discípulas permaneceram lá, testemunhas do teu sofrimento e da tua morte. Que o seu exemplo nos inspire a comprometer-nos para não deixar sentir a solidão a quantos agonizam hoje nos inúmeros calvários espalhados pelo mundo, incluindo os campos de arrecadação que parecem «lágueres» nos países de trânsito, os navios a que é recusado um porto seguro, as longas negociações burocráticas para o destino final, os centros de permanência, os pontos de acesso, os campos para trabalhadores sazonais. Oração Nós Te pedimos, Senhor: ajuda a aproximar-nos dos novos crucificados e desesperados do nosso tempo. Ensina-nos a limpar as suas lágrimas, a confortá-los como souberam fazer Maria e as outras mulheres ao pé da tua cruz. XIII ESTAÇÃO Jesus é descido da cruz «Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto» (Jo 12, 24) Reflexão Quem se lembra, nesta época de notícias depressa arquivadas, daquelas vinte e seis jovens nigerianas engolidas pelas ondas, cujos funerais foram celebrados em Salerno? Foi duro e longo o seu calvário. Primeiro, a travessia do deserto do Saara, empilhadas em transportes improvisados. Depois, a paragem forçada nos espaventosos centros de arrecadação na Líbia. Por fim, o salto para o mar, onde encontraram a morte às portas da «terra prometida». Duas delas traziam no ventre o dom duma nova vida, bebés que nunca verão a luz do sol. Mas a sua morte, como a de Jesus descido da cruz, não foi em vão. Todas estas vidas, confiamo-las à misericórdia do Pai nosso e de todos, mas sobretudo Pai dos pobres, dos desesperados e dos humilhados. Oração Senhor, nesta hora, ouvimos ressoar mais uma vez o grito que o Papa Francisco elevou de Lampedusa, meta da sua primeira viagem apostólica: «Quem chorou?» E agora, depois de naufrágios sem fim, continuamos a gritar: «Quem chorou?» Quem chorou?: perguntamo-nos diante daqueles vinte e seis caixões alinhados e encimados por uma rosa branca. Apenas cinco delas foram identificadas. Com ou sem nome, todas elas, porém, são nossas filhas e irmãs. Todas merecem respeito e memória. Todas nos pedem para nos sentirmos responsáveis: instituições, autoridades e nós também, com o nosso silêncio e a nossa indiferença. XIV ESTAÇÃO Jesus é depositado no sepulcro «Tudo está consumado» (Jo 19, 30). Reflexão O deserto e os mares tornaram-se os novos cemitérios de hoje. Perante estas mortes, não há respostas. Mas há responsabilidades. Irmãos que deixam morrer outros irmãos. Homens, mulheres, crianças que não pudemos ou não quisemos salvar. Enquanto os governos discutem, fechados nos palácios do poder, o Saara enche-se de esqueletos de pessoas que não resistiram à fadiga, à fome, à sede. Quanta dor custam os novos êxodos! Quanta crueldade que se encarniça sobre quem foge: as viagens do desespero, as extorsões e as violências, o mar transformado em túmulo de água! Oração Senhor, faz-nos entender que somos todos filhos do mesmo Pai. Possa a morte do teu Filho Jesus dar aos chefes das nações e aos responsáveis pela legislação a consciência do seu papel na defesa de toda a pessoa criada à tua imagem e semelhança. CONCLUSÃO Queremos lembrar a história da pequenina Favour, de nove meses, que deixou a Nigéria juntamente com seus jovens pais à procura dum futuro melhor na Europa. Durante a longa e perigosa viagem no Mediterrâneo, a mãe e o pai foram mortos juntamente com centenas de outras pessoas que se haviam confiado a traficantes sem escrúpulos para poder chegar à «terra prometida». Só Favour sobreviveu; como Moisés, também ela foi salva das águas. Que a sua vida se torne luz de esperança no caminho rumo a uma humanidade mais fraterna! Oração No final da tua Via-Sacra, pedimos-Te, Senhor, que nos ensines a permanecer vigilantes, juntamente com a tua Mãe e as mulheres que Te acompanharam no Calvário, à espera da tua ressurreição. Que esta seja farol de esperança, alegria, vida nova, fraternidade, acolhimento e comunhão entre os povos, as religiões e as leis, para que cada filho e filha do homem sejam verdadeiramente reconhecidos na sua dignidade de filho e filha de Deus e nunca mais sejam tratados como escravos!