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MENSAGEM EM VÍDEO DO PAPA FRANCISCO PARA A REUNIÃO SOBRE A CRISE HUMANITÁRIA SÍRIA E IRAQUIANA, PROMOVIDA PELO DICASTÉRIO PARA O SERVIÇO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO INTEGRAL

Prezados amigos!

É com alegria que vos dirijo uma afetuosa saudação, durante este encontro
organizado pelo Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral
e por outras instâncias da Santa Sé, para debater e refletir sobre os gravíssimos
problemas que ainda afligem as amadas populações da Síria, do Iraque e dos
países limítrofes.

Cada esforço — pequeno ou grande — envidado para favorecer o processo de
paz é como acrescentar um tijolo à construção de uma sociedade justa, que se
abra ao acolhimento, e onde todos possam encontrar um lugar para viver em
paz. Dirijo o meu pensamento sobretudo às pessoas que tiveram de deixar as
suas casas para fugir dos horrores da guerra, em busca de melhores condições
de vida para si próprios e para os seus entes queridos. Recordo de modo
especial os cristãos forçados a abandonar os lugares onde nasceram e
cresceram, onde a sua fé se desenvolveu e enriqueceu. É preciso fazer com que
a presença cristã naquelas terras continue a ser o que sempre foi: um sinal de
paz, progresso, desenvolvimento e reconciliação entre as pessoas e os povos.

Em segundo lugar, dirijo o meu pensamento aos refugiados que querem
regressar ao seu país. Apelo à comunidade internacional a fim de que faça todos
os esforços para facilitar este regresso, garantindo a segurança e as condições
financeiras necessárias para que isto se verifique. Cada gesto, cada esforço
neste sentido é precioso.

Uma reflexão conclusiva sobre a obra das agências católicas comprometidas na
assistência humanitária. Dirijo um pensamento de encorajamento a todos vós
que, a exemplo do Bom Samaritano, trabalhais incansavelmente para receber,
cuidar, e acompanhar os migrantes e as pessoas deslocadas naquelas terras,
sem distinção de crença nem de pertença. Como tive a ocasião de dizer muitas
vezes, a Igreja não é uma Ong. A nossa ação caritativa deve inspirar-se no
Evangelho. Estas ajudas devem constituir um sinal tangível da caridade de uma
Igreja local que socorre outra Igreja que sofre, através destes instrumentos
maravilhosos que são as agências católicas de assistência humanitária e de
desenvolvimento. Uma Igreja que ajuda outra Igreja!

Para concluir, quero que saibais que quando trabalhais naquelas terras, não
estais sozinhos! A Igreja inteira faz-se uma só, para ir ao encontro do homem
ferido, vítima dos salteadores a caminho de Jerusalém para Jericó. No vosso
trabalho, sereis sempre acompanhados pela minha bênção, que hoje de bom
grado vos concedo, a fim de que este encontro produza abundantes frutos de
prosperidade, desenvolvimento e paz nos vossos países, para uma nova vida.
Obrigado!

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CARTA APOSTÓLICA PATRIS CORDE DO PAPA FRANCISCO POR OCASIÃO DO 150º ANIVERSÁRIO DA DECLARAÇÃO DE SÃO JOSÉ COMO PADROEIRO UNIVERSAL DA IGREJA

[…] Sabemos que era um humilde carpinteiro (cf. Mt 13, 55), desposado com
Maria (cf. Mt 1, 18; Lc 1, 27); um «homem justo» (Mt 1, 19), sempre pronto a
cumprir a vontade de Deus manifestada na sua Lei (cf. Lc 2, 22.27.39) e através
de quatro sonhos (cf. Mt 1, 20; 2, 13.19.22). Depois duma viagem longa e
cansativa de Nazaré a Belém, viu o Messias nascer num estábulo, «por não
haver lugar para eles» (Lc 2, 7) noutro sítio. Foi testemunha da adoração dos
pastores (cf. Lc 2, 8-20) e dos Magos (cf. Mt 2, 1-12), que representavam
respetivamente o povo de Israel e os povos pagãos.

Teve a coragem de assumir a paternidade legal de Jesus, a quem deu o nome
revelado pelo anjo: dar-Lhe-ás «o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo dos
seus pecados» (Mt 1, 21). Entre os povos antigos, como se sabe, dar o nome a
uma pessoa ou a uma coisa significava conseguir um título de pertença, como
fez Adão na narração do Génesis (cf. 2, 19-20). […]

[…] No Templo, quarenta dias depois do nascimento, José – juntamente com a
mãe – ofereceu o Menino ao Senhor e ouviu, surpreendido, a profecia que
Simeão fez a respeito de Jesus e Maria (cf. Lc 2, 22-35). Para defender Jesus de
Herodes, residiu como forasteiro no Egito (cf. Mt 2, 13-18). Regressado à pátria,
viveu no recôndito da pequena e ignorada cidade de Nazaré, na Galileia – donde
(dizia-se) «não sairá nenhum profeta» (Jo 7, 52), nem «poderá vir alguma coisa
boa» (Jo 1, 46) –, longe de Belém, a sua cidade natal, e de Jerusalém, onde se
erguia o Templo. Foi precisamente durante uma peregrinação a Jerusalém que
perderam Jesus (tinha ele doze anos) e José e Maria, angustiados, andaram à
sua procura, acabando por encontrá-Lo três dias mais tarde no Templo
discutindo com os doutores da Lei (cf. Lc 2, 41-50).

No segundo sonho, o anjo dá esta ordem a José: «Levanta-te, toma o menino e
sua mãe, foge para o Egito e fica lá até que eu te avise, pois Herodes procurará
o menino para o matar» (Mt 2, 13). José não hesitou em obedecer, sem se
questionar sobre as dificuldades que encontraria: «E ele levantou-se de noite,
tomou o menino e sua mãe e partiu para o Egito, permanecendo ali até à morte
de Herodes» (Mt 2, 14-15).

No Egito, com confiança e paciência, José esperou do anjo o aviso prometido
para voltar ao seu país. Logo que o mensageiro divino, num terceiro sonho –
depois de o informar que tinham morrido aqueles que procuravam matar o
menino –, lhe ordena que se levante, tome consigo o menino e sua mãe e
regresse à terra de Israel (cf. Mt 2, 19-20), de novo obedece sem hesitar:
«Levantando-se, ele tomou o menino e sua mãe e voltou para a terra de Israel»
(Mt 2, 21).

Durante a viagem de regresso, porém, «tendo ouvido dizer que Arquelau reinava
na Judeia, em lugar de Herodes, seu pai, teve medo de ir para lá. Então
advertido em sonhos – e é a quarta vez que acontece – retirou-se para a região
da Galileia e foi morar numa cidade chamada Nazaré» (Mt 2, 22-23).

Por sua vez, o evangelista Lucas refere que José enfrentou a longa e incómoda
viagem de Nazaré a Belém, devido à lei do imperador César Augusto relativa ao
recenseamento, que impunha a cada um registar-se na própria cidade de
origem. E foi precisamente nesta circunstância que nasceu Jesus (cf. 2, 1-7),
sendo inscrito no registo do Império, como todos os outros meninos. […]

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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO A DEZ NOVOS EMBAIXADORES JUNTO DA SANTA SÉ

[…] Hoje, talvez como nunca, o nosso mundo cada vez mais globalizado exige
urgentemente um diálogo e uma cooperação sinceros e respeitosos, capazes de
nos unir para enfrentar as graves ameaças que incumbem sobre o nosso planeta
e hipotecam o futuro das jovens gerações. Na minha recente Encíclica Fratelli
tutti manifestei o desejo de que «neste tempo que nos cabe viver, reconhecendo
a dignidade de cada pessoa humana, possamos fazer renascer, entre todos, um
anseio mundial de fraternidade» (n. 8). A presença da Santa Sé na comunidade
internacional está ao serviço do bem comum global, chamando a atenção para
os aspetos antropológicos, éticos e religiosos das várias questões relativas à vida
das pessoas, dos povos e de nações inteiras.

Faço votos de que a vossa atividade diplomática como representantes das
vossas nações junto da Santa Sé fomente a «cultura do encontro» (Fratelli tutti,
215), tão necessária para superar as diferenças e divisões que muitas vezes
impedem a realização dos elevados ideais e objetivos propostos pela
comunidade internacional. Com efeito, cada um de nós está convidado a
trabalhar diariamente pela construção de um mundo cada vez mais justo,
fraterno e unido. […]

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DIA MUNDIAL DOS POBRES SANTA MISSA HOMILIA DO PAPA FRANCISCO

[…] Quero agradecer a tantos servos fiéis de Deus, que vivem assim, servindo, e
de quem não se fala. Penso, por exemplo, no padre Roberto Malgesini. Este
padre não fazia teorias; simplesmente, via Jesus no pobre; e o sentido da vida,
em servir. Enxugava lágrimas com mansidão, em nome de Deus que consola. O
início do seu dia era a oração, para acolher o dom de Deus; o centro do dia, a
caridade para fazer frutificar o amor recebido; o final, um claro testemunho do
Evangelho. Aquele homem compreendera que devia estender a sua mão aos
inúmeros pobres que encontrava diariamente, porque em cada um deles via
Jesus. Irmãos e irmãs, peçamos a graça de ser cristãos não em palavras, mas
em obras… para dar fruto, como Jesus deseja. Assim seja. […]

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CARTA DI PAPA FRANCISCO SOBRE A EUROPA A SUA EMINÊNCIA O CARDEAL PIETRO PAROLIN, SECRETÁRIO DE ESTADO

[…] Vemos isto nos inúmeros medos que permeiam as nossas sociedades hoje
em dia, entre os quais não posso silenciar a difidência a respeito dos migrantes.
Só uma Europa que seja comunidade solidária pode enfrentar este desafio de
forma profícua, ao passo que as soluções de parte já se demonstraram
inadequadas. Com efeito é claro que o devido acolhimento dos migrantes não se
pode limitar a meras operações de assistência a quem chega, frequentemente
fugindo de conflitos, carestias ou desastres naturais, mas deve permitir a sua
integração de tal modo que possam «conhecer, respeitar e até assimilar a
cultura e as tradições da nação que os recebe» (Discurso aos participantes na
Conferência «(Re)Thinking Europe», 28 de outubro de 2017) […]

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CARTA ENCÍCLICA FRATELLI TUTTI SOBRE A FRATERNIDADE E A AMIZADE SOCIAL

SEM DIGNIDADE HUMANA NAS FRONTEIRAS

37. Tanto na propaganda dalguns regimes políticos populistas como na leitura de
abordagens económico-liberais, defende-se que é preciso evitar a todo o custo a
chegada de pessoas migrantes. Simultaneamente argumenta-se que convém
limitar a ajuda aos países pobres, para que toquem o fundo e decidam adotar
medidas de austeridade. Não se dão conta que, atrás destas afirmações
abstratas difíceis de sustentar, há muitas vidas dilaceradas. Muitos fogem da
guerra, de perseguições, de catástrofes naturais. Outros, com pleno direito,
«andam à procura de oportunidades para si e para a sua família. Sonham com
um futuro melhor, e desejam criar condições para que se realize». (Exort. ap.
pós-sinodal Christus vivit, 25 de março de 2019, 91).

38. Infelizmente, outros são «atraídos pela cultura ocidental, nutrindo por vezes
expetativas irrealistas que os expõem a pesadas deceções. Traficantes sem
escrúpulos, frequentemente ligados a cartéis da droga e das armas, exploram a
fragilidade dos imigrantes, que, ao longo do seu percurso, muitas vezes
encontram a violência, o tráfico de seres humanos, o abuso psicológico e mesmo
físico e tribulações indescritíveis». (Exort. ap. pós-sinodal Christus vivit, 25 de
março de 2019, 92). As pessoas que emigram «experimentam a separação do
seu contexto de origem e, muitas vezes, também um desenraizamento cultural e
religioso. A fratura tem a ver também com as comunidades de origem, que
perdem os elementos mais vigorosos e empreendedores, e as famílias,
particularmente quando emigra um ou ambos os progenitores, deixando os filhos
no país de origem». (Exort. ap. pós-sinodal Christus vivit, 25 de março de 2019,
93). Por conseguinte, também deve ser «reafirmado o direito a não emigrar, isto
é, a ter condições para permanecer na própria terra» (Bento XVI, Mensagem
para o 99º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado em 2013, 12 de outubro de
2012).

39. Ainda por cima, «nalguns países de chegada, os fenómenos migratórios
suscitam alarme e temores, frequentemente fomentados e explorados para fins
políticos. Assim se difunde uma mentalidade xenófoba, de clausura e
retraimento em si mesmos» (Exort. ap. pós-sinodal Christus vivit, 25 de março
de 2019, 92). Os migrantes não são considerados suficientemente dignos de
participar na vida social como os outros, esquecendo-se que têm a mesma
dignidade intrínseca de toda e qualquer pessoa. Consequentemente, têm de ser
eles os «protagonistas da sua própria promoção» (Mensagem para o 106º Dia
Mundial do Migrante e do Refugiado em 2020, 13 de maio de 2020). Nunca se
dirá que não sejam humanos, mas na prática, com as decisões e a maneira de
os tratar, manifesta-se que são considerados menos valiosos, menos
importantes, menos humanos. É inaceitável que os cristãos partilhem esta
mentalidade e estas atitudes, fazendo às vezes prevalecer determinadas
preferências políticas em vez das profundas convicções da sua própria fé: a
dignidade inalienável de toda a pessoa humana, independentemente da sua
origem, cor ou religião, e a lei suprema do amor fraterno.

40. «As migrações constituirão uma pedra angular do futuro do mundo».
(Discurso ao corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé, 11 de janeiro de
2016). Hoje, porém, são afetadas por uma «perda daquele sentido de
responsabilidade fraterna, sobre o qual assenta toda a sociedade civil» (Discurso
ao corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé, 13 de janeiro de 2014). A
Europa, por exemplo, corre sérios riscos de ir por este caminho. Entretanto,
«ajudada pelo seu grande património cultural e religioso, possui os instrumentos
para defender a centralidade da pessoa humana e encontrar o justo equilíbrio
entre estes dois deveres: o dever moral de tutelar os direitos dos seus cidadãos
e o dever de garantir a assistência e o acolhimento dos imigrantes». (Discurso
ao corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé, 11 de janeiro de 2016)

41. Compreendo que alguns tenham dúvidas e sintam medo à vista das pessoas
migrantes; compreendo-o como um aspeto do instinto natural de autodefesa.
Mas também é verdade que uma pessoa e um povo só são fecundos, se
souberem criativamente integrar no seu seio a abertura aos outros. Convido a
ultrapassar estas reações primárias, porque «o problema surge quando [estas
dúvidas e este medo] condicionam de tal forma o nosso modo de pensar e agir,
que nos tornam intolerantes, fechados, talvez até – sem disso nos apercebermos
– racistas. E assim o medo priva-nos do desejo e da capacidade de encontrar o
outro». (Mensagem para o 105º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado em
2019 (27 de maio de 2019).

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PAPA FRANCISCO ANGELUS

Depois do Angelus:
Estimados irmãos e irmãs!
[…] Hoje a Igreja celebra o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado. Saúdo os
refugiados e migrantes presentes na Praça em redor do monumento intitulado
“Anjos sem o saber” (cf. Hb 13, 2), que benzi há um ano. Este ano eu quis
dedicar a minha mensagem aos deslocados internos, que são forçados a fugir,
como aconteceu também com Jesus e a sua família. «Como Jesus, forçados a
fugir», o mesmo acontece com os deslocados, os migrantes. A eles, de uma
forma especial, e àqueles que os assistem, dirigem-se a nossa memória e a
nossa oração. […]

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MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO PARA O DIA MUNDIAL DO MIGRANTE E DO REFUGIADO

No discurso que dirigi, nos primeiros dias deste ano, aos membros do Corpo
Diplomático acreditado junto da Santa Sé, mencionei entre os desafios do
mundo contemporâneo o drama dos deslocados dentro da própria nação: «Os
conflitos e as emergências humanitárias, agravadas pelas convulsões climáticas,
aumentam o número dos deslocados e repercutem-se sobre as pessoas que já
vivem em grave estado de pobreza. Muitos dos países atingidos por estas
situações carecem de estruturas adequadas que permitam atender às
necessidades daqueles que foram deslocados» (9/I/2020).
A Secção «Migrantes e Refugiados» do Dicastério para o Serviço do
Desenvolvimento Humano Integral publicou as Orientações Pastorais sobre as
Pessoas Deslocadas Internamente (5/V/2020), um documento que visa inspirar
e animar as ações pastorais da Igreja nesta área em particular.
Por tais razões, decidi dedicar esta Mensagem ao drama dos deslocados dentro
da nação, um drama – muitas vezes invisível – que a crise mundial causada pela
pandemia do Covid-19 exacerbou.De facto, esta crise, devido à sua veemência,
gravidade e extensão geográfica, redimensionou tantas outras emergências
humanitárias que afligem milhões de pessoas, relegando para um plano
secundário, nas Agendas políticas nacionais, iniciativas e ajudas internacionais,
essenciais e urgentes para salvar vidas. Mas, «este não é tempo para o
esquecimento. A crise que estamos a enfrentar não nos faça esquecer muitas
outras emergências que acarretam sofrimentos a tantas pessoas» (Francisco,
Mensagem Urbi et Orbi, 12/IV/2020).
À luz dos acontecimentos dramáticos que têm marcado o ano de 2020 quero,
nesta Mensagem dedicada às pessoas deslocadas internamente, englobar todos
aqueles que atravessaram e ainda vivem experiências de precariedade,
abandono, marginalização e rejeição por causa do vírus Covid-19.
E, como ponto de partida, gostaria de tomar o mesmo ícone que inspirou o Papa
Pio XII ao redigir a constituição apostólica Exsul Familia (1/VIII/1952): na sua
fuga para o Egito, o menino Jesus experimenta, juntamente com seus pais, a
dramática condição de deslocado e refugiado «marcada por medo, incerteza e
dificuldades (cf. Mt 2, 13-15.19-23). Infelizmente, nos nossos dias, há milhões
de famílias que se podem reconhecer nesta triste realidade. Quase todos os dias,
a televisão e os jornais dão notícias de refugiados que fogem da fome, da guerra
e doutros perigos graves, em busca de segurança e duma vida digna para si e
para as suas famílias» (Francisco, Angelus, 29/XII/2013). Em cada um deles,
está presente Jesus, forçado – como no tempo de Herodes – a fugir para Se
salvar. Nos seus rostos, somos chamados a reconhecer o rosto de Cristo faminto,
sedento, nu, doente, forasteiro e encarcerado que nos interpela (cf. Mt 25,
31-46). Se O reconhecermos, seremos nós a agradecer-Lhe por O termos podido
encontrar, amar e servir.
As pessoas deslocadas proporcionam-nos esta oportunidade de encontrar o
Senhor, «mesmo que os nossos olhos sintam dificuldade em O reconhecer: com
as vestes rasgadas, com os pés sujos, com o rosto desfigurado, o corpo
chagado, incapaz de falar a nossa língua» (Francisco, Homilia, 15/II/2019). É
um desafio pastoral ao qual somos chamados a responder com os quatro verbos
que indiquei na Mensagem para este mesmo Dia de 2018: acolher, proteger,
promover e integrar. A eles, gostaria agora de acrescentar seis pares de verbos
que traduzem ações muito concretas, interligadas numa relação de causa-efeito.
É preciso conhecer para compreender. O conhecimento é um passo necessário
para a compreensão do outro. Assim no-lo ensina o próprio Jesus no episódio
dos discípulos de Emaús:«Enquanto [estes] conversavam e discutiam,
aproximou-Se deles o próprio Jesus e pôs-Se com eles a caminho; os seus olhos,
porém, estavam impedidos de O reconhecer» (Lc 24, 15-16). Frequentemente,
quando falamos de migrantes e deslocados, limitamo-nos à questão do seu
número. Mas não se trata de números; trata-se de pessoas! Se as
encontrarmos, chegaremos a conhecê-las. E conhecendo as suas histórias,
conseguiremos compreender. Poderemos compreender, por exemplo, que a
precariedade, que estamos dolorosamente a experimentar por causa da
pandemia, é um elemento constante na vida dos deslocados.
É necessário aproximar-se para servir. Parece óbvio, mas muitas vezes não o é.
«Um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele [do homem espancado e
deixado meio-morto] e, vendo-o, encheu-se de compaixão. Aproximou-se,
ligou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho, colocou-o sobre a sua própria
montada, levou-o para uma estalagem e cuidou dele» (Lc 10, 33-34). Os receios
e os preconceitos – tantos preconceitos – mantêm-nos afastados dos outros e,
muitas vezes, impedem de «nos aproximarmos» deles para os servir com amor.
Abeirar-se do próximo frequentemente significa estar dispostos a correr riscos,
como muitos médicos e enfermeiros nos ensinaram nos últimos meses.
Aproximar-se para servir vai além do puro sentido do dever; o maior exemplo
disto, deixou-no-lo Jesus, quando lavou os pés dos seus discípulos: tirou o
manto, ajoelhou-Se e pôs mãos ao humilde serviço (cf. Jo 13, 1-15).
Para reconciliar-se é preciso escutar. No-lo ensina o próprio Deus que quis
escutar o gemido da humanidade com ouvidos humanos, enviando o seu Filho
ao mundo: «Tanto amou Deus o mundo, que lhe entregou o seu Filho Unigénito,
(…) para que o mundo seja salvo por Ele» (Jo 3, 16.17). O amor, que reconcilia e
salva, começa pela escuta. No mundo de hoje, multiplicam-se as mensagens,
mas vai-se perdendo a atitude de escutar. É somente através da escuta humilde
e atenta que podemos chegar verdadeiramente a reconciliar-nos. Durante
semanas neste ano de 2020, reinou o silêncio nas nossas ruas; um silêncio
dramático e inquietante, mas que nos deu ocasião para ouvir o clamor dos mais
vulneráveis, dos deslocados e do nosso planeta gravemente enfermo. E,
escutando, temos a oportunidade de nos reconciliar com o próximo, com tantas
pessoas descartadas, connosco e com Deus, que nunca Se cansa de nos oferecer
a sua misericórdia.
Para crescer é necessário partilhar. A primeira comunidade cristã teve, na
partilha, um dos seus elementos basilares: «A multidão dos que haviam
abraçado a fé tinha um só coração e uma só alma. Ninguém chamava seu ao
que lhe pertencia, mas entre eles tudo era comum» (At 4, 32). Deus não queria
que os recursos do nosso planeta beneficiassem apenas alguns. Não, o Senhor
não queria isso! Devemos aprender a partilhar para crescermos juntos, sem
deixar ninguém de fora. A pandemia veio-nos recordar que estamos todos no
mesmo barco. O facto de nos depararmos com preocupações e temores comuns
demonstrou-nos mais uma vez que ninguém se salva sozinho. Para crescer
verdadeiramente, devemos crescer juntos, partilhando o que temos, como
aquele rapazito que ofereceu a Jesus cinco pães de cevada e dois peixes (cf. Jo
6, 1-15); e foram suficientes para cinco mil pessoas…
É preciso coenvolver para promover. Efetivamente, assim procedeu Jesus com a
mulher samaritana (cf. Jo 4, 1-30). O Senhor aproxima-Se, escuta-a, fala-lhe ao
coração, para então a guiar até à verdade e torná-la anunciadora da boa nova:
«Vinde ver um homem que me disse tudo o que eu fiz! Não será Ele o Messias?»
(4, 29). Por vezes, o ímpeto de servir os outros impede-nos de ver a sua riqueza
íntima. Se queremos verdadeiramente promover as pessoas a quem oferecemos
ajuda, devemos coenvolvê-las e torná-las protagonistas da sua promoção. A
pandemia recordou-nos como é essencial a corresponsabilidade, pois só foi
possível enfrentar a crise com a contribuição de todos, mesmo de categorias
frequentemente subestimadas. Devemos «encontrar a coragem de abrir espaços
onde todos possam sentir-se chamados e permitir novas formas de
hospitalidade, de fraternidade e de solidariedade» (Francisco, Meditação na
Praça de São Pedro, 27/III/2020).
É necessário colaborar para construir. Isto mesmo recomenda o apóstolo Paulo à
comunidade de Corinto:«Peço-vos, irmãos, em nome de Nosso Senhor Jesus
Cristo, que estejais todos de acordo e que não haja divisões entre vós;
permanecei unidos num mesmo espírito e num mesmo pensamento» (1 Cor 1,
10). A construção do Reino de Deus é um compromisso comum a todos os
cristãos e, para isso, é necessário que aprendamos a colaborar, sem nos
deixarmos tentar por invejas, discórdias e divisões. No contexto atual, não posso
deixar de reiterar que «este não é tempo para egoísmos, pois o desafio que
enfrentamos nos une a todos e não faz distinção de pessoas» (Francisco,
Mensagem Urbi et Orbi, 12/IV/2020). Para salvaguardar a Casa Comum e
torná-la cada vez mais parecida com o plano original de Deus, devemos
empenhar-nos em garantir a cooperação internacional, a solidariedade global e o
compromisso local, sem deixar ninguém de fora.
Quero concluir com uma oração inspirada no exemplo de São José,
particularmente quando foi forçado a fugir para o Egito a fim de salvar o Menino:
«Pai, confiastes a São José o que tínheis de mais precioso: o Menino Jesus e sua
mãe, para os proteger de perigos e ameaças dos malvados.
Concedei-nos, também a nós, a graça de experimentar a sua proteção e ajuda.
Tendo ele provado o sofrimento de quem foge por causa do ódio dos poderosos,
fazei que possa confortar e proteger todos os irmãos e irmãs que, forçados por
guerras, pobreza e carências, deixam a sua casa e a sua terra a fim de se
lançarem ao caminho como refugiados rumo a lugares mais seguros.
Ajudai-os, pela sua intercessão, a terem força para prosseguir, conforto na
tristeza, coragem na provação.
Dai a quem os recebe um pouco da ternura deste pai justo e sábio, que amou
Jesus como um verdadeiro filho e amparou Maria ao longo do caminho.
Ele, que ganhou o pão com o trabalho das suas mãos, possa prover àqueles a
quem a vida tudo levou, dando-lhes a dignidade dum trabalho e a serenidade
duma casa.
Nós Vo-lo pedimos por Jesus Cristo, vosso Filho, que São José salvou fugindo
para o Egito, e por intercessão da Virgem Maria, a quem ele amou como esposo
fiel segundo a vossa vontade. Amen».
Roma, em São João de Latrão, na Memória de Nossa Senhora de Fátima,
13 de maio de 2020.

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PAPA FRANCISCO AUDIÊNCIA GERAL

[…] Dizendo-o com a linguagem das pessoas comuns: ouvimos mais os
poderosos do que os débeis e o caminho não é este, não é o caminho humano,
não é o caminho que Jesus nos ensinou, não é esta a atuação do princípio de
subsidiariedade. Assim, não permitimos que as pessoas sejam «protagonistas do
próprio resgate». No inconsciente coletivo de alguns políticos ou de certos
sindicalistas há este lema: tudo para o povo, nada com o povo. De cima para
baixo, mas sem ouvir a sabedoria do povo, sem deixar atuar esta sabedoria para
resolver problemas, neste caso para sair da crise. Ou pensemos também no
modo de curar o vírus: ouvimos mais as grandes empresas farmacêuticas do que
os profissionais da saúde, que estão na linha da frente nos hospitais ou nos
campos de refugiados. Este não é um bom caminho! Todos devem ser ouvidos,
os que estão no alto e quantos estão em baixo, todos. […]

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PAPA FRANCISCO ANGELUS

Depois do Angelus:
Nos últimos dias, uma série de incêndios devastou o campo de refugiados em
Moria, ilha de Lesbos, deixando milhares de pessoas sem um abrigo, mesmo se
era precário. Está sempre viva em mim a recordação da visita que fiz e do apelo
lançado juntamente com o Patriarca Ecuménico Bartolomeu e com o Arcebispo
Ieronymos de Atenas, para assegurar «um acolhimento humano e digno para as
mulheres e homens migrantes, refugiados e requerentes de asilo na Europa» (16
de abril de 2016). Manifesto a minha solidariedade e proximidade a todas as
vítimas destes acontecimentos dramáticos.