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DISCURSO DO SANTO PADRE FRANCISCO NA CONCLUSÃO DA ORAÇÃO ECUMÉNICA «O SENHOR DEUS TEM PROJETOS DE PAZ. JUNTOS EM PROL DO LÍBANO»

Queridos irmãos e irmãs!
Reunimo-nos hoje para rezar e refletir, impelidos por uma grande preocupação pelo Líbano ao ver mergulhado numa grave crise este país, que trago no coração e desejo visitar. Agradeço a todos os participantes por terem acolhido prontamente o convite e pela partilha fraterna. Nós pastores, sustentados pela oração do Povo santo de Deus, neste momento escuro procuramos, juntos, orientar-nos à luz de Deus. E, na sua luz, vimos antes de mais nada as nossas sombras: os erros cometidos quando não testemunhamos o Evangelho com toda a coerência, as ocasiões perdidas no caminho da fraternidade, reconciliação e plena unidade. Disto, pedimos perdão e, de coração contrito, dizemos: «Senhor, misericórdia!» (cf. Mt 15, 22).
[…] Projetos de paz e não de desgraça. Hoje, como cristãos, queremos renovar o nosso compromisso de construir um futuro juntos, porque o futuro só será pacífico se for comum. As relações entre os homens não se podem basear na busca de interesses, privilégios e lucros de parte. Isto não! A visão cristã da sociedade deriva das Bem-aventuranças, brota da mansidão e da misericórdia, leva a imitar no mundo o agir de Deus, que é Pai e deseja a concórdia entre os filhos. Nós, cristãos, somos chamados a ser semeadores de paz e artesãos de fraternidade, a não viver de rancores e remorsos passados, não fugir das responsabilidades do presente, a cultivar um olhar de esperança sobre o futuro. Acreditamos que Deus indique um único rumo para o nosso caminho: o rumo da paz. Por isso, aos irmãos e irmãs muçulmanos e doutras religiões, asseguramos abertura e disponibilidade para colaborar na construção da fraternidade e na promoção da paz. Esta «não exige vencedores nem vencidos, mas irmãos e irmãs que, não obstante as incompreensões e as feridas do passado, passem do conflito à unidade» (Discurso no Encontro inter-religioso, Ur 06/III/2021). Neste sentido, espero que este dia seja seguido de iniciativas concretas sob o signo do diálogo, do empenho educativo e da solidariedade. […]

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ANGELUS

Depois do Angelus:
Prezados irmãos e irmãs!
[…] Saúdo de coração todos vós, peregrinos italianos e de vários países; mas hoje dirijo-me de modo especial aos romanos, na festa dos nossos Santos Padroeiros. Abençoo-vos, diletos romanos! Desejo todo o bem à cidade de Roma: que, graças ao esforço de todos vós, de todos os cidadãos, seja habitável e hospitaleira, que ninguém seja excluído, que as crianças e os idosos sejam cuidados, que haja trabalho e que seja digno, que os pobres e os últimos estejam no centro de projetos políticos e sociais. Rezo por isto. E também vós, caríssimos fiéis de Roma, orai pelo vosso Bispo. Obrigado! […]

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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO À DELEGAÇÃO DO PATRIARCADO ECUMÊNICO DE CONSTANTINOPLA

[…] Portanto, levar a sério a crise que estamos a atravessar significa, para nós cristãos a caminho da plena comunhão, perguntarmo-nos como queremos proceder. Cada crise nos apresenta uma encruzilhada e abre dois caminhos: o do fechamento dentro de si mesmo, na busca da própria segurança e oportunidades, ou o da abertura aos outros, com os riscos que isso implica, mas sobretudo com os frutos da graça que Deus garante. Caros irmãos, não terá chegado o momento, com a ajuda do Espírito, de dar um novo impulso ao nosso caminho a fim de abater antigos preconceitos e superar definitivamente as rivalidades prejudiciais? Sem ignorar as diferenças que terão de ser superadas através do diálogo, da caridade e da verdade, não poderíamos inaugurar uma nova fase de relações entre as nossas Igrejas, caraterizada por caminharmos mais juntos, por querermos dar verdadeiros passos em frente, por nos sentirmos verdadeiramente corresponsáveis uns pelos outros? Se formos dóceis ao amor, o Espírito Santo, que é o amor criador de Deus e traz harmonia na diversidade, abrirá o caminho para uma fraternidade renovada. […]

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CARTA DO SANTO PADRE FRANCISCO ÀS PATRIARCAS CATÓLICAS DO ORIENTE MÉDIO

Bem-aventuranças,
Queridos irmãos em Cristo,

Com alegria aceitei o convite que me dirigiste para me juntar a vós neste dia especial, em que cada um de vós celebra com os vossos fiéis uma Divina Liturgia para invocar do Senhor o dom da paz no Médio Oriente e consagrá-lo à Sagrada Família.

Desde o início do meu pontificado tenho procurado aproximar-me dos vossos sofrimentos, tanto fazendo-me peregrino primeiro na Terra Santa, depois no Egito, nos Emirados Árabes Unidos e finalmente há alguns meses no Iraque, como convidando toda a Igreja à oração e à solidariedade, concreta para a Síria, o Líbano, tão provados pela guerra e pela instabilidade social, política e econômica. Depois, recordo-me bem do encontro de 7 de julho de 2018 em Bari, e agradeço-lhe porque, com a sua reunião de hoje, está a preparar os corações para a convocação do próximo dia 1 de julho no Vaticano, juntamente com todos os chefes das Igrejas da Terra da Cedros.

A Sagrada Família de Jesus, José e Maria, a quem escolhestes consagrar o Médio Oriente, representa bem a vossa identidade e a vossa missão. Antes de mais nada guardava o mistério de se fazer carne do Filho de Deus, se constituía em torno de Jesus e por causa dele. Maria deu-nos, através do seu sim ao anúncio do anjo em Nazaré, José o acolheu, permanecendo também enquanto adormecido ouvindo a voz de Deus e estando pronto para fazer Sua vontade, uma vez despertado. Mistério de humildade e expropriação, como no nascimento de Belém, reconhecido pelos pequeninos e longínquos, mas ameaçado por aqueles que se apegavam mais ao poder terreno do que maravilhados com o cumprimento da promessa de Deus. encarnados, José e Maria partiram, indo para o Egito, unindo a humildade do nascimento em Belém com a indigência das pessoas forçadas a emigrar. Assim, porém, permanecem fiéis à sua vocação e antecipam inconscientemente aquele destino de exclusão e perseguição que será de Jesus quando se tornar adulto que, no entanto, revelará a resposta do Pai na manhã de Páscoa.

A consagração à Sagrada Família convida também cada um de vós a redescobrir como pessoa e como comunidade a vossa vocação de ser cristão no Médio Oriente, não só pedindo o justo reconhecimento dos vossos direitos como cidadãos originários dessas queridas terras, mas também por vivendo a tua missão de guardiães e testemunhas das primeiras origens apostólicas. Durante a minha viagem ao Iraque utilizei em duas ocasiões a imagem do tapete, que as mãos hábeis de homens e mulheres do Médio Oriente sabem tecer, criando geometrias precisas e imagens preciosas, fruto do entrelaçamento de numerosos fios que só estando juntos lado a lado, eles se tornam uma obra-prima. Se a violência, a inveja, a divisão podem vir a rasgar até mesmo um desses fios, o todo fica ferido e desfigurado. Naquela época, os planos e acordos humanos pouco podem fazer se não confiarmos no poder curador de Deus, grandes santos de suas respectivas tradições: copta, maronita, melquita, siríaco, armênio, caldeu, latim.

Quantas civilizações e dominações surgiram, floresceram e depois caíram, com suas admiráveis obras e conquistas no terreno: tudo passou. A partir de nosso pai Abraão, a Palavra de Deus continuou sendo uma lâmpada que iluminou e ilumina nossos passos.

Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz, disse o Ressuscitado aos discípulos ainda temerosos no Cenáculo depois da Páscoa: também eu, agradecendo-vos pelo vosso testemunho e pela perseverança na fé, convido-vos a viver a profecia do ser humano irmandade, que esteve no centro das minhas reuniões em Abu Dhabi e Najaf, bem como na minha Carta Encíclica Fratelli Tutti. Sede mesmo o sal das vossas terras, dão sabor à vida social, desejosos de contribuir para a construção do bem comum, segundo os princípios da Doutrina Social da Igreja que tanto precisa de ser conhecida, como indicava o Post – Exortação apostólica sinodal Ecclesia in Medio Oriente e, como quiseste recordar, comemorando o 130o aniversário da carta encíclica Rerum Novarum. Enquanto concedo de coração a minha Bênção Apostólica a todos os que participaram nesta celebração e aos que a seguirão através dos meios de comunicação, peço-vos que rezeis por mim.

Roma, San Giovanni in Laterano, 27 de junho de 2021

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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO AOS MEMBROS DA CÁRITAS ITALIANA NO 50° ANIVERSÁRIO DE FUNDAÇÃO

Queridos irmãos e irmãs, bom dia, bem-vindos a todos
Agradeço ao Cardeal Bassetti e ao Presidente da Cáritas italiana, Monsenhor
Redaelli, as palavras que me dirigiram em nome de todos. Obrigado. Viestes de
toda a Itália, representando as 218 Cáritas diocesanas e a Cáritas italiana, e
tenho o prazer de partilhar convosco este Jubileu, o vosso quinquagésimo ano de
vida! Sois uma parte viva da Igreja, sois “a nossa Cáritas”, como gostava de
dizer São Paulo VI, o Papa que a quis e instituiu. Encorajou a Conferência
Episcopal Italiana a criar um corpo pastoral para promover o testemunho da
caridade no espírito do Concílio Vaticano II, para que a comunidade cristã fosse
sujeito de caridade . Confirmo a vossa tarefa: na atual mudança de época, há
muitos desafios e dificuldades, há cada vez mais rostos dos pobres e situações
complexas no território. Mas — dizia São Paulo VI — «as nossas organizações da
Cáritas estão a trabalhar para além das suas forças» (Angelus , 18 de janeiro de
1976). E isto é verdade!
A celebração dos 50 anos é uma etapa para agradecer ao Senhor a viagem feita
e para renovar, com a sua ajuda, o impulso e os compromissos. A este respeito,
gostaria de indicar três caminhos, três percursos a seguir.
O primeiro, o caminho dos últimos . Começamos por eles, pelos mais frágeis e
indefesos. A partir deles. Se não começarmos por eles, não compreenderemos
nada. E permito-me uma confidência. Há dias ouvi, sobre isto, palavras de
experiência, da boca do padre Franco, aqui presente. Ele não quer que digamos
“eminência”, “cardeal Montenegro”: padre Franco. E ele explicou-me isto, o
caminho dos últimos, porque viveu assim toda a sua vida. Nele, agradeço a
muitos homens e mulheres que fazem caridade porque a viveram desta forma,
compreenderam o caminho dos últimos. A caridade é a misericórdia que vai em
busca dos mais fracos, que vai até às fronteiras mais difíceis para libertar as
pessoas da escravidão que as oprime e para as tornar protagonistas da própria
vida. Nestas cinco décadas, muitas escolhas significativas ajudaram as Cáritas e
as Igrejas locais a praticar esta misericórdia: da objeção de consciência ao apoio
ao trabalho voluntário; do compromisso à cooperação com o Sul do planeta às
intervenções em situações de emergência em Itália e no mundo inteiro; de uma
abordagem global ao complexo fenómeno das migrações, com propostas
inovadoras como os corredores humanitários, à ativação de instrumentos
capazes de aproximar a realidade, tais como os Centros de escuta e os
Observatórios de pobreza e recursos. É bom alargar os caminhos da caridade,
mantendo sempre o nosso olhar fixo nos últimos de todos os tempos. Alargar o
olhar, sim, mas a partir dos olhos do pobre à minha frente. É assim que
aprendemos. Se não formos capazes de fitar os olhos dos pobres, de os fitar nos
olhos, de os tocar com um abraço, com uma mão, nada faremos. É com os seus
olhos que precisamos de ver a realidade, porque ao fitarmos os olhos dos pobres
olhamos para a realidade de uma forma diferente da que está na nossa
mentalidade. A história não deve ser vista da perspetiva dos vencedores, que a
fazem parecer bela e perfeita, mas da perspetiva dos pobres, porque é a
perspetiva de Jesus. São os pobres que põem o dedo na ferida das nossas
contradições e perturbam a nossa consciência de uma forma saudável,
convidando-nos a mudar. E quando o nosso coração, a nossa consciência,
olhando para o pobre, para os pobres, não se perturba, paramos…, devemos
parar: alguma coisa não está a funcionar.
Uma segunda via a que não se pode renunciar: a via do Evangelho . Refiro-me
ao estilo a adotar, que é apenas um, o do Evangelho. É o estilo de amor
humilde, concreto, mas não vistoso, que se propõe mas não se impõe. É o estilo
do amor gratuito, que não procura recompensas. É o estilo de disponibilidade e
de serviço, à imitação de Jesus que se fez nosso servo. É o estilo descrito por
São Paulo, quando diz que a caridade «tudo desculpa, tudo crê, tudo espera,
tudo suporta» (1 Cor 13, 7). Surpreende-me a palavra tudo . Tudo. É dita a nós,
que gostamos de fazer distinções. Tudo. A caridade é inclusiva, não lida apenas
com o aspeto material nem sequer espiritual. A salvação de Jesus abraça o
homem inteiro. Precisamos de uma caridade dedicada ao desenvolvimento
integral da pessoa: uma caridade espiritual, material, intelectual. É o estilo
integral que experimentastes em grandes calamidades, também através de
geminações, uma bela experiência de aliança em toda a espécie de caridade
entre as Igrejas da Itália, da Europa e do mundo. Mas isto — como bem sabeis
— não deve acontecer apenas por ocasião de calamidades: precisamos que as
Cáritas e as comunidades cristãs estejam sempre atentas para servir o homem
todo, pois «o homem é o caminho da Igreja», segundo a expressão concisa de
São João Paulo ii (cf. Carta Encíclica Redemptor hominis , 14).
O caminho do Evangelho mostra-nos que Jesus está presente em cada pessoa
pobre. É bom que nos lembremos disto para nos libertarmos da tentação sempre
recorrente da autorreferencialidade eclesiástica e para sermos uma Igreja de
ternura e proximidade, onde os pobres são bem-aventurados, onde a missão
está no centro, onde a alegria nasce do serviço. Recordemos que o estilo de
Deus é o estilo de proximidade, compaixão e ternura. Este é o estilo de Deus. Há
dois mapas evangélicos que nos ajudam a não nos perdermos no caminho: as
bem-aventuranças (Mt 5, 3-12; 25, 31-46). Nas bem-aventuranças, a situação
dos pobres é revestida de esperança e o seu consolo torna-se uma realidade,
enquanto as palavras do Juízo final — o protocolo pelo qual seremos julgados —
fazem-nos encontrar Jesus presente nos pobres de cada época. E das fortes
expressões de juízo do Senhor também derivamos o convite para a parrésia da
denúncia . Nunca é uma polémica contra ninguém, mas uma profecia para
todos: proclamar a dignidade humana quando é espezinhada, fazer ouvir o grito
sufocado dos pobres, dar voz àqueles que não a têm.
E o terceiro é o caminho da criatividade . A rica experiência destes cinquenta
anos não é uma bagagem de coisas a repetir; é a base sobre a qual construir a
fim de aplicar de forma constante aquilo a que São João Paulo ii chamou a
fantasia da caridade (cf. Carta Apostólica Novo millennio ineunte , 50). Não vos
deixeis desencorajar pelo número crescente de novos pobres e de novas formas
de pobreza. São muitas e estão a aumentar! Continuai a cultivar sonhos de
fraternidade e a ser sinais de esperança . Imunizai-vos contra o vírus do
pessimismo, partilhando a alegria de serdes uma grande família. Nesta
atmosfera fraterna, o Espírito Santo, criador e criativo, e também poeta, irá
sugerir novas ideias, adequadas à época em que vivemos.
E agora — depois deste sermão de Quaresma — gostaria de vos dizer obrigado,
obrigado: obrigado aos trabalhadores, aos sacerdotes e aos voluntários!
Obrigado também pois por ocasião da pandemia a rede das Cáritas intensificou a
sua presença e aliviou a solidão, o sofrimento e as necessidades de muitos. Há
dezenas de milhares de voluntários, incluindo muitos jovens, incluindo os que
estão no serviço civil, que ofereceram, durante este tempo, escuta e respostas
concretas aos que se encontram em dificuldade. É precisamente aos jovens que
eu gostaria que se prestasse atenção. São as vítimas mais frágeis desta época
de mudança, mas são também os agentes potenciais de uma mudança de
época. Eles são os protagonistas do futuro. Eles não são o futuro, são o
presente, mas são os protagonistas do futuro. Nunca é desperdiçado o tempo
que lhes é dedicado, para tecer juntos, com amizade, entusiasmo e paciência,
relações que superem as culturas da indiferença e da aparência. O “gosto ” não
é suficiente para viver: há necessidade de fraternidade, há necessidade de
verdadeira alegria. A Cáritas pode ser um ginásio da vida para fazer muitos
jovens descobrir o sentido do dom, para os fazer provar o bom gosto de se
redescobrirem a si próprios, dedicando o seu tempo aos outros. Desta forma, a
própria Cáritas permanecerá jovem e criativa, mantendo um olhar simples e
direto, que se volta destemidamente para o Alto e para o próximo, como fazem
as crianças. Não esquecer o modelo das crianças: para o Alto e para o próximo.
Queridos amigos, por favor lembrai-se destes três caminhos e percorrei-os com
alegria: começar pelos últimos, manter o estilo do Evangelho, desenvolver a
criatividade . Saúdo-vos com uma frase do Apóstolo Paulo, que celebraremos
dentro de alguns dias: «O amor de Cristo nos constrange» (2 Cor 5, 14). O
amor de Cristo constrange-nos. Desejo que vos deixeis constranger por esta
caridade: senti-vos escolhidos por amor todos os dias, experimentai a carícia
misericordiosa do Senhor que repousa sobre vós e levai-a aos outros.
Acompanho-vos com a oração, abençoo-vos; e peço-vos que rezeis por mim,
por favor. Obrigado!

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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO AOS PARTICIPANTES NA ASSEMBLEIA DA REUNIÃO DAS OBRAS PARA A AJUDA ÀS IGREJAS ORIENTAIS (R.O.A.C.O.)

Queridos amigos!
Sinto-me feliz por me encontrar convosco no final dos trabalhos desta vossa
sessão plenária. Saúdo o Cardeal Leonardo Sandri, o Cardeal Zenari, D.
Pizzaballa, os demais Superiores do Dicastério — que entretanto mudaram — os
Oficiais e os membros das Agências que compõem a vossa Assembleia.
O facto de vos encontrardes em presença dá confiança e ajuda o vosso trabalho,
dado que no ano passado só foi possível estabelecer uma ligação à distância
para refletir em conjunto; mas sabemos que não é a mesma coisa: precisamos
de nos encontrarmos, de fazer com que as palavras e os pensamentos
dialoguem melhor, de acolher as perguntas e o grito que chegam de muitas
partes do mundo, especialmente das Igrejas e dos países a favor dos quais
realizais a vossa obra. Eu próprio sou testemunha disto, pois foi precisamente
neste contexto, em 2019, que anunciei a minha intenção de viajar ao Iraque, e
graças a Deus, há alguns meses, pude realizar este desejo. Tive o prazer de
incluir, entre as pessoas do séquito, uma vossa Representante, também em sinal
de gratidão pelo que fizestes e pelo que fareis.
Apesar da pandemia, durante este ano realizastes reuniões extraordinárias,
tanto para tratar da situação na Eritreia como para acompanhar a do Líbano,
após a terrível explosão no porto de Beirute, no dia 4 de agosto. E a este
respeito agradeço-vos o vosso compromisso em apoiar o Líbano nesta grave
crise; e peço-vos que rezeis e convideis a fazê-lo pelo encontro que teremos no
dia 1 de julho, juntamente com os Chefes das Igrejas cristãs do país, para que o
Espírito Santo nos guie e nos ilumine.
Através de vós, gostaria de expressar os meus agradecimentos a todas as
pessoas que apoiam os vossos projetos, tornando-os possíveis: muitas vezes
são simples fiéis, famílias, paróquias, voluntários… pois sabem que são “todos
irmãos” e dedicam um pouco do seu tempo e dos seus recursos àquelas
realidades pelas quais vos preocupais. Disseram-me que em 2020 a Coleta para
a Terra Santa recolheu cerca de metade do que nos anos anteriores.
Certamente, pesaram muito os longos meses em que as pessoas não puderam
reunir-se nas igrejas para as celebrações, mas também a crise económica
gerada pela pandemia. Se por um lado isto é bom para nós, porque nos impele a
uma maior essencialidade, no entanto não nos pode deixar indiferentes,
pensando nas ruas vazias de Jerusalém, sem peregrinos que a visitam para se
regenerar na fé, mas também para manifestar solidariedade concreta com as
Igrejas e as populações locais. Portanto, renovo o apelo a todos a fim de que
redescubram a importância desta caridade, da qual São Paulo já falava nas suas
Cartas e que São Paulo vi quis reorganizar com a Carta Apostólica Nobis in
animo, de 1974, que proponho mais uma vez na sua plena atualidade e
validade.
Na vossa reunião, refletistes sobre vários contextos geográficos e eclesiais. Em
primeiro lugar, a própria Terra Santa, com Israel e a Palestina, povos para os
quais sonhamos sempre que se abra o arco da paz, concedido por Deus a Noé
como sinal da aliança entre o céu e a terra, e da paz entre os homens (cf. Gn 9,
12-17). No entanto, com demasiada frequência, até recentemente, aqueles céus
são sulcados por mísseis que trazem destruição, morte e medo!
O grito que se levanta da Síria está sempre presente no coração de Deus, mas
parece que não consegue comover o dos homens, que têm nas mãos o destino
dos povos. Resta o escândalo de dez anos de conflito, de milhões de pessoas
deslocadas interna e externamente, das vítimas, da necessidade de reconstrução
ainda refém da lógica partidária e da falta de decisões corajosas para o bem
daquela atormentada Nação.
Além do Cardeal Zenari, Núncio Apostólico em Damasco, a presença dos
Representantes Pontifícios no Líbano, Iraque, Etiópia, Arménia e Geórgia, que
saúdo e agradeço de coração, permitiu-vos refletir sobre a situação eclesial
naqueles países. O vosso estilo é precioso, pois ajuda os Pastores e os fiéis a
concentrar-se no que é essencial, ou seja, no que é necessário para o anúncio
do Evangelho, manifestando juntos o rosto da Igreja, que é Mãe, com particular
atenção aos pequeninos e aos pobres. Às vezes é necessário reconstruir edifícios
e catedrais, incluindo os destruídos pelas guerras, mas antes de mais devemos
ter no coração as pedras vivas que estão feridas e dispersas.
Acompanho com apreensão a situação que se gerou com o conflito na região de
Tigray, na Etiópia, consciente de que o seu alcance também abrange a vizinha
Eritreia. Além das diferenças religiosas e confessionais, apercebemo-nos do quão
essencial é a mensagem da Fratelli tutti, quando as diferenças entre etnias e as
consequentes lutas pelo poder são erigidas como sistema.
No final da minha Viagem Apostólica à Arménia, em 2016, com o Catholicos
Karekin ii, libertamos pombas no céu, como sinal e desejo de paz em toda a
região do Cáucaso. Infelizmente, ela foi ferida de novo nos últimos meses, e por
isso agradeço a vossa atenção à realidade da Geórgia e da Arménia, para que a
comunidade católica possa continuar a ser sinal e fermento de vida evangélica.
Caríssimos, obrigado pela vossa presença, obrigado pela vossa escuta e pela
vossa obra! Abençoo cada um de vós e o vosso trabalho. E vós, por favor,
continuai a rezar por mim. Obrigado!

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MENSAGEM EM VÍDEO DO PAPA FRANCISCO POR OCASIÃO DA 109a CONFERÊNCIA DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO

Senhor Presidente da Conferência Internacional do Trabalho
Estimados Representantes de Governos, Organizações de Empregadores e de
Trabalhadores!
Agradeço ao Diretor-Geral, Senhor Guy Ryder, que tão gentilmente me convidou
a apresentar esta mensagem à Cimeira sobre o mundo do trabalho. Esta
Conferência é convocada num momento crucial da história social e económica,
que apresenta graves e amplos desafios para o mundo inteiro. Nos últimos
meses, a Organização Internacional do Trabalho, através dos seus relatórios
periódicos, levou a cabo um trabalho louvável dedicando especial atenção aos
nossos irmãos e irmãs mais vulneráveis.
Durante a persistente crise, deveríamos continuar a tomar “cuidados especiais”
pelo bem comum. Muitos dos transtornos possíveis e previstos ainda não se
manifestaram, por isso serão necessárias decisões atentas. A redução do horário
de trabalho nos últimos anos originou quer a perda de empregos quer a redução
do horário de trabalho para quantos mantêm o seu emprego. Muitos serviços
públicos, assim como empresas, enfrentaram dificuldades enormes, e alguns
correm o risco de falência total ou parcial. No mundo inteiro, em 2020
observamos uma perda de empregos sem precedentes.
Na pressa de regressar a uma maior atividade económica no final da ameaça da
Covid-19, evitemos as passadas insistências sobre o lucro, o isolacionismo, o
nacionalismo, o consumismo cego e a negação das evidências claras que
apontam para a discriminação contra os nossos irmãos e irmãs “descartáveis” da
sociedade. Ao contrário, procuremos soluções que nos ajudem a construir um
novo futuro de trabalho baseado em condições laborais decentes e dignas, que
derive da negociação coletiva e promova o bem comum, uma base que faça do
trabalho um componente essencial do nosso cuidado pela sociedade e pela
criação. Neste sentido, o trabalho é verdadeira e essencialmente humano. É
disto que se trata, que seja humano!
Recordando o papel fundamental que desempenham esta Organização e esta
Conferência como lugares privilegiados para um diálogo construtivo, somos
chamados a dar prioridade à nossa resposta aos trabalhadores, que se
encontram à margem do mundo do trabalho e ainda são atingidos pela
pandemia da Covid-19: trabalhadores pouco qualificados, diaristas,
trabalhadores no âmbito informal, trabalhadores migrantes e refugiados,
quantos se ocupam daquele que se costuma denominar o “trabalho
tridimensional” — perigoso, sujo e degradante, e assim por diante.
Muitos migrantes e trabalhadores vulneráveis, com as suas famílias, são
frequentemente excluídos do acesso a programas nacionais de promoção da
saúde, de prevenção de doenças, de tratamentos e cuidados, assim como dos
planos de proteção financeira e dos serviços psicossociais. É um dos muitos
casos desta filosofia do descarte, que nos habituamos a impor nas nossas
sociedades. Esta exclusão complica a identificação preventiva, os testes, o
diagnóstico, o rastreio de contactos e a busca de cuidados médicos para a
Covid-19, a favor dos refugiados e migrantes, aumentando assim o risco de
surtos entre estas populações. Tais surtos podem deixar de ser controlados ou
até ser ativamente ocultados, representando uma ameaça adicional para a saúde
pública [1].
A falta de medidas de proteção social diante do impacto da Covid-19 provocou o
aumento da pobreza, do desemprego, do subemprego, o aumento da
informalidade do trabalho, o atraso na entrada dos jovens no mercado de
trabalho, o que é muito grave, o aumento do trabalho infantil, ainda mais grave,
a vulnerabilidade ao tráfico de seres humanos, a insegurança alimentar e a
maior exposição a infeções entre categorias como os doentes e os idosos. A tal
respeito, estou grato por esta oportunidade de apresentar algumas
preocupações e observações fundamentais.
Em primeiro lugar, é missão essencial da Igreja apelar a todos a fim de que
trabalhem em conjunto, com os governos, as organizações multilaterais e a
sociedade civil, para servir e cuidar do bem comum e assegurar a participação
de todos neste esforço. Ninguém deve ser deixado de lado num diálogo para o
bem comum, cujo objetivo é, acima de tudo, construir, consolidar a paz e a
confiança entre todos. Os mais vulneráveis — jovens, migrantes, comunidades
indígenas, pobres — não podem ser deixados de lado num diálogo que deveria
reunir também governos, empresários e trabalhadores. É também essencial que
todas as confissões e comunidades religiosas se comprometam juntas. A Igreja
tem uma longa experiência na participação nestes diálogos através das suas
comunidades locais, movimentos e organizações populares, e oferece-se ao
mundo como construtora de pontes, a fim de ajudar a criar as condições para
este diálogo ou, quando for apropriado, ajudar a facilitá-lo. Estes diálogos em
prol do bem comum são essenciais para realizar um futuro sustentável e
solidário para a nossa casa comum e deveriam ter lugar a nível comunitário,
nacional e internacional. E uma das caraterísticas do verdadeiro diálogo é que
quantos dialogam estejam no mesmo nível de direitos e deveres. Não o facto de
que quem tem menos direitos ou mais direitos dialoga com quem não os tem.
Assim, o mesmo nível de direitos e deveres garante um diálogo sério.
Em segundo lugar, é também essencial para a missão da Igreja assegurar que
todos tenham a proteção de que necessitam, de acordo com as suas
vulnerabilidades: doença, idade, deficiência, deslocação, marginalização ou
dependência. Os sistemas de tutela social, que por sua vez enfrentam riscos
significativos, precisam de ser apoiados e ampliados para garantir o acesso aos
serviços de saúde, alimentação e necessidades humanas básicas. Em tempos de
emergência, tais como a pandemia da Covid-19, são necessárias medidas de
assistência especiais. Também é importante uma atenção particular à prestação
de assistência abrangente e eficaz mediante os serviços públicos. Os sistemas de
proteção social foram chamados a enfrentar muitos desafios da crise, ao mesmo
tempo que os seus pontos fracos se tornaram mais evidentes. Por fim, deve ser
garantida a tutela dos trabalhadores e dos mais vulneráveis através do respeito
dos seus direitos essenciais, incluindo o direito de sindicalização. Em síntese,
sindicalizar-se é um direito. A crise da Covid já atingiu os mais vulneráveis e eles
não deveriam ser afetados negativamente por medidas em vista de acelerar uma
recuperação que se concentre apenas nos índices económicos. Ou seja, aqui há
também a necessidade de uma reforma da economia, uma profunda reforma da
economia. O modo de gerir a economia deve ser diferente, também ele deve
mudar.
Neste momento de reflexão, enquanto procuramos modelar a nossa ação futura
e dar forma a uma agenda internacional pós-Covid-19, deveríamos prestar
especial atenção ao perigo real de esquecer quantos ficaram para trás. Correm o
risco de ser atacados por um vírus ainda pior do que a Covid-19: o da
indiferença egoísta. Isto é, uma sociedade não pode progredir descartando, não
pode progredir! Este vírus propaga-se, pensando que a vida é melhor se for
melhor para mim, e que tudo ficará bem se estiver bem para mim, e assim
começamos e acabamos por selecionar uma pessoa em vez de outra,
descartando os pobres, sacrificando os que ficam para trás no chamado “altar do
progresso”. É uma dinâmica totalmente elitista, de constituição de novas elites à
custa de descartar muitas pessoas e numerosos povos.
Olhando para o futuro, é essencial que a Igreja, e portanto a ação da Santa Sé
na Organização Internacional do Trabalho, apoie medidas que corrijam situações
injustas ou incorretas que prejudiquem as relações laborais, tornando-as
completamente subjugadas à ideia de “exclusão”, ou violando os direitos
fundamentais dos trabalhadores. Uma ameaça é constituída por teorias que
consideram o lucro e o consumo elementos independentes ou variáveis
autónomas da vida económica, excluindo os trabalhadores e determinando o seu
padrão de vida desequilibrado: «Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e
da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco. Em consequência
desta situação, grandes massas da população veem-se excluídas e
marginalizadas: sem trabalho, sem perspetivas, num beco sem saída» (Evangelii
gaudium, n. 53).
A atual pandemia recordou-nos que não existem diferenças nem limites entre
aqueles que sofrem. Somos todos frágeis e, ao mesmo tempo, todos de grande
valor. Espero que o que acontece à nossa volta nos desperte! Chegou o
momento de eliminar as desigualdades, de curar a injustiça que mina a saúde de
toda a família humana. Face à Agenda da Organização Internacional do Trabalho,
devemos continuar como em 1931, quando o Papa Pio xi, a seguir à da crise de
Wall Street e em plena “Grande Depressão”, denunciou a assimetria entre
trabalhadores e empresários como uma injustiça flagrante que concedia mão
livre e disponibilidade ao capital. Disse assim: «É certo que por muito tempo
pôde o capital arrogar-se demasiados direitos. Reclamava para si todos os
produtos e todos os lucros, deixando ao operário unicamente o bastante para
restaurar e reproduzir as forças» (Quadragesimo anno, n. 54). Até nestas
circunstâncias, a Igreja promoveu a posição de que a quantia da remuneração
pelo trabalho realizado não só deve visar satisfazer as necessidades imediatas e
presentes dos trabalhadores, mas também abrir a capacidade que os
trabalhadores têm de salvaguardar as poupanças futuras das suas famílias ou
investimentos capazes de garantir uma margem de segurança para o futuro.
Assim, pois, desde a primeira sessão da Conferência internacional, a Santa Sé
apoia um regulamento uniforme aplicável ao trabalho em todos os seus
diferentes aspetos, como uma garantia para os trabalhadores [2]. A sua
convicção é de que o trabalho, e portanto os trabalhadores, podem contar com
garantias, apoio e potenciação se forem protegidos contra o “jogo” da
desregulamentação. Além disso, as normas jurídicas devem ser orientadas para
a expansão do emprego, do trabalho digno e dos direitos e deveres da pessoa
humana. Todos eles são meios necessários para o seu bem-estar, para o
desenvolvimento humano integral e para o bem comum.
Respondendo às suas diferentes naturezas e funções, a Igreja católica e a
Organização Internacional do Trabalho podem continuar a seguir as respetivas
estratégias, mas também a aproveitar as oportunidades de colaboração numa
ampla variedade de ações relevantes.
Para promover esta ação comum, é necessário compreender corretamente o
trabalho. O primeiro elemento de tal entendimento exige a concentração
necessária em todas as formas de trabalho, incluindo as atípicas. O trabalho vai
além do que era tradicionalmente conhecido como “emprego formal”, e a Agenda
do Trabalho Digno deve incluir todas as formas de trabalho. A falta de tutela
social dos trabalhadores da economia informal e das suas famílias torna-os
particularmente vulneráveis aos choques, uma vez que não podem contar com a
proteção oferecida pela segurança social, nem por regimes de assistência social
orientados para a pobreza. As mulheres da economia informal, incluindo as
vendedoras ambulantes e as empregadas domésticas, sentem o impacto da
Covid-19 de muitas maneiras, desde o isolamento até à exposição extrema aos
riscos para a saúde. Na ausência de estruturas acessíveis, os filhos destas
trabalhadoras estão expostos a um maior risco para a saúde, dado que as
mulheres devem levá-los para os postos de trabalho ou deixá-los desprotegidos
em casa [3]. Portanto, existe uma forte necessidade de assegurar que a
assistência social chegue à economia informal, prestando especial atenção às
necessidades particulares das mulheres e das meninas.
A pandemia lembra-nos que muitas mulheres no mundo inteiro continuam a
clamar por liberdade, justiça e igualdade entre todos as pessoas humanos:
«Apesar das melhorias notáveis alcançadas no reconhecimento dos direitos da
mulher e na sua participação no espaço público, ainda há muito que avançar
nalguns países. Não se acabou ainda de erradicar costumes inaceitáveis; destaco
a violência vergonhosa que, às vezes, se exerce sobre as mulheres, os
maus-tratos familiares e várias formas de escravidão […] penso […] na
desigualdade de acesso a postos de trabalho dignos e aos lugares onde as
decisões são tomadas» (Amoris laetitia, n. 54).
O segundo elemento para uma correta compreensão do trabalho: se o trabalho é
uma relação, então deve incorporar a dimensão do cuidado, pois nenhuma
relação pode sobreviver sem o cuidado. Aqui não nos referimos apenas ao
trabalho de cuidados: a pandemia recorda-nos a sua importância fundamental,
que talvez tenhamos negligenciado. O cuidado vai além; deve ser uma dimensão
de todo o trabalho. O trabalho que não cuida, que destrói a criação, que põe em
perigo a sobrevivência das gerações futuras, não respeita a dignidade dos
trabalhadores e não pode ser considerado decente. Pelo contrário, o trabalho
que cuida contribui para a restauração da plena dignidade humana, e contribuirá
para assegurar um futuro sustentável às gerações vindouras [4]. E, nesta
dimensão do cuidado, os trabalhadores vêm em primeiro lugar. Ou seja, uma
pergunta que nos podemos formular diariamente: imaginemos, como cuida uma
empresa dos seus trabalhadores?
Para além de uma correta compreensão do trabalho, uma melhor saída da crise
atual exigirá o desenvolvimento de uma cultura de solidariedade, em contraste
com a cultura descartável que está na raiz da desigualdade que aflige o mundo.
Para atingir este objetivo, será necessário valorizar a contribuição de todas
aquelas culturas, como as indígenas e populares, frequentemente consideradas
marginais, mas que mantêm viva a prática da solidariedade, que «expressa
muito mais do que alguns gestos de generosidade esporádicos». Cada povo tem
a sua própria cultura, e creio que chegou o momento de nos libertarmos
definitivamente da herança do Iluminismo, que usou a palavra cultura para se
referir a um certo tipo de formação intelectual ou de pertença social. Cada povo
tem a sua cultura e devemos assumi-la como é: «Significa pensar e agir em
termos de comunidade, de prioridade da vida de todos sobre a apropriação dos
bens por parte de alguns. É também lutar contra as causas estruturais da
pobreza, a desigualdade, a falta de trabalho, a terra e a casa, a negação dos
direitos sociais e laborais. É fazer face aos efeitos destrutivos do império do
dinheiro (…) A solidariedade, entendida no seu sentido mais profundo, é uma
forma de fazer história e é isto que os movimentos populares fazem» (Fratelli
tutti, n. 116).
Com estas palavras dirijo-me a vós, participantes na 109a Conferência
Internacional do Trabalho, pois como atores institucionalizados no mundo do
trabalho, tendes uma grande oportunidade de influenciar os processos de
mudança já em curso. A vossa responsabilidade é grande, mas o bem que
podeis alcançar é ainda maior. Convido-vos, pois, a responder ao desafio que
enfrentamos. Os atores estabelecidos podem contar com o legado da sua
história, que continua a ser um recurso criticamente importante, mas nesta fase
histórica são chamados a permanecer abertos ao dinamismo da sociedade e a
promover a emergência e a inclusão de atores menos tradicionais e mais
marginais, portadores de impulsos alternativos e inovadores.
Convido os líderes políticos e aqueles que trabalham nos governos a inspirar-se
sempre naquela forma de amor que é a caridade política: «“Um ato de caridade,
igualmente indispensável, o empenho com o objetivo de organizar e estruturar a
sociedade de modo que o próximo não se venha a encontrar na miséria”. É
caridade acompanhar uma pessoa que sofre, mas é caridade também tudo o que
se realiza — mesmo sem ter contacto direto com aquela pessoa — para
modificar as condições sociais que provocam o seu sofrimento. Se alguém ajuda
um idoso a atravessar um rio, é caridade primorosa; mas o político constrói-lhe
uma ponte, e isto também é caridade. É caridade se alguém ajuda outra pessoa
fornecendo-lhe comida, mas o político cria-lhe um emprego, exercendo uma
forma sublime de caridade que enobrece a sua ação política» (Fratelli tutti, n.
186).
Recordo aos empresários a sua verdadeira vocação: produzir riqueza ao serviço
de todos. O atividade empresarial é essencialmente «uma nobre vocação,
orientada para produzir riqueza e melhorar o mundo para todos. Deus incita-nos,
esperando que desenvolvamos as capacidades que Ele nos deu, bem como as
potencialidades de que encheu o universo. Nos seus desígnios, cada homem é
chamado a promover o seu próprio desenvolvimento, e isto inclui a
implementação das capacidades económicas e tecnológicas para fazer crescer os
bens e aumentar a riqueza. Mas estas capacidades dos empresários, que são um
dom de Deus, deveriam em todo o caso orientar-se claramente para o
desenvolvimento das outras pessoas e a superação da miséria, especialmente
através da criação de oportunidades de trabalho diversificadas. A par do direito
de propriedade privada, sempre existe o princípio mais importante e
antecedente da subordinação de toda a propriedade privada ao destino universal
dos bens da terra e, consequentemente, o direito de todos ao seu uso» (Fratelli
tutti, n. 123). Às vezes, quando falamos de propriedade privada, esquecemos
que se trata de um direito secundário, o qual depende deste direito primário,
que é o destino universal dos bens.
Convido os sindicalistas e dirigentes das associações de trabalhadores a não se
deixar aprisionar numa “camisa de força”, mas a concentrar-se nas situações
concretas dos bairros e das comunidades em que trabalham, levantando ao
mesmo tempo questões relacionadas com políticas económicas mais amplas e
“macrorrelações” [5]. Também nesta fase histórica, o movimento sindical
enfrenta dois desafios transcendentais: o primeiro é a profecia, e está
relacionada com a própria natureza dos sindicatos, a sua vocação mais genuína.
Os sindicatos são uma expressão do perfil profético da sociedade. Os sindicatos
nascem e renascem sempre que, como os profetas bíblicos, dão voz aos
sem-voz, denunciam quantos «venderiam o pobre por um par de sandálias»,
como diz o profeta (cf. Am 2,6), expõem os poderosos que espezinham os
direitos dos trabalhadores mais vulneráveis, defendem a causa dos estrangeiros,
dos últimos e dos rejeitados. Evidentemente, quando um sindicato se torna
corrupto, já não o pode fazer, e transforma-se em status de
pseudoempregadores, também distanciados do povo.
O segundo desafio: inovação. Os profetas são sentinelas que vigiam do seu
ponto de observação. Também os sindicatos devem velar sobre as muralhas da
cidade do trabalho, como um guarda que vigia e protege aqueles que estão
dentro da cidade do trabalho, mas também vigia e tutela quantos estão fora das
muralhas. Os sindicatos não desempenham a sua função essencial de inovação
social, se protegem apenas os aposentados. Isto deve ser feito, mas é metade
do vosso trabalho. A vossa vocação é proteger também aqueles que ainda não
têm direitos, quantos são excluídos do trabalho e também dos direitos e da
democracia [6].
Caros participantes nos processos tripartidos da Organização Internacional do
Trabalho e desta Conferência Internacional do Trabalho: a Igreja apoia-vos,
caminha ao vosso lado. A Igreja põe à disposição os seus recursos, começando
pelos espirituais e pela sua Doutrina Social. A pandemia ensinou-nos que
estamos todos no mesmo barco e que somente juntos poderemos sair da crise.
Muito obrigado!

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PAPA FRANCISCO ANGELUS

Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
Na liturgia de hoje narra-se o episódio da tempestade acalmada por Jesus (Mc 4,
35-41). O barco em que os discípulos atravessam o lago é acometido pelo vento
e pelas ondas e eles têm medo de afundar. Jesus encontra-se com eles no barco,
mas está na popa, deitado na almofada, e dorme. Cheios de medo, os discípulos
gritam com Ele: «Mestre, não te importas que pereçamos?» (v. 38).
E muitas vezes também nós, assaltados pelas provações da vida, gritamos ao
Senhor: “Por que permaneces em silêncio e não fazes nada por mim?”.
Sobretudo quando temos a impressão de afundar, porque esvaece o amor ou o
projeto em que tínhamos colocado grandes esperanças; ou quando estamos à
mercê das ondas insistentes da ansiedade; ou quando nos sentimos esmagados
pelos problemas ou desorientados no meio do mar da vida, sem rota e sem
porto. Ou ainda, nos momentos em que falta a força para ir em frente, porque
não há trabalho ou um diagnóstico inesperado nos faz temer pela saúde, nossa
ou de um ente querido. Há muitos momentos em que nos sentimos numa
tempestade, em que nos sentimos quase perdidos.
Nestas situações e em muitas outras, também nós nos sentimos sufocados pelo
medo e, como os discípulos, corremos o risco de perder de vista o que é mais
importante. Com efeito, no barco, embora durma, Jesus está presente, e partilha
com os seus tudo o que acontece. O seu sono, se por um lado nos surpreende,
por outro, põe-nos à prova. O Senhor está ali, está presente; efetivamente,
espera – por assim dizer – que o interpelemos, que o invoquemos, que o
coloquemos no centro do que vivemos. O seu sono estimula-nos a despertar.
Pois para ser discípulo de Jesus, não basta acreditar que Deus está presente,
que existe, mas é preciso pôr-se em jogo com Ele, é necessário levantar a voz
com Ele. Escutai isto: é preciso gritar com Ele. Muitas vezes a oração é um grito:
“Senhor, salva-me!”. Hoje, Dia do Refugiado, vi no programa “À sua imagem”
muitos que vêm em embarcações e no momento do naufrágio gritam:
“Salva-nos!”. A mesma coisa acontece na nossa vida: “Senhor, salva-nos!”, e a
oração torna-se um clamor!
Hoje podemos perguntar-nos: quais são os ventos que se abatem sobre a minha
vida, quais são as ondas que impedem a minha navegação e colocam em perigo
a minha vida espiritual, a minha vida familiar, inclusive a minha vida psíquica?
Digamos tudo isto a Jesus, contemos-lhe tudo. Ele deseja isto, quer que nos
apeguemos a Ele para encontrar abrigo contra as ondas anómalas da vida. O
Evangelho narra que os discípulos se aproximam de Jesus, que o acordam e
falam com Ele (cf. v. 38). Eis o início da nossa fé: reconhecer que sozinhos não
somos capazes de permanecer à tona, que precisamos de Jesus, como os
marinheiros das estrelas para encontrar a rota. A fé começa quando acreditamos
que não somos autossuficientes, quando nos sentimos necessitados de Deus.
Quando vencemos a tentação de nos fecharmos em nós próprios, quando
superamos a falsa religiosidade que não quer incomodar Deus, quando
clamamos a Ele, Ele pode fazer maravilhas em nós. É a força suave e
extraordinária da oração, que faz milagres.
Suplicado pelos discípulos, Jesus acalma o vento e as ondas. E faz-lhes uma
pergunta, uma interrogação que também nos diz respeito: «Por que tendes
medo? Ainda não tendes fé?» (v. 40). Os discípulos deixaram-se surpreender
pelo medo, pois tinham fixado mais as ondas do que Jesus. E o medo leva-nos a
olhar para as dificuldades, para os problemas graves e não para o Senhor, que
muitas vezes dorme. Acontece o mesmo connosco: quantas vezes olhamos para
os problemas, em vez de ir ter com o Senhor para depor nele as nossas
preocupações! Quantas vezes deixamos o Senhor num canto, no fundo do barco
da vida, para o acordar apenas no momento da necessidade! Hoje peçamos a
graça de uma fé que não se canse de procurar o Senhor, de bater à porta do seu
Coração. A Virgem Maria, que na sua vida nunca deixou de confiar em Deus,
volte a despertar em nós a necessidade vital de nos confiarmos a Ele todos os
dias.
Depois do Angelus:
Estimados irmãos e irmãs!
Uno a minha voz à dos Bispos de Myanmar, que na semana passada lançaram
um apelo chamando a atenção do mundo inteiro para a experiência angustiante
de milhares de pessoas deslocadas que morrem de fome naquele país:
«Suplicamos com toda a gentileza que sejam permitidos corredores
humanitários» e que «igrejas, pagodes, mosteiros, mesquitas, templos, bem
como escolas e hospitais» sejam respeitados como lugares neutros de refúgio.
Que o Coração de Cristo toque o coração de todos, trazendo a paz para
Myanmar!
Hoje celebra-se o Dia Mundial do Refugiado, promovido pelas Nações Unidas,
sobre o tema “Juntos podemos fazer a diferença”. Abramos o nosso coração aos
refugiados; façamos nossas as suas tristezas e alegrias; aprendamos com a sua
corajosa resiliência! E assim, todos juntos, faremos crescer uma comunidade
mais humana, uma única grande família.

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PAPA FRANCISCO ANGELUS

Depois do Angelus:
Queridos irmãos e irmãs!
[…] Esta tarde terá lugar em Augusta, na Sicília, uma cerimónia de acolhimento
dos destroços do barco que naufragou no dia 18 de abril de 2015. Que este
símbolo de tantas tragédias do mar Mediterrâneo continue a interpelar a
consciência de todos e a favorecer o crescimento de uma humanidade mais
solidária, que derrube o muro da indiferença. Pensemos nisto: o Mediterrâneo
tornou-se o maior cemitério da Europa! […]

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MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO POR OCASIÃO DO EVENTO DE SOLIDARIEDADE NO 30° ANIVERSÁRIO DO SISTEMA DE INTEGRAÇÃO CENTRO-AMERICANO

Excelências, Senhoras e Senhores,
Saúdo cordialmente os participantes no Evento de Solidariedade, promovido por
ocasião do 30o aniversário do Sistema de Integração Centro-Americana, no qual
a Santa Sé participa como Observador extrarregional desde 2012. Esta iniciativa
tenciona mobilizar ajudas para melhorar a situação das pessoas deslocadas à
força e das comunidades que as recebem na região da América Central e do
México.
A palavra solidariedade, que está no centro deste Evento, adquire um significado
ainda maior nesta época de crise devido à pandemia, uma crise que pôs à prova
o mundo inteiro, tanto os países pobres como os ricos.
A crise sanitária, económica e social, provocada pela Covid-19, recordou a todos
que os seres humanos são como o pó. Mas pó precioso aos olhos de Deus (Cf.
Bento XVI, Audiência geral, 17 de fevereiro de 2010), que nos constituiu como
uma única família humana (Cf. Concílio Ecuménico Vaticano II , Constituição
dogmática Lumen gentium, n. 13). E tal como a família natural educa para a
fidelidade, a sinceridade, a cooperação e o respeito, promovendo a planificação
de um mundo habitável e a crer nas relações de confiança, até em condições
difíceis, assim a família das nações é chamada a dirigir a sua atenção comum a
todos, especialmente aos membros mais pequeninos e vulneráveis, sem ceder à
lógica da competição e dos interesses particulares (Cf. Audiência geral, 7 de
outubro de 2015).
Nestes últimos longos meses da pandemia, a região centro-americana assistiu
ao deteriorar-se das condições sociais que já eram precárias e complexas, por
causa de um sistema económico injusto. Este sistema desgasta a família (Cf.
Encontro com os Bispos da América Central (SEDAC), 24 de janeiro de 2019),
célula fundamental da sociedade. E assim as pessoas «sem o calor de um lar,
sem família, sem comunidade, sem pertença» (Ibidem), encontram-se
desenraizadas e órfãs, à mercê de «situações altamente conflituosas e sem
solução à vista: violência doméstica, feminicídio […] bandos armados e
criminosos, tráfico de droga, exploração sexual de menores e de tantos que já
não o são» (Ibidem). Estes fatores, unidos à pandemia e à crise climática
caraterizada por uma seca cada vez mais intensa e por furacões sempre mais
frequentes, conferiram à mobilidade humana a conotação de um forçado
fenómeno em massa, fazendo-a assumir o aspeto de um êxodo regional.
Não obstante o sentido inato de hospitalidade próprio da população da América
Central, as restrições sanitárias influíram sobre o encerramento de numerosas
fronteiras. Muitos foram deixados no meio do caminho, sem a possibilidade de ir
em frente ou de regressar.
A pandemia evidenciou também a fragilidade das pessoas deslocadas
internamente, que ainda «não estão cobertas pelo sistema de proteção
internacional previsto pelo direito internacional dos refugiados» (Dicastério para
o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, Secção Migrantes e Refugiados,
Orientações pastorais sobre os deslocados internos, 2020), e muitas vezes
permanecem sem a devida tutela.
Além disso, nas várias fases de deslocação, tanto interna como externa, há um
número crescente de casos de tráfico de seres humanos, tráfico que «é uma
ferida no corpo da humanidade contemporânea, uma chaga na carne de Cristo.
Trata-se de um delito contra a humanidade» (Discurso aos participantes na
Conferência internacional sobre o tráfico de pessoas, 10 de abril de 2014).
Excelências, Senhoras e Senhores!
Apresentei aqui alguns dos mais importantes desafios relativos à mobilidade
humana, um fenómeno que caraterizou a história do ser humano e que «traz
consigo grandes promessas» (Mensagem por ocasião do diálogo México — Santa
Sé sobre a mobilidade humana e o desenvolvimento, 14 de julho de 2014) para
o futuro da humanidade.
Neste contexto, enquanto confirma o direito exclusivo dos Estados a gerir as
suas fronteiras, a Santa Sé espera um compromisso regional comum, sólido e
coordenado, destinado a colocar a pessoa e a sua dignidade no centro de cada
exercício político. Com efeito, «o princípio da centralidade da pessoa humana
[…] obriga-nos a antepor sempre a segurança pessoal à nacional […] As
condições dos migrantes, requerentes de asilo e refugiados exigem que lhes
sejam garantidos a segurança pessoal e o acesso aos serviços básicos»
(Mensagem para o 104o Dia mundial do migrante e do refugiado, 14 de janeiro
de 2018).
Além destas proteções, é necessário adotar mecanismos internacionais
específicos, que proporcionem tutela concreta e reconheçam o «drama muitas
vezes invisível» das pessoas deslocadas internamente, «relegadas para um
plano secundário nas agendas políticas nacionais» (Mensagem para o 106o Dia
mundial do migrante e do refugiado, 13 de maio de 2020).
Medidas semelhantes devem ser tomadas no respeitante aos nossos numerosos
irmãos e irmãs que se veem obrigados a fugir por causa do aumento da grave
crise climática (Cf. Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano
Integral, Secção Migrantes e Refugiados, Orientações pastorais sobre os
deslocados climáticos , 2021). Tais medidas devem ser acompanhadas de
políticas regionais de tutela da nossa “Casa comum”, destinadas a aliviar o
impacto quer dos fenómenos climáticos quer das catástrofes ambientais
causadas pelo homem no seu açambarcamento de terras, desmatamento e
apropriação da água. Estas violações atentam gravemente contra os três
âmbitos fundamentais do desenvolvimento humano integral: a terra, o teto e o
trabalho (Cf. Discurso aos participantes no Encontro mundial dos movimentos
populares, 28 de outubro de 2014).
Quanto ao tráfico de pessoas, é preciso prevenir este flagelo mediante o apoio
às famílias e a educação, e proteger as vítimas através de programas que
garantam a sua segurança, «a proteção da privacidade, uma habitação segura e
uma assistência social e psicológica adequada» (Dicastério para o Serviço do
Desenvolvimento Humano Integral, Secção Migrantes e Refugiados, Orientações
pastorais sobre o tráfico de pessoas , 2019). As crianças mais pequeninas e as
mulheres merecem uma atenção especial. «As mulheres são fonte de vida; e, no
entanto, são continuamente ofendidas, espancadas, violentadas, induzidas a
prostituir-se e a suprimir a vida que trazem no seio. Toda a violência infligida à
mulher é profanação de Deus, nascido de uma mulher» (Homilia, 1 de janeiro de
2020). Como disse São João Paulo ii, «a mulher não pode tornar-se “objeto” de
“domínio” e de “posse” do homem» (Carta Apostólica Mulieris dignitatem, 15 de
agosto de 1988). Todos nós somos chamados a fomentar uma educação que
promova a igualdade fundamental, o respeito e a honra que as mulheres
merecem.
A pandemia provocou uma «crise educacional sem precedentes» (Mensagem em
vídeo para o lançamento da Missão 4.7 e do Global Compact on Education, 16 de
dezembro de 2020), agravada pelas restrições e pelo isolamento forçado que
puseram em evidência as desigualdades existentes, aumentando o risco de as
pessoas mais vulneráveis caírem nas redes traiçoeiras do tráfico, dentro e fora
dos confins nacionais. Face aos novos desafios, deve-se intensificar a
colaboração internacional para prevenir o tráfico, proteger as vítimas e perseguir
os criminosos. Esta ação sinérgica beneficiará, em grande medida, da
participação das organizações religiosas e das Igrejas locais, que oferecem não
só assistência humanitária mas também acompanhamento espiritual às vítimas.
Em tempos de sofrimento incomensurável, causado pela pandemia, pela
violência e pelos desastres ambientais, a dimensão espiritual não pode nem
deve ser relegada para uma posição secundária em relação à salvaguarda da
saúde física. «A construção de sociedades inclusivas requer como condição uma
compreensão integral da pessoa humana, que pode sentir-se verdadeiramente
acolhida quando é reconhecida e aceite em todas as dimensões que constituem
a sua identidade, incluindo a dimensão religiosa» (Discurso aos membros do
Corpo diplomático acreditado junto da Santa Sé, 8 de janeiro de 2018).
Excelências, Senhoras e Senhores!
Diante de tantos desafios urgentes, é válido também para esta região o apelo
sincero a edificar uma «sociedade humana e fraterna […] capaz de trabalhar
para garantir, de modo eficiente e estável, que todos sejam acompanhados no
percurso da sua vida» (Carta Encíclica Fratelli tutti, 3 de outubro de 2020, n.
110). Trata-se de um esforço conjunto que vai além das fronteiras nacionais,
para permitir o intercâmbio regional: «A integração cultural, económica e política
com os povos vizinhos deveria ser acompanhada por um processo educativo que
promova o valor do amor ao próximo, primeiro exercício indispensável para
alcançar uma sadia integração universal» (Ibid., n. 151.).
A cooperação multilateral constitui um instrumento precioso para promover o
bem comum, prestando atenção especial às causas profundas e novas das
pessoas deslocadas à força, de modo que «as fronteiras não sejam áreas de
tensão, mas braços abertos de reconciliação» (São João Paulo II, Homilia, 6 de
março de 1983). Hoje «deparamo-nos com a escolha entre um dos dois
caminhos possíveis: um conduz ao fortalecimento do multilateralismo […] o
outro dá preferência às atitudes de autossuficiência, nacionalismo,
protecionismo, individualismo e isolamento, deixando de fora os mais pobres, os
mais vulneráveis, os habitantes das periferias existenciais» (Mensagem em vídeo
por ocasião da 75a Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, 25 de
setembro de 2020).
A Igreja caminha com os povos da América Central, que souberam enfrentar as
crises com coragem e ser comunidades acolhedoras (Cf. Mensagem para o 107o
Dia mundial do migrante e do refugiado, 3 de maio de 2021), e exorta-os a
perseverar na solidariedade com confiança recíproca e esperança audaz.
Agradeço-vos de coração e invoco a Bênção do Senhor sobre todos vós e sobre
as Nações que representais.